Uma parceria GGN-Rede Conecta para decifrar o movimento das redes sociais

Trabalho analisa os efeitos da exposição da CPI da Covid, dos episódios ligados ao general Eduardo Pazuello que acabara envolvendo as Forças Armadas

Como as redes sociais reagiram à questão militar? Esse foi o objeto do estudo da Rede Conecta/CiteLab (Universidade Federal Fluminense) e LabCores (Universidade Federal do Rio de Janeiro), publicado com exclusividade pelo GGN.

O trabalho analisa os efeitos da exposição da CPI da Covid, dos episódios ligados ao general Eduardo Pazuello que acabara envolvendo as Forças Armadas.

É um primeiro exercício interessante, para identificar os principais grupos que atuam nas redes sociais, especialmente no Twitter.

Os quatro grandes clusters analisados são:

1. Esquerda progressista.

2. Direita liberal.

3. Viral ilustrado.

4. Direita punitivista.

É um jogo interessante, que será acompanhado periodicamente por essa parceria do GGN com a Rede Conceta/CiteLab (Universidade Federal Fluminense). É um grupo de pesquisadores do CiteLab (UFF) e LabCores (Universidade Federal do Rio de Janeiro), laboratórios que integram a Rede Conecta de Educação Científica e Midiática.

É uma dança interessante, especialmente entre esquerda progressista e direita liberal, concordando em princípios de políticas sociais e morais, e discordando na economia.

Ambos os grupos disputam o Viral Ilustrado, grupo que se manifesta em episódios específicos de impacto, mas sem alinhamento político.

O quarto grupo é dos lavajatistas, com espírito punitivista, mas se aliando aos demais grupos na frente anti-Bolsonaro.

Aí vão os resultados do primeiro trabalho.

A crise veste farda: o impulso punitivista e a terceira via envergonhada

Projeto: Parceria entre a Rede Conecta/CiteLab (UFF) e Jornal GGN.

Estudo realizado por pesquisadores do CiteLab (UFF) e LabCores (UFRJ), laboratórios que integram a Rede Conecta de Educação Científica e Midiática, como parte do projeto que acompanha as movimentações nas redes sociais sobre os debates relacionados à política e ciência durante a CPI da Pandemia e seus desdobramentos. 

Introdução:

A partir do início da CPI da Pandemia, em meados de abril deste ano, a mídia mainstream, o jornalismo independente e as redes sociais passaram a acompanhar o desenvolvimento da comissão parlamentar de uma forma bastante atenta. A superexposição midiática da CPI passou a envolver amplo espectro da sociedade dentro do debate sobre as responsabilidades e caminhos da crise sanitária e política no país, fazendo das redes sociais, com destaque para o Twitter, campos de disputas políticas-ideológicas. A cada novo passo, novo depoimento, nova movimentação, e a CPI angaria mais e mais engajamento e debate nas redes sociais. Além dos meios jornalísticos, a comissão ganhou contornos notáveis após o depoimento do ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello. No dia 23 de março, depois de um depoimento contraditório e controverso, Pazuello voltou a causar polêmica ao participar de um ato político com Jair Bolsonaro no dia 23 de maio, após participação polêmica na CPI. Atitude essa que fere as regras regimentais das Forças Armadas (decreto nº 4.346/02), nas quais há proibição expressa de manifestações políticas públicas de oficiais da ativa, com o agravamento de que se tratava de um militar de alta patente. O ato defendido por Pazuello como “não político”, causou uma crise imediata na política e dentro das forças armadas, gerando ainda mais repercussão nas redes sociais e no debate público sobre os caminhos da democracia no Brasil.

Diante disso, este estudo busca entender como esta crise envolvendo as forças armadas no Brasil tem movimentado as redes político-ideológicas no Twitter. Nos interessa entender como a crise nas FFAA tem repercutido na internet. Buscamos entender como as relações e os discursos construídos e reverberados nestas redes acabam por revelar aspectos da correlação de força nacional e da crise institucional presente, assim como por quais caminhos anda nossa democracia. 

