Vamos falar de governabilidade, por Luís Fernando Vitagliano

 

Artigo do Brasil Debate

Por Luís Fernando Vitagliano

Ao contrário do que supõe o senso comum, um governo eleito não dispõe de todos os poderes políticos de uma sociedade. Em qualquer lugar do mundo, a composição é necessária, independentemente do regime político ou do grupo que ascende ao poder. Negociação é componente fundamental de um bom governo. Para realizar boas medidas, é preciso antes saber fazer boas negociações.

Não vou entrar no mérito das polêmicas recentes sobre temas específicos como o seguro-desemprego, a taxa de juros ou as políticas sociais e as contas públicas. Este artigo pretende tratar das macrodecisões do governo Dilma e da relação com as estruturas políticas que geram apoio ou críticas ao governo. Vamos tratar de governabilidade.

Para a Ciência Política, governabilidade é o conceito ligado à capacidade de governo em aprovar projetos junto ao Legislativo. Basicamente, estamos olhando para os partidos políticos e a composição que sustenta o governo no Congresso. Enquanto, nos EUA e Europa, por exemplo, a governabilidade pode ser definida por dois ou três partidos – ou a China que é um caso de partido único –, no Brasil são 28 partidos com representação no Legislativo e, para se construir maioria simples, é preciso pelo menos cinco ou seis partidos na base do governo.

As características do nosso sistema político são desastrosas quando o propósito é a negociação para a governabilidade. A articulação obriga qualquer governo a abrir mão de parte do seu projeto político para compor maioria no Congresso.

Veja o governo Dilma que, com 10 partidos representados no primeiro escalão do governo, não foi capaz da influenciar na eleição para presidência da Câmara e agora tem na casa um político não só independente em relação aos interesses do governo, mas que muitas vezes poderá se comportar como adversário político mesmo sendo da base aliada.

Mas, não é só isso. Para governar também é preciso mobilizar interesses materiais, então os cientistas políticos passaram a chamar a atenção para outro tipo de interferência sofrida pelo Legislativo e distinguiram a governabilidade política da governabilidade econômica.

A capacidade que grandes empresas e organizações patronais têm de fazer valer seus interesses junto ao Estado e sua capacidade para mobilizar a chamada opinião pública em seu favor fez com que se considerasse o fato de que as elites econômicas também disputam a governabilidade, ou, pelo menos, influenciam nesse processo.

O que ocorre hoje não é novidade.

A ascensão do PT ao governo federal em 2002 complicou-se em ambas as governabilidades. De um lado o partido dispunha de pouco apoio político no Congresso e se obrigou a ampliar o leque de alianças. De outro lado, a desconfiança dos setores econômicos não proporciona ao governo apoio junto ao empresariado.

Com essa conjuntura inóspita, o Partido foi forçado a buscar condições de governabilidade muito particulares. O PT, sob a batuta de Lula, desenvolveu uma nova fonte para sua governabilidade mobilizando os setores sociais que o elegeram.

Num processo ambíguo e cheio de contradições, a presença dos movimentos sociais, sindicatos, associações da sociedade civil e movimentos de esquerda puderam influenciar decisões, manifestando apoio ao governo ou enfrentando outras forças políticas numa disputa do que antes lhes era renegado e exclusivo do capital e das oligarquias políticas.

Os governos petistas pautaram-se sempre pela conciliação. Para isso, construíram alianças, compuseram propostas, abriram mão de alguns avanços em função da resistência conservadora. A opção foi pelo consenso. Mas, em todos os momentos, os caciques políticos e as elites econômicas tiveram que conviver com a posição dos setores sociais no processo de construção do consenso.

O primeiro governo Dilma seguiu a mesma linha de Lula, ainda que com resultados mais modestos. Enfrentou talvez reação mais intensa dos setores tradicionais da governabilidade política e econômica porque viram nela menos mobilização dos setores sociais. Agora as deliberações do seu segundo governo diminuem ainda mais a relação com a governabilidade social.

O problema é que isso pode gerar ainda mais dificuldades.

Ao sinalizar ao mercado financeiro e a governabilidade econômica e nomear Joaquim Levy para a Fazenda, Dilma decidiu aproximar-se das elites econômicas para não manter-se em conflito com os setores descontentes e re-estabelecer a confiança. Depois se preocupou em nomear ministros que pudessem construir sua governabilidade política. Para ficar apenas em alguns dos exemplos, Cid Gomes, Kassab, Katia Abreu e George Hilton são da base política e foram nomeados com a incumbência de dar sustentação partidária ao governo.

Agora vemos que, mesmo com todos os esforços de articulação política, Eduardo Cunha furou o bloqueio e elegeu-se presidente da Câmara. É importante lembrar que foi dele a mobilização para derrubar o decreto que regulamentava a participação dos conselhos sociais.

Dilma investiu na governabilidade política e econômica ao passo em que se afastou da articulação da governabilidade social. Suas primeiras medidas distanciam o governo de sua base – e, certa forma, da militância do seu próprio partido. Os acontecimentos podem rumar para o conflito aberto quando o Ministro da Fazenda, representante da governabilidade econômica, não dialoga com os representantes da governabilidade social e impõe suas medidas, e o presidente da Câmara pode criar constrangimentos.

Não estamos tratando de autonomia, são enfrentamentos políticos. E é assim, na definição das decisões e preferências, que o governo determina seu rumo. De fato, ou a governabilidade social entra no cálculo, ou o projeto político do PT perde espaço.

