Zé Dirceu: Subestimamos a direita e politizamos pouco a sociedade

Lourdes Nassif
Redatora-chefe no GGN
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Dirceu participa de encontro do PT em porto Alegre em 2013 / Foto: PT

Dirceu participa de encontro do PT em porto Alegre em 2013 - Créditos: Foto: PT

do Brasil de Fato

EXCLUSIVO | Zé Dirceu: Subestimamos a direita e politizamos pouco a sociedade

Ex-ministro analisa conjuntura brasileira e avalia deficiências de governos petistas

Rafael Tatemoto

Brasil de Fato | Brasília (DF)

Apesar da convicção de que seria preso em breve, José Dirceu, ex-ministro da Casa Civil no governo Lula e um dos principais formuladores políticos do Partido dos Trabalhadores, se mantinha calmo quando recebeu o Brasil de Fato, na segunda-feira (14), para a última entrevista formal que daria antes de ter sua prisão determinada pela segunda vez.

Quatro dias antes do prazo para, mais uma vez, ser encarcerado, o petista expressou apenas preocupações pessoais em relação à sua família. A grave situação não o impediu de realizar uma autocrítica em relação aos governos de que participou. Para ele, as questões centrais foram “subestimar a direita” e a “pouca politização e pouca disputa política” por parte do PT.

De outro lado, um diagnóstico otimista: “Não é impossível derrotar os golpistas nesta eleição”. Para isso, é necessário ter “um candidato único no segundo turno”. A conversa abordou também temas como junho de 2013, a relação do PT com a mídia e as opções políticas tomadas nos últimos anos. Confira a íntegra abaixo.

Dirceu é empossado ministro da Casa Civil pelo presidente Lula, em 2003

Brasil de Fato: A conjuntura atual é marcada pela queda de Dilma Rousseff. Quais deficiências da esquerda permitiram que isso acontecesse?

Zé Dirceu:  O golpe tem razões estruturais. Se você olhar a História do Brasil, vai verificar que de tempo em tempo –conforme o nível de organização, politização e, principalmente, ocupação de espaços institucionais, no sentido eleitoral, de governo e parlamentar, como também de auto-organização das classes populares— sempre há uma interrupção do processo. Foi assim em 1964 e se repetiu em 2016. Em outros momentos houve tentativa de golpe, como em 1955, tentativa de impedir a posse de Juscelino. Em 1945, Getúlio foi deposto por um golpe da cúpula das Forças Armadas, elegeu Dutra, voltou nos braços do povo e foi “suicidado” em 54.

O golpe foi dado pelo que representavam histórica e estruturalmente a médio prazo as transformações que estávamos fazendo e o empoderamento político. As classes trabalhadoras criaram muitas vezes partidos, entidades, movimentos, mas foram abortadas pela repressão. Se você olhar a questão do pré-sal, dos bancos públicos, a política externa. A capacidade que o Brasil estava adquirindo, de ter autonomia, soberania e crescimento. As bases que estavam sendo criadas para um mercado interno, através da distribuição de renda. Participação nos Brics. Aqui a Unasul. O processo de crescimento de governos progressistas. Tudo isso pesou no golpe.

Nós estamos em uma situação muito diferente de outros momentos. Nós temos um candidato que ganharia as eleições, temos partidos políticos, movimento social, seja rural, urbano ou sindical. Tem um nível de organização. A correlação de forças é desfavorável a nós, mas temos uma base social e política, um legado. Há um nível de conscientização razoável para travar a luta, até mesmo a luta institucional. Tanto é que eles, para fazer a eleição, têm que inabilitar o Lula. Já fizeram outras vezes. Os militares cassaram Jango, Juscelino, Jânio, Lacerda, Magalhães Pinto, Adhemar de Barros. Eles perderam as eleições em 66 e perderem de novo em 74, para o MDB. E perderiam no Colégio Eleitoral em 78.