Período de coleta de dados: 19/05/2021- 00:00:00 e 06/06/2021- 23:59:59. 

Sobre a coleta: 

Os dados foram coletados através do acesso de pesquisadores à API do Twitter. Foram coletadas 1.897.894 conversações, dos quais 1.525.310 retweets serviram de base para a construção do grafo. Aplicamos um recorte temático: somente os tuítes que contivessem a palavras Crise Militar, General Pazuello, Pazuello, Bolsonaro + Crise Militar, General Braga Neto, CPI da Pandemia, Comando Militar, Punição Pazuello, Exército, FFAA, Forças Armadas, General Santos Cruz e General Paulo Sérgio foram utilizados. Grafos e métricas foram gerados através de programação na linguagem R, organizando as redes complexas em imagens que trouxessem leitura mais facilitada.

Análise dos grupos ilustrados no grafo completo:

Imagem 01: Grafo produzido através dos retweets feitos contendo termos relacionados..

Campos políticos-ideológicos presentes nos clusters:

O tema dessa crise envolvendo as FFAA é sensível aos espectros políticos presentes na análise, divide opiniões e gera reações diversas por parte dos atores envolvidos no debate público sobre a crise dentro do Twitter. A repercussão do caso Pazuello produziu todo tipo de reação, de vergonha e ódio a apoio incondicional ao general por setores inserido nos cluster conservador. 

Dentro do grafo gerado na análise, quatro clusters principais se destacaram pelo potencial de conversação e interação no Twitter durante o processo de coleta sobre a crise motivada pelo General Eduardo Pazuello envolvendo as Forças Armadas. São eles:

  • Cluster conservador ilustrado em verde no grafo. Campo composto por atores que fazem parte da base de apoio ideológico nas redes sociais.
  • Cluster progressistas e liberais ilustrado em laranja no grafo. Campo composto por perfis que fazem oposição ao governo Bolsonaro, principalmente no que diz respeito à condução da crise sanitária, militar e das instituições democráticas. 
  • Cluster Viral ilustrado em azul no grafo. O grupo viral em sua maioria é crítico ao governo federal e as políticas públicas implementadas por ele, mas usa de um tom menos politizado na crítica e não permanece muito nas discussões 
  • Cluster Direita punitivista ilustrada em roxo no grafo. Esse grupamento também é crítico ao governo Bolsonaro, à condução da crise envolvendo as Forças Armadas e a quebra institucional promovida por ações do governo. Atores deste grupo compartilham valores econômicos e até pouco tempo estavam alinhados ao bolsonarismo.   

Durante a análise do corpus discursivo da coleta, padrões na construção do discurso de cada campo foram detectados, nos indicando quais posicionamentos políticos-ideológicos os mesmos apresentam e de que forma esses atores lidam com determinado assunto. Todos os clusters, exceto o que representa o campo conservador, se posicionam de forma crítica às posições tomadas pelo governo Bolsonaro e pela forma como a crise foi conduzida através do comando militar.

Points scored

Imagem 03:  Volume de interações e usuários em cada cluster no período da coleta. 

Análise das Métricas gerais:

O gráfico abaixo é resultante de um algoritmo, desenvolvido por Guerra (2018) que mede a polaridade entre dois grupos. Quanto maior o valor de polaridade mais distantes os dois clusters analisados estão, sendo 0.5 clusters totalmente sem comunicação. Sendo assim, é possível perceber que o grupo que mantém maior distância dos outros analisados é o de conversador. Por outro lado, os clusters com maior interação são os progressistas com o cluster viral, aproximação essa perceptível pelos usuários que são colocados como influenciadores dentro do viral. 

