Reuniões secretas revelam conflitos para Pinochet capitalizar a aposentadoria no Chile

Patricia Faermann
Jornalista, pós-graduada em Estudos Internacionais pela Universidade do Chile, repórter de Política, Justiça e América Latina do GGN há 10 anos.
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As tratativas para os neoliberais capitalizarem a Previdência e os receios dos militares foram registrados em Ata Secreta que o GGN teve acesso

Jornal GGN – A ditadura chilena (1973-1990) foi a precursora do modelo Jair Bolsonaro, promovendo grande abertura ao mercado internacional e uma privatização selvagem que afetou todas as políticas sociais. Nos primeiros anos, as propostas de liberalização provocaram conflitos entre o setor militar do governo e os economistas. Os Chicago Boys acabaram se impondo, implementando os experimentos do “novo capitalismo” de Milton Friedman.

Uma dessas crises internas surgiu justamente quando os Chicago Boys e o então ministro do Trabalho e Previdência Social, José Piñera –irmão do atual presidente do Chile– estavam convencendo o general Augusto Pinochet e a Junta Militar a capitalizar o sistema de aposentadorias. Os argumentos desses economistas e os receios dos militares foram registrados em uma Ata Secreta, até recentemente guardada nos porões da ditadura, em segredo de Estado. Os detalhes desse encontro mostraremos nesta terceira reportagem da série especial do GGN, “O Chile e a Aposentadoria Capitalizada”.

“Os militares são estatistas. Temos como exemplo o que ocorreu na Argentina, no Brasil, com militares desenvolvimentistas e políticas pragmáticas. E os militares chilenos eram também estatistas, não pensavam nesta escala de liberalizações econômicas. Mas no segundo ano da ditadura houve a crise do cobre e eles tinham essa visão de curto prazo dos neoliberais, e compraram o modelo”, relembra Ricardo Ffrench-Davis, um Chicago Boy dissidente, que acompanhou os bastidores dessa mudança no país.

Logo que os militares assumiram o poder com o golpe, o preço do cobre estava alto, e como a exploração do minério era estatal –como a maioria do mercado durante o governo democrático de Salvador Allende– os militares tinham esse lucro à sua disposição. Daí a referência à visão “de curto prazo” pelo acadêmico, que tem em seu extenso currículo a Presidência do Comitê da ONU de Políticas para o Desenvolvimento (até 2010), ainda passando pelo comando da CEPAL (1992-2004), da CIEPLAN e do Banco Central do Chile.

Nessa lógica de gestão, Pinochet e a Junta Militar gastaram estes recursos de uma vez, narrou Davis. E foi com esse mesmo raciocínio que os Chicago Boys convenceram os militares a iniciar o processo de desestatizações – o lucro para os bolsos da União seria visível rapidamente, às custas do fim de garantias sociais. “Eles estavam convencidos de que funcionaria em qualquer contexto, democrático ou não: ‘Se não fizermos agora [modelo neoliberal], vamos perder a oportunidade’”, acrescentou no relato ao GGN.

Mais detalhes sobre esse processo inicial das relações entre militares e neoliberais foram narrados na segunda reportagem da série O falso milagre econômico: Chile, um exemplo do fracasso das capitalizações.

Pouco a pouco, a ala de economistas da ditadura ia convencendo a frente militar e estatista para as mudanças. E já havendo transcorrido oito anos dos Chicago Boys dentro da ditadura, Pinochet suspeitava das decisões que os economistas tomavam. Não foi diferente com a capitalização da Previdência.

Pinochet e o ministro que capitalizou a Previdência, José Piñera – Foto: Arquivo

“Efetivamente entre os militares havia divisões, porque independentemente de todos os horrores que haviam feito, havia uma certa marca nacionalista, receio de empresas que concentrassem capital de certos serviços públicos. Existia a desconfiança do privado de maneira geral”, pontuou o economista Marco Kremerman, mestre em políticas laborais pela Universidade Central do Chile e Universidade de Bologna, Italia, e pesquisador da Fundação Sol, ao GGN.

Kremerman conta que essas crises internas foram registradas em Atas Secretas após cada uma das reuniões de ministros da ditadura militar. “O que se conheceu como Atas Secretas que se deram a cabo durante a ditadura detalham as discussões entre os generais da Junta Militar e os técnicos que estavam trabalhando no governo, que convenceram os militares. Nelas, Pinochet dizia que tinha medo de que os privados tivessem tanto poder ou que pudessem levar esse dinheiro a outros lugares. Ele dizia isso, concretamente”, descreveu.

O GGN teve acesso à Ata Secreta da reunião que tratou especificamente das ideias de capitalizar a Previdência.

Era pouco depois das 9h40 da manha do dia 14 de outubro de 1980, quando o general Augusto Pinochet reuniu a Junta militar e ministros formados pela Escola de Chicago para confrontar a proposta conduzida por Piñera, então ministro do Trabalho e Previdência Social, alinhado aos Chicago Boys, mas defensor da linha austríaca do liberalismo encabeçada por Friedrich Hayek.