 

Liderança do movimento estudantil, Dirceu integrou a resistência armada à ditadura

No caso particular, nós estivemos no governo um período maior: 13 anos e meio. Um processo bem longo de hegemonia política. Ganhar quatro eleições em um país como o Brasil não é para amador. Nossa debilidade talvez tenha sido não ter o nível de organização e mobilização para se contrapor ao tipo de golpe que tem sido dado agora em vários países, que é a mobilização de classes médias, às vezes de classes populares, muito apoio da mídia, a partir de razões muitas delas reais, muita intervenção externa e uso do Parlamento e do Judiciário. Foi o caso de Honduras, Paraguai e depois Brasil. O golpe foi a saída que tiveram para abortar a volta do Lula em 2018, que seria natural. Em 2014, ele deveria ter sido o candidato, mas optou por não ser. Elegeu a Dilma, mas poderia ter sido candidato. Mas o nível de conscientização, mobilização e capacidade de luta das classes populares foi de grande fragilidade, e continua sendo até hoje.

Nós subestimamos muito a questão da luta contra a corrupção. A história do Brasil é a luta contra a corrupção. O Jânio foi isso. O Collor foi isso. O Golpe de 64 era contra a corrupção. Nós não nos preparamos para a possibilidade de ter um golpe. Desde 2005, no chamado Mensalão, nós erramos na avaliação do que estava acontecendo. Fomos recuando, fomos perdendo terreno. Por fim, eles puseram a cara para fora. Agora eles estão aí, querendo institucionalizar o golpe. Daqui a pouco criam um sistema político-eleitoral de mentira. Tirando o Parlamento, em que é difícil fazer maioria –por isso falam em semi-presidencialismo toda hora, porque a Presidência da República a gente pode chegar, se não for agora, daqui quatro anos. Eles não têm como impedir que a gente ganhe uma eleição presidencial.

Ganhar quatro eleições em um país como o Brasil não é para amador. Nossa debilidade talvez tenha sido não ter o nível de organização e mobilização para se contrapor ao tipo de golpe que tem sido dado agora em vários países

Repito: a prova disso é o banimento do Lula. Por que só ele está banido? Por que nenhum outro acusado “de corrupção”? Os processos contra os políticos de outros partidos têm um tratamento e encaminhamento diferentes. Quantas vezes já saiu que Roberto Jefferson recebeu 40 milhões dos irmãos Batista? Os outros partidos receberam. Eles que financiaram as alianças do Aécio. Não tem prisão. Não estou querendo dizer que deveria ter ilegalidades, mas a verdade é que não tem. Não tem nem processo. De vez em quando a imprensa fala. E o tratamento do Alckmin? O Trensalão foi arquivado no Supremo Tribunal Federal. Em São Paulo, as denúncias todas não têm deputado, não têm governo, não têm político. É só empresário e funcionário das secretarias. O Ministério Público não investiga.

Isso foi uma arma que foi usada contra nós. Isso não quer dizer que não haja corrupção e que não é preciso tomar medidas para se combater.

Qual a justificativa para a opção de não se investir em um processo de maior organização?

O problema é que nós fizemos pouca politização e pouca disputa política a partir dos programas que tínhamos. Essa é uma realidade. E não criamos nenhum nível de organização alternativa. Vou dar o exemplo do Fome Zero. O Frei Betto propôs e queria instituir os conselhos do Fome Zero, acabou tendo uma discussão sobre a contraposição às Câmaras Municipais e prefeitos. Nós poderíamos ter feito a mediação, mas não fizemos. Acabou não tendo nenhuma outra estrutura no Fome Zero ou Bolsa Família.

Também subestimamos a direita e as forças contrárias a nós. Em parte, porque grande parte dos quadros foram para o governo. Há uma troca de guarda no Partido, e nem sempre se consegue encaminhar várias tarefas ao mesmo tempo. Toda organização política, seja ela partidária ou social, se confronta com várias frentes de luta e tem de priorizar uma. Acabamos priorizando mais a luta institucional e eleitoral, mais o ato de governar do que a organização partidária e ainda [menos] a politização e mobilização. Nós estamos vivendo esse problema no combate à prisão de Lula, no combate à criminalização do PT. Nós temos dificuldade em dar um nível de organização para essa luta e de virar o sentido da atuação política para ir ao encontro do povo.