Points scored

Campo conservador: o apego ao mito e aos novos mitos 

O cluster do campo conservador é representado por atores conhecidos por seu apoio ao bolsonarismo nas redes sociais: jornalistas, formadores de opinião e influencers ligados a grupos de extrema-direita que tem como uma das principais bandeiras a exaltação ao militarismo. Entre os usuários mais retuitados, perfis anônimos como @BrazilFight e @taoquei1, criados para apoiar o governo, aparecem junto com os deputados Carla Zambelli e Carlos Jordy, Senador Marcos Rogério, e jair Messias Bolsonaro, além de perfis que se apresentam como cristão e conservadores, como @AlanLopesRio, @IzabelleFores e @EnockFormiga. A mídia partidária da extrema-direita, como Jornal da Cidade Online, Terça Livre e jornalistas como Rodrigo Constantino também estão entre os mais retuitados. Entre os perfis mais seguidos estão a família Bolsonaro, Alexandre garcia, Damares, Malafaia, e General Heleno, além das mídia Portal R7, Olhar Digital e Jovem Pan. 

Principais discursos:

Eis que ergue o novo mito: Os setores bolsonaristas constroem seus discursos sob forma de negação da crise, camuflando dissidências e minimizando as atitudes de Bolsonaro e dos setores militares dentro do governo. Utilizam da tática da negação a tudo que não lhes convém. Assim como negam a ciência, relativizam e negam a crise causada por Pazuello e minimizam as polêmicas de Bolsonaro. Ao negar uma realidade concreta, passam a viver dentro de um subconjunto que lhes seja cômodo. Assim, vivem de eleger e seguir mitos. Do mesmo modo, já numa espécie de campanha antecipada, elegem Pazuello como novo herói, iniciando campanha para cargos de governador ou senador pelo Amazonas para o ex-ministro. 

https://twitter.com/CanaldoFalcao1/status/1395098633419243525

Para este grupamento, não haveria inverdade no depoimento de Pazuello. Eles apresentam, com regularidade, dados e estatísticas e apostam na transparência como forma de defender a verdade e confrontar mentiras. Como forma de reforçar o discurso de que não há uma crise institucional-militar, defendem que as Forças Armadas e o SUS estão trabalhando pelo Brasil. 

Entre traidores e esquerdistas: Ao minimizar e relativizar a crise provocada pela participação de Pazuello nas manifestações no Rio de Janeiro e, consequentemente, o não julgamento do ex-ministro como militar da ativa, cujo regulamento proíbe expressamente esse tipo de manifestação, argumentam que os generais Santos cruz e Paulo Sérgio são personalidades isoladas dentro das Forças Armadas com atitudes típicas  de “esquerdistas”.  Para este grupamento, a única crise percebida é junto ao vice-presidente Mourão por inicialmente se posicionar contra Pazuello na participação do ato junto com Bolsonaro. 

Ataques epistêmicos e institucionais: O grupo conservador e de extrema-direita tem promovido ataques à esquerda, acusando-a de ser responsável por pedir o fim das instituições militares. Os sentimentos anti-PT e anti-Lula são recorrentes entre os tweets. Recorrentemente, atacam a mídia e acusam o Senado, sobretudo os senadores que fazem parte da CPI, de serem incompetentes e politicamente alinhados. 

A base de apoio a Bolsonaro nas redes sociais tradicionalmente representa uma grande força de comunicação, reverberando suas posições políticas com grande engajamento de seus seguidores. Nos últimos meses, a rede bolsonarista vem encolhendo, reflexo da adesão de setores da direita liberal que passaram a compor junto com o campo progressista o coro de críticas às políticas sanitárias do governo durante a crise da Covid-19. Apesar de apresentar menor força e tamanho que antes, as redes de apoio bolsonaristas continuam pautando o debate, fazendo muito barulho e gerando extraordinário volume de informação pró-governo nas redes sociais.

