“Sacudida democrática” freia avanço da extrema direita na Emilia-Romagna, mas o alerta continua, por Arnaldo Cardoso

O que de mais assustador tem sido apontado por estudiosos sobre a extrema-direita na Itália é o “pacto oculto” que vem sendo selado entre a Liga e diversos grupos de extrema direita, neofascistas, neonazistas

“Sacudida democrática” freia avanço da extrema direita na Emilia-Romagna, mas o alerta continua

por Arnaldo Cardoso

Em eleição regional que ganhou status de referendo nacional o Partido Democrático, de centro esquerda, saiu vitorioso na Emília Romagna, reduto da centro esquerda italiana há setenta anos e que se tornou alvo prioritário na estratégia de poder da Liga, partido de extrema direita liderado por Matteo Salvini.

Stefano Bonaccini, do Partido Democrático obteve 51,42% dos votos enquanto Lucia Borgonzoni, da Liga, obteve 43,63%. O candidato do Movimento 5 Estrelas Simone Benini obteve 4,08% demonstrando o derretimento do partido originário da região – que no último pleito nacional de março de 2018 foi o primeiro colocado em votos –. Também o reduzidíssimo número de votos (0,44%) do Partido Comunista Italiano caracteriza o quadro de polarização entre o PD e a Liga na cena política italiana. Embora no computo geral o PD tenha saído vitorioso não é pouco significativo o fato de que a vitória ocorreu apenas em cinco das nove províncias que formam a região. Ganhar em Bologna com 59,66% dos votos foi muito importante, mas a derrota em Ferrara, Parma, Piacenza e Rimini para a candidata da Liga deve também ser objeto de muita atenção.

Toda a campanha eleitoral se desenrolou sob a ameaça de Salvini de que se vencesse em Bologna, capital da Emilia Romagna, depois das sucessivas vitórias já obtidas pela Liga em recentes pleitos em oito regiões do país, exigiria a renúncia do governo do Primeiro Ministro Giuseppe Conte e eleições gerais antecipadas. Tendo isso em perspectiva a vitória do Partido Democrático, além do alívio que significou está sendo vista como uma nova chance para o PD rever toda sua estratégia de governo regional e nacional e de sua relação com o eleitorado.

Fato novo e marcante nessa eleição, cujo expressivo aumento da presença do eleitor (67,1%, quase o dobro do pleito anterior) foi decisivo para o resultado foi o movimento conhecido como “sardinhas” que, iniciado numa praça de Bologna dois meses atrás, liderado por quatro jovens da região, conduziu uma campanha espontânea e apartidária contra a política de ódio que Salvini e sua Liga representam e levou muitos cidadãos desiludidos com a política para manifestações em praças públicas e, tudo indica, de volta às urnas.

Uma vitória da Liga na Emilia Romagna significaria a queda de uma antiga força política da região, o PD, e ao mesmo tempo o sepultamento de um novíssimo movimento que em dois meses conseguiu sacudir a política com apelo de revitalização democrática pela chamada ao engajamento e participação cidadã. 

Mas no mesmo domingo em que a Emilia Romagna resistiu ao assalto da extrema direita mais uma região sucumbiu. A Calábria elegeu com 55,43% dos votos Jole Santelli do partido Força Itália apoiado pela Liga de Salvini e pelo partido neofascista Irmãos da Itália.

Enquanto as palavras de ordem do capitão Salvini são “identidade, pátria e segurança” em agressiva campanha anti-imigrante com slogans como “Itália primeiro”, o Partido Democrático vem insistindo em um discurso mais complexo com temas como direitos civis, diversidade, meio ambiente, sustentabilidade, inovação. 

O que de mais assustador tem sido apontado por estudiosos sobre a extrema-direita na Itália é o “pacto oculto” que vem sendo selado entre a Liga e diversos grupos de extrema direita, neofascistas, neonazistas, com ações focadas em um público muito jovem de futuros eleitores, engrossando uma subcultura que identifica no ideário e ações da Liga de Salvini a melhor oportunidade para esses grupos se projetarem como atores com poder na conformação social e política do país. Essa movimentação vem sendo realizada em escolas de nível secundário, associações e centros sociais de bairros e movimentos estudantis que promovem entre outras atividades, acampamentos onde palestrantes e treinadores disseminam entre as jovens ideias caras à extrema direita. 

Com o fôlego obtido com a vitória pela centro esquerda na Emilia Romagna, ao Partido Democrático e outras forças progressistas do país está posto o urgente desafio de interromper a escalada dos grupos de extrema direita na disputa pela confiança dos cidadãos e na capacidade de apresentar respostas viáveis a problemas que os afligem enquanto membros de uma coletividade. Derrotar o projeto de poder que a Liga e seus aliados representam para a Itália não é tarefa fácil, mas disso depende o presente e o futuro da democracia na Itália.

Arnaldo Cardoso, cientista político.

Redação

3 Comentários

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

  1. Acredito que a chave para estudar os movimentos de direita e seu recrudescimento no mundo ocidental repousa na frase do texto onde diz: “Enquanto as palavras de ordem do capitão Salvini são “identidade, pátria e segurança” em agressiva campanha anti-imigrante com slogans como “Itália primeiro”, o Partido Democrático vem insistindo em um discurso mais complexo com temas como direitos civis, diversidade, meio ambiente, sustentabilidade, inovação”.
    A direita usa uma comunicação simples, mensagens que falam diretamente ao cotidiano, aos anseios imediatos e dão resposta ao medo das pessoas frente a uma realidade em transformação, numa fase histórica que poderia ser chamada a era da incerteza.
    A esquerda fala e se dirige ao público usando uma linguagem mais intelectualizada falando em transformações sociais, mudanças nas estruturas sociais e na economia que, em primeiro, fogem à compreensão de muitos, em segundo, pressupõem movimentos que tocam em fatores de risco perceptíveis e inaceitáveis pela parcela mais conservadora e, por fim, trazem uma promessa de resultados em um futuro mais distante.
    Os argumentos da esquerda, sem dúvida, são mais honestos e trazem, de hábito, maior consistência e uma resposta mais adequada aos problemas atuais. Todavia, a forma e os canais de comunicação falham consistentemente em levar a mensagem ao público com amplitude e efetividade bastantes para fazerem a grande diferença.

  2. Muito bom o reforço da idéia lançada no artigo.
    O populismo (de direita e de esquerda) apresentando respostas simplistas para problemas complexos vem conquistando o voto não só dos desiludidos mas também daqueles que se beneficiam com a manutenção do status quo.

Você pode fazer o Jornal GGN ser cada vez melhor.

Apoie e faça parte desta caminhada para que ele se torne um veículo cada vez mais respeitado e forte.

Seja um apoiador