Se tomaram decisões políticas erradas em relação a isso. Não priorizamos essa questão. Nem quando o sinal vermelho acendeu em 2013. Nós tínhamos dois anos para fazê-lo. É preciso ter um partido conversando com o povo para além da televisão e das lideranças parlamentares. Tem que ter trabalho de bairro, de fábrica, nas escolas, na zona rural. Tem que ter instrumentos. Sempre quem resistiu tem um nível de organização partidária, sindical, popular ou outra forma de confrontar as tentativas de golpe da direita. Se você olhar o Maduro, ele não virou o processo na Venezuela por conta do apoio das Forças Armadas. Ele virou por causa das mobilizações populares e porque o povo foi votar. Ele ganhou também na urna. Aqui não. A direita mobilizou milhões e nós não.

 

Dirceu no Brasil após o retorno do exílio

Na época da Ditadura, o povo não fazia manifestação, o povo se manifestava nas urnas. O que as pesquisas estão indicando é isso. Além do voto nulo e branco e os indecisos, que quando o Lula não é candidato chega a 46%, a maioria que vota, vota contra eles. Eles não ganham eleição. Há dificuldades também, a classe média tem muita facilidade em ir para os locais de manifestação no sábado e domingo, e teve muita estrutura e apoio da mídia e das empresas.

Na pauta do combate à corrupção, o que faltou?

Quando falo que não demos tratamento adequado é que não levamos em conta que essa bandeira persistia na mão deles e iria ser usada. Eu citei dois casos: 1961 e 1989. Jânio e Collor, as duas únicas vezes que eles ganharam a eleição. Eles só perdem.

O governo deu tratamento correto na agenda política. As leis todas que foram aprovadas foram aprovadas em 2013. Dificilmente se acha um prefeito ou vereador do PT que seja corrupto. A maioria sai das eleições pendurada em dívida. Um ou outro caso que são exceções.

O sistema político-eleitoral estava construído em doações de empresas e caixa dois. Isso que denunciam que foi desviado da Petrobras são todos números não comprovados. O que tem na Petrobras são os diretores, mas não se achou com nenhum petista o que se achou com Geddel Vieira. Deixa o Antônio Palocci em separado. Nenhum diretor petista – Gabrielli, Estrela ou Graça Foster – que tenha ganho um centavo fora do salário deles. As denúncias são todas de caixa dois para campanha eleitoral, supostamente a partir de superfaturamento e direcionamento de licitação.

Sobre 2013, qual sua avaliação daquele processo?

Em 2013, fizemos sociologia com algo que era eminentemente político. 2013 começa com reivindicações de transporte público, com grupos anarquistas, de esquerda, populares. A mídia e a direita se deram conta quando as manifestações começaram a crescer por causa da repressão, e foram mudando as bandeiras. O Rio foi o primeiro lugar onde a classe média antilulista baixou. Se transformou.

Como vimos em outros países do mundo, foi uma onda de manifestações como se de uma hora para outra se descobrisse que o serviço público não funciona. A inflação estava mais baixa que no governo Fernando Henrique. Foi um golpe político, não uma revolução social. Tanto não foi que não se converteu em reformas no serviço público. Melhorou o serviço público no governo Temer? O pouco que tinha foi desmontado.

Subestimamos a direita e as forças contrárias a nós. Em parte, porque grande parte dos quadros foram para o governo. Há uma troca de guarda no Partido, e nem sempre se consegue encaminhar várias tarefas ao mesmo tempo.

A única coisa que o governo Temer fez foi baixar juros, porque o desemprego e a recessão baixaram a inflação. Está quase indo para deflação. Ele não ajustou as contas públicas, porque gasta bilhões para comprar voto na Câmara e no Senado, com benesses para ruralistas e devedores da Receita.

E nós sabemos o que significa a reforma trabalhista: trabalhar mais e ganhar menos. Trabalhar de maneira precária de forma generalizada. É uma coisa violenta o que está acontecendo. Querem aumentar a produtividade não pela reforma tributária, baixando juros ou pela melhora da infraestrutura, mas em cima da renda do trabalho. Se a economia crescer, se crescer, vai ser só para os de cima. Para os de baixo, vamos ver o mesmo que o período da ditadura: a economia cresceu e quando acabou o crescimento, com a crises de 73 e 78, era um cenário de favelas, desemprego, ausência de saneamento.

Existe uma avaliação de que os governos petistas não enfrentaram a questão da comunicação a contento. Há, inclusive, uma história contada pelo senador Roberto Requião (MDB-PR) de que você teria chamado a Globo de “aliada”. Isso é verdade?