O momento é claramente delicado para manter e avançar nas políticas que representam de fato mudanças e marcaram a passagem do PT pelo Palácio do Planalto. Assim, é fundamental perceber que a governabilidade social permitiu vitórias importantes para os governos Lula e Dilma. Essa costura não foi apenas uma inovação do petismo, mas também o pilar dos projetos sociais. Um cálculo político astuto e inovador que parece ter sumido neste início de segundo mandato.

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Redação

4 Comentários

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  1. Alerta

    Quem vai falar claramente para a Presidenta.

     

    Meu Deus! Ela foi eleita pelo povo, com muita dificuldade, achando ela uma companheira, ai ela volta a não dar satisfação para o povo?

    Ela deve informar o povo o porque de suas atitudes, e o que espera para o futuro próximo, para acalmar a população. O povo gosta de se sentir intimo com o presidente.

    Acho bom ficarem espertos, porque, grande parte dos que voltaram nela, estão se sentindo ignorados e, provavelmente sairão nas ruas, acompanhando o pessoal do contra.C

     

    Alguém de vocês que estão mais próximo, tem que alerta-la.

    O presidente Lula quase toda semana se dirigia á nação incentivando e dando esperança.

     

    Ricardo Cebalho

  2. Presidente da Camara

    Ex-contadora de Youssef revela possível envolvimento de Eduardo Cunha

    Meire Poza era contadora do doleiro Alberto Youssef, preso pela operação Lava Jato, da Polícia Federal. Segundo ela, “Ari (Ari Ariza, agente autônomo de investimento que trabalhava com Alberto Youssef) sempre disse que ele e o deputado Eduardo Cunha são bons amigos”. “Foi emitida uma nota no valor de mais de um milhão. O Ari dizia que qualquer problema com a nota ele falaria com o Eduardo Cunha”, disse. Meire afirmou que Ari sempre disse ser amigo do deputado e presidente da Câmara dos Deputados Eduardo Cunha (PMDB): “Existe essa amizade dele com o deputado Eduardo Cunha”. Ela afirma que, depois de ter sido deflagrada a operação Lava Jato, esteve com o Ari, porque ele tinha preocupação com a nota emitida. ‘Se você precisar de alguma coisa, eu posso falar com o Eduardo Cunha’, afirmou Ari à Meire, segundo entrevista exclusiva à RedeTV!.

     11/02/2015 11p4

     

  3. Na pressa de apontar só os

    Na pressa de apontar só os defeitos, as falhas e as carências do chefe de Governo de uma nação tão complexa como a nossa esquecemo-nos muitas vezes de ponderar e descontas certos aspectos que o autor desse texto e outros analistas, incluindo o colega comentarista Diogo Costa, tão bem levantam nesse quesito da governabilidade.

    Com um sistema político estruturado na forma que ora se apresenta, no qual um Congresso antagônico tem o poder e a capacidade de paralisar um governo, mais do que nunca é imprescindível dentre as qualidades pedidas para o exercício do cargo de Chefe do Poder Executivo a disponibilidade, vontade e vocação para o diálogo político. 

    Talvez esse seja o calcanhar de Aquiles da presidente Dilma. Seu voluntarismo; a nenhuma experiencia nas artes da negociação e das artimanhas da política; o vezo típico de executivos que querem resutados a curto prazo é que vem dificultando sobremaneira a gestão da dimensão política do Poder. 

  4. Em Março de 2010, pesquisa

    Em Março de 2010, pesquisa Datafolha apontou o PT como o partido preferido de 34% dos eleitores brasileiros (mesmo índice apontava a queda da preferência petista para 16% em Setembro de 2014 e 12% em Fevereiro de 2015), nunca um partido brasileiro conseguiu algo expressivo desde o início do pluripartidarismo em 1980.

    Em qualquer país no mundo essa popularidade seria explorada, mas o PT resolveu jogar fora quando ignorou a vontade das bases partidárias priorizando um amplo arco de alianças eleitorais que prejudicaram muito a possibilidade de crescimento parlamentar de partidos de esquerda.

    Lula tinha uma popularidade de 80% com um PIB crescendo 7%, era impossível qualquer candidato apoiado por ele perder a eleição de 2010, com ou sem Dilma o PT ficaria mais quatro anos no poder, porém a incapacidade de melhorar a base parlamentar fez a diferença, não há dúvidas que Sarney (Cruzado/86) e FHC (Real/94) foram bem mais competentes.

    O PT tinha totais condições em 2010 de eleger 120 congressistas em vez dos 88 de fato eleitos, muitos iam chiar que ainda sim não garante uma maioria, verdade, por outro lado haveria uma governabilidade melhor, uma base de apoio reduzida, porém afinada ideologicamente. 

    Basta calcular, somando os demais partidos de esquerda: PSB, PDT, PC do B, PV, PSOL seriam 220 deputados, bastaria apenas metade do PMDB para alcançar a maioria absoluta de 257 cadeiras, a capacidade de chantagear do PMDB seria bastante reduzida já que é um partido muito fragmentado, ainda tem o PRB, que apesar de estar vinculada a religião, a legenda liderada por Marcelo Crivella tem um programa partidário para a economia keynesiano.

    Quanto às bandeiras envolvendo liberdades individuais além da esquerda havia simpatizantes no PPS e parcelas do PSDB para garantir uma maioria parlamentar, mesmo sendo legendas de oposição.

     

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