Sentença da Corte Interamericana sobre Herzog reacende esperança no caso Anísio Teixeira

Cintia Alves
Cintia Alves é graduada em jornalismo (2012) e pós-graduada em Gestão de Mídias Digitais (2018). Certificada em treinamento executivo para jornalistas (2023) pela Craig Newmark Graduate School of Journalism, da CUNY (The City University of New York). É editora e atua no Jornal GGN desde 2014.
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Por João Augusto de Lima Rocha
 
Depois da sentença da Corte Interamericana sobre Vladimir Herzog, ressurge a esperança de que a morte de Anísio Teixeira também seja investigada
 
Nascido a 12 de julho de 1900, na Bahia, o educador Anísio Teixeira desapareceu no dia 11 de março de 1971, na cidade do Rio de Janeiro. Seu corpo foi encontrado na tarde do dia 13 de março do mesmo ano, no fundo do fosso de um elevador na Rua Praia de Botafogo, 48. Já está definitivamente provada a falsidade da  versão da ditadura, segundo a qual teria caído acidentalmente no fosso do elevador  
 
Pelo visto, a partir do início de 1971 ocorreu uma concentração especial dos setores de inteligência da ditadura na busca do ex-capitão Carlos Lamarca, que havia desertado, juntamente com outros militares, em 24 de janeiro de 1969, levando armas do quartel do Exército, em Jitaúna- SP, para a Vanguarda Popular Revolucionária (VPR), organização clandestina de combate à ditadura da qual o ex-capitão fazia parte. 
 
Lamarca foi considerado o responsável pelo planejamento e execução do sequestro do embaixador da Suíça no Brasil, Giovanni Bucher, ocorrido em 07 de dezembro de 1970, e libertado, 40 dias depois, a 16 de janeiro de 1971, no Rio de Janeiro, após haverem embarcado para o exílio, no Chile, 70 prisioneiros políticos cuja liberdade foi pedida em troca do embaixador. De fato, esse foi um dos episódios mais desmoralizantes vividos pelo regime militar, daí o empenho prioritário das forças repressivas, não somente do Brasil, mas de todas as ditaduras instaladas no Cone Sul, no sentido de buscar e eliminar Lamarca. 
 
Após dois meses do desfecho do sequestro do embaixador suíço, Lamarca desligou-se da VPR, em 22 de março de 1971, para ingressar no Movimento Revolucionário Oito de Outubro (MR-8), a organização da qual fazia parte Stuart Angel Jones. A prisão desse último era um trunfo para os militares, portanto, na medida em que poderia fornecer as informações para a localização de Lamarca. Assim, a investida sobre Stuart foi violenta., a ponto de ter levado a sua morte, na Base do Galeão, da Aeronáutica, em 14 de maio de 1971. 
 
Por outro lado, verifica-se uma conexão entre Anísio Teixeira e o Chile, país onde morou, em parte do anos de 1966, encarregado de realizar a grande reforma da Universidade Nacional daquele país. Naturalmente, os contatos de Anísio com a Universidade continuaram, pois a reforma universitária que implantou fora muito extensa, e deveria incluir acompanhamento a médio prazo, de modo que não se pode descartar a hipótese de que, em 1971, contatos dele com o Chile ainda pudessem estar em curso. 
 
Anísio morreu – hoje se sabe com certeza-  no dia 12 de março de 1971. Diante dessa informação, existe grande  probabilidade de queele tenha sido interrogado na Aeronáutica, após seu desaparecimento, no dia 11 de março daquele ano. A hipótese é confirmado por afirmações insuspeitas, quase coincidentes,de dois acadêmicos, ambos amigos, tanto  de Anísio  quanto de autoridades do regime militar,  a saber, do ex-governador baiano Luiz Viana Filho e do poeta e educador mineiro Abgar Renault. Segundo eles  o educador esteve sob interrogatório na Aeronáutica, no Rio, no momento em que, pela versão oficial, já teria caído para a morte, no elevador do prédio onde Aurélio Buarque de Holanda Ferreira residia, na Rua Praia de |Botafogo, no Rio de Janeiro.  
 