O governo do PT não combateu –poderia ter combatido a ferro e a fogo, não sei se teria condições políticas. O pouco que tentou fazer, teve que recuar: a agência reguladora do audiovisual [Ancinav] e o conselho federal de jornalismo. Foi mal encaminhado. Eles não permitiram. O governo tentou, teve que recuar, porque não encontrou apoio. Recuou errado, porque foi dividindo a classe artística, intelectual. Poderia ter mobilizado o movimento sindical. Poderia ter feito a batalha, mas não fizemos.

O governo fez um esforço de distribuir verbas para os jornais regionais, tanto é que todos os [grandes] jornais fizeram editorial contra. O ministro Gushiken tomou uma série de medidas. É verdade que o governo ia e vinha conforme a pressão da própria mídia.

 

Lula e Dirceu durante o anúncio de medidas do governo federal.

Por outro lado, o governo investiu no sentido de fortalecer a EBC, modernizar, colocar recurso. Agora, precisa colocar três ou quatro vezes mais recursos.

Por fim, na política, tentamos fortalecer alguns grupos empresariais que poderiam ter uma postura independente do cartel de distribuição e publicidade. A distribuição é controlada pela Abril. Há um dumping de publicidade. Isso na atuação independente em relação ao governo para criar alternativas.

Dizer que o governo considerava a mídia favorável não é verdade. Eu jamais disse isso ao Requião. Primeiro, que não era da minha atribuição essa área. Segundo, por que eu iria falar para ele, tendo sido atingido em fevereiro de 2004 com o caso Waldomiro Diniz, que foi uma invenção da mídia? Foi um caso no governo Garotinho em 2001, não tinha nada a ver comigo. Foi o primeiro grande escândalo, queriam meu afastamento. Depois veio a público a gravação do Carlos Cachoeira, que era uma farsa. Por que eu falaria uma coisa dessas? Tudo que passei no Mensalão… 

Quem conhece meu comportamento sabe que não corresponde a minha posição política. O BNDES no governo Lula não emprestou um centavo para a Rede Globo. O que eu falei um dia é que no começo do governo Lula a questão de deixar empresas quebrarem era um problema grave, por conta da situação do país.

As eleições estão se aproximando e as pesquisas apontam o Lula como favorito. A liberdade de Lula obviamente ajudaria na disputa eleitoral, mas o resultado das eleições também não pode ajudar a que se conquiste sua libertação? Como se resolve essa equação?

Eu sou totalmente contrário a qualquer ideia de não participar das eleições. Fizemos isso na ditadura – uma parte da esquerda, eu particularmente fiz – e não deu muito certo. Temos que ocupar todos os espaços na disputa política, eleger deputados estaduais e federais, senadores, governadores e disputar a Presidência da República.

Temos que denunciar o banimento do Lula. Denunciar toda vez que a Justiça for usada contra nós. Depois de 20 anos, levantam um processo contra o Décio Lima, coincidentemente depois de uma semana na qual ele apareceu com 20% nas pesquisas.

É muito importante o papel de um vereador, de um prefeito, de um deputado federal, de um senador, na luta social, política, na construção partidária, na formação da nossa força política e na conscientização do nosso povo, então não vejo por que não devemos participar. 

Tem extremos que você não participa, mas não é o caso. É uma trincheira, uma frente de luta. Como é a frente de luta popular, sindical, rural… Essas sim têm de ser nossa prioridade nos próximos anos. Porque esta aqui [eleitoral], nós ocupamos bem, na outra [popular] é que estamos deficitários, em dívida com nosso próprio povo.

É preciso ter um partido conversando com o povo para além da televisão e das lideranças parlamentares. Tem que ter trabalho de bairro, de fábrica, nas escolas, na zona rural.

Nós temos que disputar, mas temos que ter como prioridade a derrota dos golpistas. O Lula é o candidato que derrota os golpistas, então é natural que ele seja o candidato apoiado pelas outras forças políticas sociais no segundo turno. Essas forças, dada até a situação do Lula, optaram por ter candidatos próprios, o que é legítimo e natural. Até porque são legítimas, como no caso do Ciro Gomes – que foi governador, prefeito, ministro, deputado estadual, deputado federal e tem histórico de serviço prestado pelo país. Você pode não votar nele, mas ele é legítimo. No caso do Boulos mais ainda, e da Manuela também.