Campo de progressistas e liberais: entre a crise e o valor da vida

cluster que representa o campo dos progressistas e liberais, hoje, é o mais influente nas redes, agregando em seu espaço atores e público críticos ao governo Bolsonaro, principalmente no que diz respeito à condução da crise sanitária pelo governo federal. Se apresentando como um campo de amplo espectro político-ideológico, o campo dos progressistas e liberais é composto por atores que transitam da esquerda como por exemplo Marcelo Freixo, a direita liberal, como Ricardo Noblat.  

Entre os usuários mais retuitados neste grupamento estão perfis anônimos como @jairmearrependi, @desmentindobozo e @direitasiqueira, perfis estes criados para fazer oposição às políticas de Jair Bolsonaro e contrapor as redes colsonaristas no Twitter. Nesse campo aparecem com grande poder de alcance perfis de políticos de esquerda como no caso de @MarceloFreixo, @samiabomfim, @BohnGass e @GuilhermeBoulos, políticos conhecidos por fazerem o embate nas redes sociais em oposição ao governo. Aparecem também perfis tanto da mídia progressista como no caso de @luisnassif, @revistaforum e @brasil247, como também perfis de representantes da mídia legada comercial como @blogdonoblat, @oglobopolitica e @folha. 

No estudo direcionado à crise nas forças armadas, o cluster do campo dos progressistas e liberais é reunido em torno de construções discursivas críticas à posição, tanto do Governo quanto do Comando Militar que não puniu Pazuello. Por um lado, sobretudo levantado por atores do campo progressista, as críticas em torno do tema se apresentam de forma politizada, com muitas referências à legislação e politização das Forças Armadas, apontando para a crise institucional causada pelo governo e pelo comando militar. 

Por outro lado, principalmente a partir de atores mais voltados para um campo liberal, trazem a questão econômica como centro do debate, questionando a economia de vacinas mediante o valor da vida. Recorrem também aos gastos do Ministério da Saúde na construção de galpões e sua relação com milícias. 

Principais discursos

Crise institucional-militar: Há uma percepção crescente entre diversos atores, de vários clusters como já citamos, que o exército está desmoralizado e é submisso às vontades de Bolsonaro, geralmente avessas aquilo que se esperaria de um governo que preza pelo debate nas múltiplas instâncias democráticas, respeitando as opiniões e tomando passos em consonância com a vontade da maioria.  

Burocratas da morte: Outras conversações citam a “burocracia da morte”, ou seja, essa flexibilização da importância da vida enquanto se aumenta enormemente a quantidade de armas no país, fortalecendo, provavelmente, as milícias – sem gerar qualquer programa que tenha foco na vida e na paz. Essa burocracia também se refere aquilo que Hannah Arendt nomeou como “banalidade do mal” ou a “necropolítica”, cunhada inicialmente por Achille Mbembe. Enquanto Pazuello via as tabelas e planilhas que indicam “normalidade”, as pessoas sufocavam por falta de oxigênio hospitalar.

Ala liberal no campo progressista: Os setores liberais que compõem o campo progressista fazem um discurso em torno da legalidade e da ordem institucional, apontam para o risco de incentivo à indisciplina e quebra da ordem hierárquica. Conforme seus pares hoje presentes no campo da direita punitivista, apelam para o senso da lei e da moralidade, se atendo a questões críticas à quebra regimental.   Trazem, sobretudo, um discurso voltado para a questão econômica das vacinas e sobre gastos do governo durante a gestão da crise sanitária. 

Campo Viral: fugacidade e humor na política. 