Merece atenção a ligação de Anísio com o Chile, na investigação sobre sua morte, notadamente porque, próximo ao momento em que ela se deu, ocorria grande intensificação das ações repressivas no Brasil, em função do empenho da ditadura militar na localização e eliminação de Carlos Lamarca, cuja então recentíssima ação no sequestro do embaixador Bucher impôs que os  resgatados fossem exatamente mandados para o Chile. Logo depois do sequestro, esse país passou a estar, portanto,  no centro das investigações conjuntas das forças repressoras do Cone Sul.
 
 Antes, em janeiro de 1971, a prisão e morte de Rubens Paiva, sob tortura, aconteceu em decorrência da detenção de duas senhoras brasileiras, quando voltavam de uma visita ao Chile, para o Rio de Janeiro, trazendo correspondências para serem a ele entregues. O assassinato de Paiva ocorreu imediatamente à chegada das duas amigas dele, em consequência das bárbaras torturas que lhe foram infligidas em instalações militares, no Rio de Janeiro, entre 21 e 22 de janeiro de 1971, segundo apurou a CNV. A circunstância da morte de Rubens Paiva reforça a existência do esquema de ação coordenada das forças repressivas com atuação no Cone Sul, antes mesmo da oficialização da terrorista Operação Condor, feita pela ditadura chilena de Pinochet (1973-1990).
 
Menos de dois meses depois da morte de Rubens Paiva, ocorre a morte de Anísio, isto é, a 12 de março de 1971, Anísio Teixeira, que  também fora interrogado em instalação militar, segundo as citadas informações de Luiz Viana Filho e Abgar Renault, provavelmente da Aeronáutica, no Rio de Janeiro. 
 
Portanto, acredita-se que a conexão entre a caçada a Lamarca e as mortes dos três atingidos, no início de 1971, a saber, Rubens Paiva (janeiro), Anísio Teixeira (março)e Stuart Angel Jones (maio), que possuíam relações com o Chile, todas ocorridas no primeiro semestre de 1971, talvez mereça uma atenção especial, na continuidade da investigação que vise ao completo esclarecimento da morte de Anísio Teixeira.
 
A propósito, consta em recente publicação (1917) do Ministério Público Federal, intitulada Crimes da Ditadura Militar, na página 205, uma nota de pé de página que cita a seguinte informação, contida na obra A hora do lobo, a hora do carneiro (1989), :da autoria do médico Amílcar Lobo, conhecido colaborador da ditadura que atuava diretamente no acompanhamento das torturas (v. LOBO, Amilcar . A hora do lobo, a hora do carneiro. Petropólis, RJ, Vozes, 1989, p. 34-35). 
 
No retorno ao Rio, ainda segundo Lobo, o denunciado Sampaio (Rubens Paim Sampaio) lhe disse que: “Existiria uma ordem do próprio ministro do Exército para que todas as pessoas que abandonaram o país, principalmente as que escolheram o Chile como refúgio, deveriam ser mortas após esclarecerem devidamente as atividades terroristas do grupo a que pertenciam antes da evasão. Assim, o CIE (Centro de Inteligência do Exército), copiando um modelo montado pelos próprios indivíduos da esquerda atuante, montou aquele ‘aparelho’ em Petrópolis, onde os presos eram interrogados e, posteriormente, mortos. Concluiu, dizendo-me que a mulher que eu havia operado fizera um acordo com eles para gravar um video-tape, mostrando-se muito arrependida de suas atividades subversivas e condenando radicalmente as ideias apregoadas pelo comunismo. A chefiado CIE aprovou com entusiasmo este acordo e decidiu poupar a jovem”.
 