O PSB teria candidato, entendi agora que não vai ter e pode apoiar o Ciro, também é o direito deles. Nós vamos ter o nosso candidato, que é o Lula. A decisão que está tomada é que vamos até o registro dele, vamos lutar pela homologação da candidatura dele. O que o PT precisa fazer agora é nacionalizar e internacionalizar a campanha Lula Livre. Dar um caráter mais amplo a ela. Nós temos que fazer um esforço para manter os governos que nós temos. Porque é diferente se tratar com o governo da Bahia, do Piauí, do Ceará, e tratar com o governo de São Paulo. Todos nós sabemos que é diferente. Para os movimentos, para a luta política, para a educação, para a saúde… Para aquilo que interessa para o povo, que são os investimentos sociais.

Qualquer outro cenário vai depender muito do momento. Quem pode dizer como vai estar daqui a 90 dias? É um deserto para atravessar. Não é fácil para o PT, para nós, para o Lula, atravessar esse deserto, mas nós temos que defender a liberdade do Lula, o direito dele ser candidato, até para manter esse eleitorado conosco, para esse eleitorado ser uma garantia de que vamos derrotar os golpistas no segundo turno. A não ser que haja algum fator externo, um choque político, econômico no país. Apesar de que a situação está deteriorando. Essa questão do Bolsonaro é mais perigosa do que parece. Ele ganha no segundo turno, sim, de vários candidatos.

Não entregaram o poder para o Temer, o Padilha, o Geddel e o Moreira Franco? Não entregaram pro Collor? Pro Jânio? O Jânio, imagina, rapaz, um populista, um demagogo. Por quê? Porque querem nos derrotar. Eles nem tapam o nariz para votar no Bolsonaro. Devemos levar ele a sério. Então não é para subestimar, até porque ele tá com 20% de intenção de votos. Em 89, o Lula foi com 17 e pouco para o segundo turno, 0,7% a mais que o Brizola.

A partir da menção ao Bolsonaro, em cenários de polarização sempre volta uma questão para a esquerda: radicalizar ou moderar o discurso e o programa? 

Deixa eu dizer uma coisa: a polarização existe, a radicalização existe, porque eles quebraram o pacto constitucional e político, rasgaram a Constituição. E as consequências são trágicas, os militares já estão na vida política do país de novo. A declaração do Villas Boas e a foto do Estado Maior assistindo o julgamento do Lula no Supremo como quem diz: ‘estamos apoiando que se negue o habeas corpus’, isso é uma tragédia pro país.

Lembrando os documentos da CIA agora, a dívida que os militares têm com o país, ao contrário do que diz o Raul Jungmann de que as Forças Armadas são um ‘ativo democrático’, mas elas estão voltando, puxadas, inclusive, por personalidades do Supremo, porque ninguém levantou a voz para criticar, só o Celso de Mello criticou, e é uma coisa grave.

Gravei hoje uns pronunciamentos sobre a CIA e os documentos que comprovam o que já sabíamos. Isso exige que o Supremo reveja a Anistia, que as Forças Armadas publiquem seus arquivos, e exige uma reparação moral e penal de quem praticou esses atos, mesmo post-mortem, como em outros países.

Eles estão introduzindo a violência na vida política do país de novo. O atentado à caravana do Lula e ao acampamento. Vocês sabem como eles executam lideranças: pla-ne-ja-da-men-te. Não é incidente. Uma coisa é um incidente, você ocupou, tem um choque, vem a polícia. Eles marcam as lideranças e assassinam. Ou o Chico Mendes não foi assim? Ou a Margarida [Alves] não foi assim? Quantos não foram assim? Quantas lideranças do Movimento Sem Terra e da Contag não foram mortas assim?

Então eles introduziram a violência no país, não fomos nós, pelo contrário, fomos bem legalistas, bem pacifistas, nesse período todo! Disputamos eleição conforme as regras, inclusive as piores regras que tinham… Nós organizamos o PT sob as regras da ditadura! Só depois de 1988 que veio mesmo a liberdade de organização, de manifestação, de greve e tal.

Qual deve ser o discurso então?