O campo viral tem sua atuação marcada por uma fugacidade e humor, vide a forte presença do perfil do Sensacionalista. São atores que surgem nos momentos de maior impacto, e mantém conversações muito breves. Então, tão rapidamente quanto chegam, costumam se retirar. Devemos destacar que a maioria das publicações desse grupo são realizadas por pessoas comuns, sem cargas político-ideológicas marcantes em seus discursos – cujos tuítes ganham relevância exatamente por sua viralização. Costumam entrar dentro do debate político quando algo de relevante acontece na mídia e os demais campos repercutem, como por exemplo a ida de Pazuello como general da ativa em um ato político. Tendem a se posicionar sobre pautas progressistas, não compartilham visões conservadoras e não costumam fazer discursos de ódio. Esse grupamento costuma debater temas políticos em sua superfície, sem argumentos técnicos e ideológicos marcantes. Um bom exemplo disso é que durante nossas análises do corpus textual, não encontramos citação a nenhum nome de general envolvido, apenas Pazuello surgia e de modo genérico. 

No levantamento, destaca-se a notável a presença do perfil oficial do ex-presidente Lula aqui como o principal ator de influência. Lula, nos últimos meses, tem crescido fortemente nas redes, reflexo da reconquista de seus direitos políticos e do desfecho do Lavajatismo, o que também se reflete nas pesquisas tradicionais de intenção de votos. O perfil do grupamento viral, por não serem atores engajados dentro do campo de debates políticos-ideológicos, indica parte da sociedade brasileira que ainda está em disputa para as eleições de 2022 – algo em torno de 40% do eleitorado, como vem indicando pesquisas de voto recentes. 

Entre os usuários mais ativos dentro do campo viral, temos em sua maioria perfis anônimos que entram no debate quando algo de significativo acontece, como @ivanildoiii e @o_weverton. No campo viral aparece com grande força o perfil @Lulaoficial e @sensacionalista, como também o perfil @oatila. O perfil do @midianinja aparece com grande destaque no levantamento no campo viral, comumente o perfil está presente dentro do campo progressista. 

Principais discursos:  

Mortes e a crise econômica: Tuítes desse grupamento costumam culpar o governo pelas mortes em meio a pandemia e pela crise econômica que se instalou no país nos últimos anos, apontando para o fato de que Bolsonaro é omisso na condução do país. Questionamentos sobre políticas públicas de combate à pandemia aparecem em tom de cobrança e revolta, apontando para Bolsonaro como o principal fator da crise e das mortes por Covid-19 no Brasil.

De militar problemático a político do baixo clero: Neste grupo, Bolsonaro é retratado como um ex-militar desajustado e problemático, que não conseguiu seguir a carreira militar, sendo posto na reserva antes do tempo por causa do mau comportamento. Constroem-se a narrativa de que nos quase 30 anos como deputado, Jair Bolsonaro era conhecido pelas polêmicas e por não ser afeito ao trabalho parlamentar. 

Segurança nas afirmações: O grupo viral demonstra conhecimento sobre a conjuntura, aponta para os erros cometidos por Pazuello a frente do Ministério da Saúde e o aparelhamento da máquina estatal por milhares de militares da reserva e da ativa. Apontam para omissão do comando militar em relação às políticas públicas desastrosas patrocinadas pelo governo federal. As Forças Armadas é vista por muitos nesse grupo como desmoralizada e oportunista, aproveitando o governo Bolsonaro para assumir certo grau de poder junto ao Estado.  Constantemente ressaltam a falta de segurança na fala dos depoentes, sobretudo Pazuello.

Mentiras de Pazuello com dados: Não faltam menções à falta de capacidade de Pazuello gerir o Ministério da Saúde em meio a maior crise sanitária da história brasileira e a forma como o ex-ministro conduzia a pasta. Muitos tuítes apontavam para o fato de que em seu depoimento o ex-ministro utilizava de dados falsos ou sem comprovação científica para justificar suas políticas à frente do ministério. Nesse sentido, a desmoralização das FFAA em relação a imagem de Pazuello marca o tom das críticas ácidas e pontuais em relação ao negacionismo produzido pelo governo Bolsonaro e sua equipe.   

