Sobre o ocaso de Patrus Ananias

Do Valor

A retirada de Patrus Ananias

César Felício
04/02/2011

Há políticos que procuram construir sua imagem pública como realizadores de obras, ou com a identificação com uma determinada classe ou grupo social, ou alinhando-se a uma corrente ideológica. E há os que se consolidam investindo na construção de uma personalidade atraente para a opinião pública, a encarnação de um conjunto de virtudes. Os mais bem sucedidos costumam ser os que fazem uma composição de todos os fatores ao longo da vida pública, ou com ao menos mais de um deles.

Ex-ministro do Desenvolvimento Social por seis anos, o advogado mineiro Patrus Ananias é um dos que encarnam a figura do homem virtuoso, de maneira análoga à dos senadores Eduardo Suplicy e Pedro Simon, entre poucos outros. A começar pela austeridade: ele atualmente pode ser encontrado nos dias úteis, das 8h às 14h, dando expediente na Escola do Legislativo da Assembleia mineira, onde entrou por concurso em 1982 e para onde sempre volta quando está sem mandato.

TrabTrabalha em um ambiente coletivo e nem sequer tem um ramal de telefone próprio. Há 19 anos mora no mesmo endereço, um apartamento no bairro de Funcionários, em Belo Horizonte, área em que o preço mais comum para imóveis está em torno de R$ 5 mil o metro quadrado. Algo que nem sempre acontece com políticos que administraram orçamentos bilionários.

Católico convicto, Patrus foi um dos escalados para visitar as paróquias entre o primeiro o segundo turno da eleição no ano passado, na tentativa de reaproximar os fiéis da candidatura da hoje presidente Dilma Rousseff. Seu preparo intelectual não é pouco: professor de direito na PUC mineira, deixa ao alcance da mão leituras densas, como “Ideologia e contraideologia”, de Alfredo Bosi.

Como prefeito de Belo Horizonte nos anos 90 e ministro de Luiz Inácio Lula da Silva, responsável por nada menos que a implantação do programa Bolsa Família, seu saldo administrativo está muito acima do regular. 

O ex-ministro deixa poucas pistas para se entender porque sua carreira política chega a um momento de ostracismo com resultados eleitorais absolutamente pobres.

Patrus ganhou três eleições: vereador em 1988, prefeito em 1992 e deputado federal dez anos depois. Perdeu quatro: vereador em 1982, senador em 1990, governador em 1998 e vice-governador no ano passado. Viveu no governo Lula sua grande oportunidade, ao capitanear um programa que movimentava R$ 40 bilhões.

Chegou a ser citado como presidenciável. Mas não conseguiu nem ser candidato ao Senado. Há muitos anos tornou-se minoritário dentro do PT mineiro. Sugerido como opção para o ministério ou o segundo escalão do governo de Dilma, seu nome foi ignorado. Comenta-se que o veto teria partido de Lula, que atribui a Patrus a divisão petista que levou à derrota eleitoral em Minas no ano passado.

Patrus foi muito menos longe do que os próprios exemplos já citados dos que têm a virtude como trunfo: Suplicy conseguiu eleger-se três vezes senador por São Paulo e Simon chegou a ser governador gaúcho. Uma das explicações possíveis pode ser a baixa aptidão por liderança. Patrus não é um líder, segundo suas próprias palavras. “Não tenho grupo e nem seguidores. Eu tenho interlocutores, companheiros. Quem quer ter seguidores precisa ter uma trajetória inflexível, retilínea, que obriga a tornar a política uma profissão. Foi uma opção minha não ser assim”, comenta.

O ex-ministro não cogita participar das eleições no próximo ano. Pretende escrever uma tese de doutorado sobre políticas sociais. Patrus não se considera o autor do programa Bolsa Família: lembra que a proposta foi formulada no fim de 2003, antes de sua entrada no ministério. E nem avoca para o sucesso do programa parte da responsabilidade pela reeleição de Lula em 2006, ano em que o presidente estava ferido pelo escândalo do mensalão. “O programa nunca sofreu oposição nem do PSDB e nem do DEM exatamente pelo caráter republicano que ele ganhou ao ser implantado”, diz.

Para Patrus, o programa não chegou a erradicar a fome no Brasil. “Acabou a fome endêmica, aquela em que havia uma discussão sobre quantos milhões eram atingidos, mas permanece uma fome ligada ao núcleo duro da miséria, às pessoas que são incadastráveis pela regra atual, por não terem domicílio ou mesmo registro civil. São os moradores de rua, alguns quilombolas, algumas comunidades indígenas”, afirma. Para avançar a este ponto, segundo Patrus, seria necessário agora estabelecer programas envolvendo diversos ministério em uma única ação. “A tarefa que existia no governo Lula era acabar com a fome como um fenômeno generalizado e isto nós fizemos”, afirma.

Há relatos de antigos aliados de Patrus sobre a frustração que o petista causou entre os apoiadores ao se recusar a assumir compromissos políticos normais em campanhas, como a divisão futura de espaços políticos e o equacionamento de questões de financiamento. Sua intransigência ao estabelecer alianças em bases ideológicas foi interpretada como arrogância. O risco de um político que transforma a austeridade em um dos pilares de sua imagem é, de maneira involuntária, estabelecer uma relação de superioridade com os que não agem assim. E, por tabela, tornar-se uma figura relativamente solitária. O advérbio faz muita diferença. Patrus não pretende encerrar 30 anos de militância política. Ele deixa pairar no seu horizonte a perspectiva eleitoral em 2014. “O que estou vivendo agora é um período sabático”, disse, usando um adjetivo que indica claramente a suspensão de uma atividade em caráter temporário, e não um estranho recomeço.

César Felício é correspondente em Belo Horizonte. A titular da coluna, Maria Cristina Fernandes, está em férias

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Luis Nassif

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