Piñera pede desculpas: chilenos não aceitam, querem renúncia e Constituinte

Patricia Faermann
Jornalista, pós-graduada em Estudos Internacionais pela Universidade do Chile, repórter de Política, Justiça e América Latina do GGN há 10 anos.
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Denúncias de violência reiterada pelas Forças Armadas continuam, enquanto governo chileno mantém linha de criminalização dos protestos. População não cede a propostas e pede

Fotos: Agência UNO/PiensaPrensa

De Santiago, Chile

Jornal GGN – A resistência das ruas do Chile após consistentes 5 dias de protestos provocou uma tentativa do governo de Sebastián Piñera de diminuir os ânimos da população. Em declaração pública na noite desta terça (22), após o toque de recolher que na capital de Santiago começou às 20h, Piñera pediu “perdão” em rede nacional, antes de anunciar uma “Agenda Social” que seria a resposta às reivindicações das ruas. Por volta das 21h50, já se escutavam os gritos dos chilenos, de suas casas, contra o que consideram ter sido uma tentativa de abafar e não solucionar os problemas.

O plano proposto, sem ainda nenhum compromisso de aprovação, foi um pacote de subsídios estatais, apresentados de maneira otimista, aos já colapsados sistemas de previdência e planos de saúde em parcerias com as farmácias, o aumento de $ 50 mil pesos chilenos (equivalente a R$ 260) no salário mínimo e até mesmo a suposta prontidão do governo em pagar a diferença salarial daqueles trabalhadores que não receberem o piso nacional.

Estes benefícios, prontamente interpretados pelas televisões nacionais como mudanças radicais e propostas efetivas do mandatário, foram imediatamente escutados pela população como formas de estirar ainda mais os planos capitalizados e de privatização de todos os serviços públicos, sem afetar os grandes empresários e cadeias econômicas do país e, inclusive, auxiliá-los nos casos em que não queiram pagar o salário mínimo a seus empregados.

Dessa forma foi lido o trecho intitulado “Salário Mínimo Garantido”, que estabelece “a criação de um salário mínimo garantido de $ 350 mil para todos os trabalhadores com jornada completa que complementam o salário quando seja inferior aos $ 350 mil”.

Os dois primeiros pontos da “Agenda Social” que tratam das aposentadorias e saúde trazem “aumentos imediatos” e “adicionais” às pensões básicas e aos aportes solidários, que foram os programas criados durante o governo de Michelle Bachelet para diminuir a defasagem do sistema capitalizado, sem, contudo, acabar com o modelo que traz lucro aos grandes conglomerados econômicos que detêm investimentos internos e principalmente externos, às custas do empobrecimento de idosos no país.

No quesito saúde, a mesma linha adotada: subsídios para medicamentos de altos custo ou atenções a doenças que requerem tratamentos de alto custo, criando um seguro que “cobre parte do gasto em medicamentos das famílias chilenas”. Novamente, não há um controle do aumento dos preços dos medicamentos ou regulação à atuação de farmacêuticas estrangeiras no país, exigindo a redução destes valores, mas um aporte em que o Estado se compromete a pagar o preço que impõem estes laboratórios.

A íntegra do discurso do presidente do Chile, Sebastián Piñera, nesta terça (22): Mensagem Sebastián Piñera – 22 de outubro de 2019

Outra das petições das ruas dentro do “custo de vida” no Chile era o preço da conta de luz, associada ao aumento do dólar e ultrapassando a inflação ou o salário mínimo. Ao contrário de estabelecer mecanismos de controle destes gastos relacionados ao custo de vida, Piñera apenas indicou momentaneamente “anular o recente reajuste de 9,2% da energia, retroagindo o valor das tarifas elétricas no nível calculado no primeiro semestre deste ano”.

Dois pontos do plano do governo recorrem ao populismo penal: um plano de “reconstrução dos danos e destruições provocados pela violência e delinquência ocorrida nos últimos dias, que produziram sérios danos à infra-estrutura pública” e a criação de uma “Defensoria das Vítimas” destas “delinquências”. Ambas propostas visam fortalecer a imagem criada pelo governo e disseminada pelos meios de comunicação locais da criminalização das manifestações.

O governo ainda deu espaço de destaque propostas enviadas pelo mandatário e pela bancada governista no Congresso, uma delas de mesmo teor dos benefícios às Administradoras de Fundos de Pensões (AFP), que é a redução dos aportes feitos por idosos “mais vulneráveis” às suas próprias aposentadorias, e outra que estipula o fim do Sename (Serviço Nacional de Menores), que abriga crianças e adolescentes que cometeram crimes e que é frequentemente denunciado por violações contra estes menores de idade, substituindo-o por órgão similar com outra nomenclatura.

Somente duas propostas da Agenda Social atenderam a algumas das expectativas das ruas: a que prevê uma divisão de recursos equitativa entre as municipalidades mais ricas e as mais pobres, com transferência de recursos segundo necessidades – o que ainda precisaria ser analisado o mecanismo de divisão, e a que impõe uma nova taxa do Imposto Global Complementar, de 40% para as rendas superiores a $ 8 milhões de pesos mensuais (equivalente a R$ 45 mil).