Direita punitivista, os viúvos do Lavajatismo

O cluster roxo que é composto por atores da direita liberal punitivista que postulam críticas ao governo assim como o campo progressista; eles relacionam a atual crise institucional das FFAA à forma irresponsável e politizadora na qual Bolsonaro mantém o alinhamento com os mais diversos setores das forças de segurança e armadas no Brasil. O que diferencia esse grupamento dos demais discursos críticos encontrados nos campos progressistas-liberais e viral são os posicionamentos nessa ocasião desses atores, que se colocam como formadores de opinião dentro deste pequeno grupo e trazem um discurso mais reacionário como forma de superar a desmoralização das forças armadas causada por Pazuello. 

Destaca-se o aparecimento de dois atores centrais no cenário político dentro desse grupo: Ciro Gomes e Santos Cruz. Ambos são conhecidos por críticas tanto ao Bolsonaro quanto ao Lula para a eleição de 2022, fazendo nas redes sociais campanhas críticas a ambos e no caso do Ciro Gomes, se colocando como uma alternativa, segundo sua estratégia, à uma suposta polarização entre os dois mais bem avaliados nas pesquisas para a eleição. Atores deste campo político-ideológico que agora aparece é formado por parte da mídia liberal entusiasta do lavajatismo e que após os escândalos relativos à operação lava-jato, buscam criar uma opção como terceira via para as próximas eleições nacionais.

Entre os usuários mais retuitados do grupo temos perfis de jornalistas e formadores de opinião como @veramagalhaes, @diogomainardi e @oantagonista. Entre veículos de mídia aparece o perfil da  @cnnbrasil e do @Estadao. Aparecem também com grande engajamento o perfil de políticos como @cirogomes, do general da reserva @GenSantosCruz, @MarinaSilva e @Sen_alessandro (Vieira). O que chama a atenção neste campo é a presença de perfis de apoio ao ex-juiz e ex-ministro Sérgio Moro, como exemplo @PautasDoMoro, @VemPraRua_BR e @ApoiadoresdeSM. 

Principais discursos

A desmoralização do exército: Predominam discursos apontando que a insubordinação e a corrupção estão levando as formas armadas e o país à anarquia. Defendem narrativas punitivistas e de tom acusatório e apontam para a crise nas forças armadas de forma moralista. Os tweets desse grupo praticam narrativas envoltas na legalidade, do estado judicializado contra os setores criminosos do poder público, apontando as forças armadas como instrumentos de dominação do bolsonarismo.   

Legalidade, judicialização e reacionarismo: Alguns tuítes presentes nesse grupamento fazem críticas em forma de cobrança sobre a legislação militar e o dever de punição para quem fere as regras estabelecidas. Indagações sobre os motivos da não punição ao general e as consequências deste ato estão presentes em forma de contestação da forma como as forças armadas agem para resolver a crise. Trazem discursos com chamados para as forças armadas reagir à insubordinação e superar a desmoralização do exército diante da crise institucional-militar para recuperar a honra perdida com o aparelhamento político no setor militar. 

Críticas a Lula e a esquerda e o desespero pela terceira via: No grupamento é comum encontrar menções a Lula e a esquerda de forma crítica, colocando dentro de um aspecto negativo tanto o bolsonarismo como as bandeiras da esquerda. Seus discursos são construídos de forma a afirmar a necessidade de uma terceira via para as eleições de 2022, atores desse grupo, antes apoiadores do bolsonarismo hoje se veem isolados dentro do campo político sem um nome competitivo para as próximas eleições.  

Análise temporal e volume de interações

O pico das interações no cluster conservador se deu no dia 19/05, com publicações que comentavam em tom de forte crítica a postura omissa de Pazuello enquanto ministro da saúde: como este e esse outro. Já o campo progressista, possivelmente devido ao fato de não ter sido surpreendido com essas informações, teve as maiores taxas de interação no dia seguinte, devido a um tweet do  senador Randolfe Rodrigues, às 11h, e um tweet do Guilherme Boulos, às 13h. 