O torturador acima citado, o então major do Exército Rubens Paim Sampaio,  deu depoimento ao MPF, em cuja publicação acima referida, em nota de pé da página 203, afirma que ele “trabalhou no CIE a partir de 1969/1970 e até 1976. Até aproximadamente 1973, ficou servindo no CIE do Rio de janeiro, depois passou a servir no CIE de Brasília”. Segundo a ficha do cadastro de movimentações de Rubens Paim Sampaio, o denunciado esteve lotado  no gabinete do ministro do Exército, no Rio de Janeiro, entre 4 de agosto de 1970 e 10 de julho de 1974.
 
A informação recente, de Matias Spektor , obtida  nos arquivos da CIA, segundo a qual os próprios presidentes da república militares era quem ordenava a execução de “inimigos” do regime, torna verossímeis todas as suspeitas de mortes não explicadas no período que vai de Garrastazu Médici a João Figueiredo, passando por Ernesto Geisel, inclusive a de Anísio Teixeira. 
 
Dado que Anísio Teixeira foi interrogado na Aeronáutica, no Rio, em março de 1971, o fato de não ter o que informar, na medida em que não pertencia a qualquer organização de esquerda, torna-o ainda mais vulnerável, no sentido de que tivesse sido  considerado um dos  subversivos que seguravam informações e que, por isso, deveria ser torturado e depois assassinado.
 
Portanto, a informação recentemente colhida nos documentos da CIA por Matias Spektor, de que teriam sido os próprios presidentes militares, Garrastazu, João Figueiredo e Geisel, que ordenaram as torturas e matanças de adversários do regime ilegal, imposto em 1964, vem de ser corroborada pela declaração do então major, torturador confesso, Rubens Paim Sampaio contida na citação acima. Segundo ela, o major Sampaio afirma, em depoimento, era o próprio ministro do Exército que repassava aos torturadores a ordem de assassinato de todos os militantes políticos que tivessem passado pelo Chile, após, sob tortura, terem fornecido informações sobre suas organizações políticas.
 
A recente decisão da Corte Interamericana de Direitos Humanos, que obriga  governo do Brasil, por conta de acordo internacional do qual é signatário a investigar, julgar e punir  a morte de Vladimir Herzog, ocorrida em 1975, dá-nos a esperança de que a morte de Anísio Teixeira também seja investigada.
 
¹ vídeo em https://www.youtube.com/watch?v=ZxtSiDObwUE
 
² https://jornalggn.com.br/noticia/a-republica-dos-assassinos-vem-a-tona-por-luis-nassif
Cintia Alves

Cintia Alves é graduada em jornalismo (2012) e pós-graduada em Gestão de Mídias Digitais (2018). Certificada em treinamento executivo para jornalistas (2023) pela Craig Newmark Graduate School of Journalism, da CUNY (The City University of New York). É editora e atua no Jornal GGN desde 2014.

5 Comentários

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  1. Arf.

    Esse papo cansa.

    Querem respostas sobre Anísio?

    Então vamos lá:

    – Jorge Carelli? Ausente.

    – Amarildo? Ausente.

    – Carlos Augusto Barroso? Ausente.

    – Walmir Freitas Monteiro? Ausente.

    – William Fernandes Leite? Ausente.

    – 111 do Carandiru? Ausente.

     

    Eu sei que até entre os valorosos comentaristas desse blog há os que recorrerão ao google para saber alguns nomes, eu fiz isso.

    Jorge Carelli sumiu em 1992, era funcionário da Fiocruz.

    Carlos Augusto, Walmir e William foram mortos na greve de 1988, na CSN.

    Já chega!

    Parem de imaginar que o que aconteceu antes de 1985 ficou restrito a um regime ditatorial civil-militar, e que depois disso a farsa da transição nos legou algum espírito humanista civilizatório.

    O apego a CRFB de 88 como um documento de nascimento de algum tipo de cidadania é uma palhaçada com a profundidade de um comentário de galvão bueno!