O discurso do governo, apontando estratégias de desafogar as principais queixas dos manifestantes sem, contudo, recorrer a mudanças estruturais, provocou forte reação dos movimentos, que mantiveram as manifestações previstas para esta quarta (23), entre elas a Greve Nacional. As redes sociais inflaram com as repercussões das propostas, criticando que as medidas financiam os próprios conglomerados e não os serviços públicos:

Vídeos e imagens da truculência desmedida, com denúncias de torturas, prisões ilegais, perseguições políticas, disparos de balas de borracha e armas de fogo contra manifestantes, aumentando a cada dia o número de feridos dos protestos, além de imagens de estratégias reiteradas das forças de segurança que iniciam incêndios em diversas regiões do país para criminalizar os manifestantes, vem aumentando a indignação dos chilenos, que pretendem permanecer nas ruas, prometendo não descansar até a responsabilização do presidente pelas vítimas, a convocação de uma Assembleia Constituinte e a renúncia de Piñera do cargo.

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Patricia Faermann

Jornalista, pós-graduada em Estudos Internacionais pela Universidade do Chile, repórter de Política, Justiça e América Latina do GGN há 10 anos.

7 Comentários

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  1. Essa escória neo liberalismo,assim como nossas escórias, defende tudo atrelado ao preco de mercado,leia-se,dólar.
    Pois bem,se querem apoio para este tipo de política, é preciso que os os salários também sejam em dólar e do mercado internacional.
    Não dá para a energia elétrica ter o mesmo preço no Chile, na Alemanha, nos EUA e o salário ser menos de um quinto do praticado nesses países.
    Além disso,essa gente,a escória internacional, sempre defendeu o fim de toda e qualquer indexação. Agora, para manterem seus lucros, defendem a indexação.
    Esse sujeito que está na presidência do Chile, assim como o que está na presidência do Brasil, tem de governar para seu povo e não para meia-dúzia de bilionários.

  2. Taí, o modelo ipiranguense do nosso Chicago boy, o Chile, pelo visto, lido e ouvido, não passa de mais um país autoritário, falido e em convulsão social devido às políticas neoliberais que os fascistas estão colocando em prática no país, com o beneplácito do PIG, classe média alienada, judiciário corrupto e meia dúzia de milícos decerebrados. Como previsto, a hora do Brasil também irá chegar, não por indução de nossas lideranças apáticas, mas por força do estômago vazio de multidões de brasileiros empobrecidos.

    JAIR FORA BOZO, CANALHA!!!

  3. Ontem o Povo eram bandidos e marginais e havia uma guerra para combatê-los, dizia o Presidente. Hoje, pede desculpas. Aqui no Brasil, a Imprensa não saia da porta da Casa Rosada enquanto os ‘ Kichner’s ‘ estavam lá. Tudo de ruim na Argentina era culpa desta família, diziam em GloboNews diários. Esqueceram da Argentina nestes 4 anos do medíocre Macri. Lembraram agora, que Cristina retorna pela vontade do Povo Argentino. E não adiantam as balelas brasileiras de apoio como boneco inflável ou mídia acusando o Povo Chileno de baderneiro, criminoso, vândalo ou blackbloc’s. Isto ainda colava aqui no Brasil. Colava, porque a Greve dos Caminhoneiros mostrou à toda Nação Brasileira o que Argentinos e Chilenos já sabem há muito tempo. Que o país é diretamente e facultativamente do seu Povo. “Do Povo, pelo Povo, para o Povo”. O resto é farsa, fraude e ditadura. Tchau Pinera. Por que mesmo ficando no poder já é passado. Assim como o dispensável Macri. Argentina e Chile se livram de um lamentável passado, assim como o Brasil se livra destas 9 décadas de Estado Absolutista Fascista, replicadas em farsante e abjeta 4 décadas de fraudulenta Redemocracia. Até nunca mais !!!!

  4. Acho que repercutiu mais no Chile do que no Brasil tudo que se falou aqui sobre reforma da previdência, tendo o Chile como “modelo” progressista, além dos elogios do bolsonaro àquela ditadura!
    O povo sentiu o golpe que sofreram e compreenderam que a miséria que dividiram teve como base a vontade politica!
    Não foi a economia que enfraqueceu as condições de vida da população!
    Foi a vontade politica aliada à ganância da parte pobre de elite!
    Ainda levará tempo para que o brasil possa entender o mal que a rede globo fez ao país!
    A crise que vive o Chile é o entendimento da nossa miséria como espelho…

  5. Acho que repercutiu mais no Chile do que no Brasil tudo que se falou aqui sobre reforma da previdência, tendo o Chile como “modelo” progressista, além dos elogios do bolsonaro àquela ditadura!
    O povo sentiu o golpe que sofreram e compreenderam que a miséria que dividiram teve como base a vontade politica!
    Não foi a economia que enfraqueceu as condições de vida da população!
    Foi a vontade politica aliada à ganância da parte podre de elite!
    Ainda levará tempo para que o brasil possa entender o mal que a rede globo fez ao país!
    A crise que vive o Chile é o entendimento da nossa miséria como espelho…

  6. Ontem no inicio da noite chilenos e demais paises da América Latina manifestaram na Place de la République pedindo a saida de Piñera, por mais direitos e mais democracia. Havia muitos jovens e muitos falaram das dificuldades de se estudar no Chile, por causa dos preços das universidades. Eh mais facil sairem do Pais para entudar em paises onde o ensino superior é gratuito. Também houve discursos pedindo a reforma da Constituição chilena, pois o texto em vigor foi sancionado na época de Pinochet. E os brasileiros em Paris não estavam presentes ou visivelmente presentes ontem na manifestação. Quem sabe na proxima…

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