Posteriormente, no dia 03 de junho, a partir do tweet do deputado Marcelo Freixo quando anunciado a não punição de Pazuello pelas Forças Armadas.

Já o campo viral teve um pico de interações às 11h do dia 19 de maio devido a um tweet do ex-presidente Lula. Posteriormente, outro tweet do Lula marca um novo pico no cluster viral, no dia 28 de maio, às 10h. 

 Foi possível observar outros picos no campo conservador em junho. O primeiro ocorreu no dia 01 de junho, em que Bolsonaro apresentou dados como forma de propaganda de seus feitos. Outro pico aconteceu no dia 03 de junho, em referência à notícia de que o Pazuello não iria sofrer punição pelo exército. 

Principais resultados:

  • Há uma predominância de discursos pautados em valores morais e políticos sobre a crise militar, presentes em todos os clusters analisados no estudo e na construção de suas narrativas. Nesta instrumentalização, o discurso em torno da crise institucional na qual se encontra o Brasil, fica evidenciada em diferentes campos político-ideológicos. Cada campo reage de forma específica, cada um dentro dos parâmetros ideológicos para a leitura da realidade.
  • A voz da esquerda raiz: O campo que tem mais engajamento é o progressista, composto principalmente por atores da esquerda e centro-esquerda que tem grande capacidade de comunicação com suas bases e reverberam com maior ênfase os discursos críticos ao governo Bolsonaro e a condução da crise sanitária. Dentro desse grupo os principais atores são políticos como Sâmia Bomfim, Marcelo Freixo, Jandira Feghali, Guilherme Boulos entre outros. Neste cluster encontramos também perfis de mídias progressistas como Revista Fórum, Luís Nassif, Brasil 247, DCMonline entre outros que são nativos do campo progressista nacional.
  • Liberalismo, punitivismo e a apropriação das bandeiras populares: Dentro do campo progressista aparecem atores que não são alinhados ideologicamente com a esquerda e suas bandeiras de luta sociais, compartilhando de forma momentânea a crítica ao governo Bolsonaro e se apropriando do poder de circulação de informação que o campo progressista tem junto a sociedade. Estes atores como, Ricardo Noblat, O Globo e Folha, hoje compõem um campo crítico ao governo junto com setores da esquerda. Antes costumavam reverberar valores liberais, punitivismo judiciário e foram com isso responsáveis pela desestruturação das instituições nos últimos anos. 
  • As sobras para os regicidas: Dentro de um cenário de polarização entre fascismo e democracia, o que sobra para os mercenários do neoliberalismo? A direita neoliberal construiu as bases da desestabilização política no Brasil, promovendo a quebra das instituições e do Estado de direito. Era preciso afastar o fantasma do desenvolvimentismo para colocar em prática políticas de encolhimento do Estado, privatizações e precariado. A polarização provocada por esse grupo elegeu Bolsonaro, colocando no poder a extrema-direita que se apropriou das políticas neoliberais como forma de manter o apoio das elites. Bolsonaro utiliza do ultraliberalismo como cortina de fumaça para promover políticas obscurantistas, promover o negacionismo científico e a exaltação da violência como método de dominação ideológica e de Estado. A tentativa deste grupo de construir a terceira via é o reflexo do isolamento político de alguns setores próximos, causado pela defesa ferrenha da Lavajato e de seu modus operandi. Eleitores e cabos eleitorais do bolsonarismo, hoje arrependidos, não podem assumir uma aliança com o governo federal e muito menos aceitam a volta do ex-presidente Lula ao jogo político. 
  • Inaptidão democrática e relativismo: O campo conservador aciona um discurso de exaltação moral,  exaltando as figuras de  alguns personagens centrais na construção ideológica de seu campo político, reforçando o caráter patriotico e da autoridade violenta.  Minimizam qualquer possibilidade de crise institucional-militar e se apropriam da autoridade “cívica”, se colocando como alinhados a valores de verdade, da ordem e da lei e elegem novos mitos para dar continuidade a um projeto político alinhado ideologicamente ao conservadorismo.
  • Há uma disputa sobre a legalidade e o senso democratico que têm sido acionados enquanto valores a partir de percepções próprias nos diferentes campos, sendo instrumentalizada para estar de acordo com suas visões de mundo e enquadrada em seus argumentos, independente do campo político. Desta forma, por mais que seus discursos possam ser pautados pela tecnicidade ou pelo argumento racional, é comum a apropriação dos valores morais pautados pela ideologia.  