    O Estado no mundo capitalista vai fazer as mesmíssimas coisas, ainda que se vista da fantasia de “democrático”, basta que seus estamentos estejam levemente ameaçados.

    Dilma é o exemplo acabado dessa noção: violada fisicamente antes, e politicamente depois.

    Anísio?

    Tem milhares de anisios sumindo todos os santos dias nesse país.

    Não se conserta o caso Anísio de cima para baixo, só porque ele era “alguém”, como marielles e que tais.

    Enquanto tolerarmos o sumiço dos “zés ninguéns”, choraremos a falta dos “alguéns”.

    Como se vê, nem nós da esquerda escapamos da hierarquia de classes na valoração dos nossos mortos.

    Nossa violência é estrutural, quase genética. Transcende as classes, é preferência nacional. Assim como outra arma mortal: a hipocrisia.

     

  2. A segunda morte de Anísio.

    Desculpem meu péssimo humor.

    Mas é de lascar.

    O apego formalista dos setores que gostam de seu auto-proclamar de “centro”, ou se “centro-esquerda” só pode se considerado com algum respeito se o olharmos sob o filtro da ingenuidade.

    Caso contrário, é canalhice ou covardia mesmo, às vezes ambas.

    Ora, pilordas, é isso mesmo?

    Esse blog e seus comentaristas, “adevogados” e “especialistas” em direitos humanos (ufa, há outro direito que não o seja?) estão mesmo a comemorar as “sentenças” da “CIDH”, esse puxadiho da OEA, e esperam mesmo que eles vão nos “ajudar” a resolver aquilo que é nosso papel resolver, e que já deram contas o Chile, a Argentina, o Uruguai?

    Repito, espantado: é isso mesmo?

    A CIDH da OEA, a mesma que se cala frente aos EUA e toda série de violações patrocinadas pelo seu big stick?

    A mesma OEA que manteve CUBA fora, enquanto mantinha as ditaduras sanguinárias?

    A que ataca a Venezuela, e deixa o golpe rolar solto no Paraguai, Honduras e Brazil, zil, zil…

    É isso que vai nos redimir?

    Não me venham com o papo que a CIDH e OEA são coisas distintas, e que o motor que move a política na OEA sempre nos foi desfavorável, mas mesmo assim não se renuncia a luta pela mudança desses organismos.

    Como dizem os blasfemos hermanos: me cago en lá hóstia.

     

    As “sentenças” da OEA parecem tratados de paleontologia com medição de carbono 14. Depois de extintos há bilhões de anos, nossos “dinossauros” da esquerda aperecem como fósseis políticos, e ganham um nome engraçado. Inofensivos.

    Guatánamo está aí, de pé, funcionando. A lei da anistia idem. Somos todos hermanos, como no?

    Deixem os mortos em paz, se não é para lutar por sua memória com os cojones que tal luta exige, deixem descansarem e não profanem suas histórias com covardia e culpa de classe média.

     

  3. Tecnologia para… humanos?

    Sabemos através da imprensa capitalista que Stalin, na distante U.R.S.S., mandou executar quem divergia do comunismo. Não duvido. Mas o que temos por vivência própria e na nossa cara é que o capitalismo, especialmente o do dólar, manda executar. E àqueles que sobrevivem, desumaniza.

    Ô praga que são esses EUA! Com certeza a História não os perdoará por terem trabalhado com tanta vileza e afinco para segurar a evolução do processo civilizatório humano por tanto tempo… Contribuiram para o avanço tecnológico, isso é certo. Mas avanço tecnológico não é avanço civilizatório, humano. E afinal tecnologia… a U.R.S.S. também contribuiu e muito. E a China contribui até hoje.

  4. Vamos lá ..l

    No caso da vereadora Marielle recente , a polícia patina. E existem evidências materiais.r

    Em um caso de quase 50 sem provas materiais creio difícil ter uma conclusão.

    Até isto transitar em julgado o mais jovem dos culpados terá uns 90 anos.

    A conclusão seria para a história apenas.

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