Entre as discussões, um trecho do ditador se destaca: “Eu também sou favorável ao sistema em relação a que se deve modificar a Lei de Previdência. Isso eu já manifestei constantemente. Mas eu também já disse que não estou de acordo com o problema esse de que os capitais vão para a parte privada. Na realidade, eu não discordo, mas me choca por calcular que os senhores empresários ainda não tem capacidade para administrar 97 milhões de dólares mensais… Isso é o que me produz angústia, porque dia a dia eu vejo diversas coisas que sucedem, e que ocorra que, de repente, alguém parte com 97 milhões para o estrangeiro. Isso me causa certa preocupação”.

O ditador defendia a mudança para o sistema de contas individuais de poupança, mas que esse controle fosse feito por estatais, o que não modificaria as principais falhas do sistema – veremos em reportagem do especial mais adiante. Entretanto, Augusto Pinochet mantinha as suspeitas para capitalização nas mãos de instituições financeiras privadas: “Este sistema eu encontro maravilhoso, opino que é necessário implanta-lo e que urge fazer a reforma. Mas eu sempre manifestei o seguinte, e acredito que vocês já mas escutaram diversas vezes: quem administrará esse dinheiro?”.

“Isso me produz alergia, porque eu também sei que vários senhores, que se estão tornando milionários neste país, que enviaram pessoas para estudar o sistema porque desejam operar nele. Também estou consciente disso. Portanto, ministro, tudo está bem, mas quando chegamos no aspecto da administração dos fundos, aí é onde me produz uma paralisação. Explico. Se fosse possível que um organismo nosso, do Estado, com responsabilidade, sem que crescesse, vale mencionar o Banco Central, que ele tivesse o dinheiro e entregasse aos bancos, aos fundos, não sei”, manifestou na reunião.

Diante das inquietações do ditador, o ministro José Piñera defendeu que seria criada “uma Superintendência nova, dependente do Ministério do Trabalho e da Previdência Social, que terá sempre uma preocupação, digamos, especial, pelas poupanças previdenciárias dos trabalhadores, a qual estará dedica somente a controlar estas instituições”. E também mencionou que o Banco Central ficaria a cargo do controle dos investimentos, como medida de segurança. Anos depois, mesmo após à redemocratização, novas leis e decretos modificaram essas “garantias” e controles sobre as Administradoras dos Fundos de Pensão privadas no Chile. O tema também será tratado em reportagem desta série.

“Todas as medidas que forem adotadas, senhor ministro, todas, são poucas, porque aqui [os empresários] são artistas… Lembrem-se das minhas palavras”, concluía Pinochet.

O GGN disponibiliza a Ata Secreta desta reunião, abaixo:

Acta Secreta Prevision Capitalizada

 

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Para que podemos alcançar uma cobertura completa sobre o sistema previdenciário no Chile incluindo, ao final do projeto, um documentário, contamos com a sua colaboração pela campanha coletiva que lançamos no Catarse

www.catarse.me/oexemplodochile

Patricia Faermann

Jornalista, pós-graduada em Estudos Internacionais pela Universidade do Chile, repórter de Política, Justiça e América Latina do GGN há 10 anos.

3 Comentários

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  1. O texto destas reportagens estão completamente confusos, não há nenhuma preocupação pela sequência histórica, até agora me parece que quem está escrevendo chegou no Chile sem conhecer o assunto e começa a fazer diversos artigos sobre diversas épocas históricas sem a mínima preocupação com que o leitor entenda o desenvolvimento do sistema de aposentadoria.
    Não há nenhum trabalho em termos de números de demonstrações contábeis e só fica com informações desconexas, afinal contribui para estas reportagens e como alguém que ajudou estou totalmente descontente.

  2. ..um idoso viver com aposentadoria de 400 reais só mesmo na cabeça de banqueiro…..e saber que Lula havia criado o Fundo Soberano do Pré Sal para garantir uma vida digna para o povo brasileiro : tal como ocorreu na Nigéria, o tal Fundo Soberano foi abocanhado pelo regime golpista…..o nosso pré sal continuará engordando o Fundo Soberano: dos noruegueses, claro. .. .

  3. A GRANDE REFORMA DA PREVIDÊNCIA QUE TIRA DIREITO DOS TRABALHADORES E APOSENTADOS . QUE PAÍS E ESSE . PAÍS DA BURGUESIA , ONDE O POBRE FICA SEM DINHEIRO . [ BRASIL SOBERANO ONDE O POBRE VAI TRABALHAR ATÉ OS 70 ANOS PARA SE APOSENTAR ] . MUITO BONITO O QUE ESTÃO FAZENDO COM O POVO BRASILEIRO .

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