Considerações finais

A crise nas Forças Armadas motivada pela decisão de não punir a quebra regimental de Pazuello, da participação num ato político, enquanto general da ativa, se tornou tema sensível, causando fortes debates nas bases ideológicas dentro do espectro político nacional. Motivados, principalmente, pela grande presença de militares da ativa e da reserva em cargos centrais do Governo Federal, a percepção popular de uma crise onde setores militares contradizem outros, e é refletida nas redes pela preocupação com os rumos da democracia no Brasil.

Fizemos uma coleta relacionada à crise nas FFAA. Diferentemente de outras coletas feitas sobre a CPI, em que eram nítidos os campos progressistas, liberais e conservadores, nesta coleta foi possível observar um outro grupo, os “viúvos do lavajatismo”. Nesse cluster, bem delineado como sendo de atores da  direita liberal, apareceram repetidamente os atores Santos Cruz e Ciro. A motivação desse grupo pode corresponder a alguns setores que estão dialogando para a formação de uma terceira via para a campanha de 2022. Talvez uma frente com setores liberais que fazem oposição ao governo Bolsonaro, mas podem entender que um militar como Santos Cruz, colocado como legalista, poderia reforçar uma chapa de terceira via, apostando na possibilidade de mudanças estruturais na correlação de forças. De acordo com as últimas pesquisas de opinião feitas da forma tradicional nas ruas, hoje existe uma preponderância de intenção de votos entre Bolsonaro e Lula, cada qual com 30%. Assim, esquerda e extrema-direita disputam cerca de 40% dos eleitores que ainda não se decidiram. Com apoio dos setores liberais para formar uma terceira via, Ciro Gomes, Doria e Mandetta buscam conquistar o apoio dos indecisos, que não votariam em Lula ou no Partido dos Trabalhadores. É nessa busca por conquistar votos de eleitores, vemos o cluster viral como um grupo estratégico. Apesar de não alinhados ideologicamente a um espectro político específico, percebemos que esse grupo mobiliza uma forte crítica ao governo atual, acionando humor, performance e política como parte inerente de participar das discussões sobre a conjuntura nacional. 

Pesquisadores envolvidos no estudo: 

Thaiane Oliveira (@ThaianeOliveira) – Professora em Comunicação do PPGCOM-UFF

Reynaldo Aragon Gonçalves (@ReyGoncalves) – Doutorando em Comunicação do PPGCOM-UFF

Janderson Pereira Toth (@trifenol) – Mestrando em Informática PPGI – UFRJ 

Wanderley Anchieta (@wanchiet ) – Doutor em Comunicação do PPGCOM-UFF 

Realização:

Rede Conecta de Inteligência Artificial e Educação Científica e Midiática 

Laboratórios:

Parceiros: 

Os estudos de rede sobre a CPI da Pandemia serão publicados de forma periódica e com exclusividade para o Brasil 247 e pelo site do Cite-Lab neste endereço: http://citelab.sites.uff.br/citelab/ e mídias parceiras da Rede Conecta.

Luis Nassif

0 Comentário

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Você pode fazer o Jornal GGN ser cada vez melhor.

Apoie e faça parte desta caminhada para que ele se torne um veículo cada vez mais respeitado e forte.

Seja um apoiador