Nós precisamos fazer aquilo que o país precisa. Porque quando dizem que nós estamos radicalizando, é porque dizemos que precisa fazer uma reforma tributária, que a burguesia fez no século 19 na Europa, a reforma agrária, a reforma tributária e a reforma política. 

Tem que fazer uma reforma tributária no Brasil. Os impostos são regressivos e indiretos. Quem paga imposto de consumo é o povo. O IPTU progressivo passa em alguma prefeitura? Lembra da Erundina? A campanha da Marta, chamada pejorativamente de “Martaxa”, era IPTU progressivo. Então nem pagar impostoprogressivo eles querem pagar. Além do problema dos juros, nós temos que enfrentar o capital financeiro, bancário, porque agora até a própria imprensa começa a falar da concentração… é um cartel! No Brasil tem dois bancos! Porque o outro não é brasileiro. E ainda querem acabar com os bancos públicos. No Brasil, os bancos e o capital rentista se apropriam de grande parcela da renda nacional, que não vai para investimento, não vai para produção e não vai para consumo. Nós precisamos desmontar o sistema político institucional que tem no Brasil hoje, que está falido, rejeitado, e não funciona mais, e criar uma nova institucionalidade, um novo sistema político, rever o papel do Judiciário. Nós temos que fazer uma revolução social no país, temos que virar a pirâmide de ponta cabeça. 

É um programa radical? É. Mas se não for esse programa, nós vamos fazer o que? Como vamos financiar esse Estado de “bem-estar social” que tem no Brasil? A LOAS, Bolsa Família, Seguro Desemprego, SUS, educação… Eles querem privatizar. Na verdade, eles estão privatizando agora o ensino técnico e a tendência de privatização da saúde. O Brasil é um país que tem uma rede de proteção social e para mantê-la você precisa ter uma carga tributária que seja distribuída pros que ganham mais, mais; e pros que ganham menos, menos, não como é hoje, o contrário.

E o problema da reforma da Previdência. Você precisa de uma reforma da Previdência, mas uma reforma do ponto de vista do servidor público, não como queriam fazer do rural, do trabalhador urbano… O problema da idade precisa ser discutido, evidente, se você começa a trabalhar mais tarde e vive mais, você não pode começar a aposentar as pessoas aos 55 anos de idade. Mas  você não pode falar: ‘todo mundo agora vai trabalhar mais 15 anos e ganhar menos na aposentadoria’. 

Então precisa radicalizar o programa. Como é que vai fazer? No fundo, essa é a questão: a participação da classe trabalhadora na vida social e política do país, a disputa pela riqueza, pela renda e pela propriedade e a disputa pelo poder político. É disso que se trata.

 

Após ter sido afastado do cargo de ministro durante as denúncias do mensalão, Dirceu retoma a atuação como deputado federal.

Mas não precisa atrair o centro?

Precisa atrair o centro, mas o centro não é atingido por essas medidas nossas. Reduzir juros é de interesse de toda a classe média. Reduzir os imposto, porque pagar imposto no Brasil deveria ser só acima do teto da Previdência, que é de R$ 5.400,00, hoje.

A carga tributária do governo João Goulart era 65%, a alíquota do imposto de renda do Brasil. A alíquota do IR no Brasil já foi 50% por muito tempo, hoje é 27,5%. Então é assim: eu ganho R$ 30 mil, eu pago 27,5%, se eu ganho R$ 300,00, eu pago 27,5%, se eu ganho 3 milhões, pago 27,5%.

Fora a sonegação, que nem é sonegação, é elisão fiscal. Sonega-se legalmente, porque cria-se um planejamento tributário, brechas na lei. Por isso, não é nem que o programa é radical. É um programa que o Brasil precisa. Se nós queremos viabilizar um Estado de bem-estar social e fazer o Brasil crescer, precisamos fazer as reformas para isso. 

Você presenciou dois golpes e participou da resistência a ambos. Que paralelos você traça? Há mais perspectivas para a esquerda brasileira pós 16?

Nós temos base social e política. Temos legado e condições de construir um programa. Agora, é preciso unir as esquerdas, a centro-esquerda, ter um candidato único no segundo turno, porque não é impossível derrotar os golpistas nesta eleição. 

O correto, e o que tem base pra isso, é o Lula, que está preso e estão fazendo de tudo para inabilitá-lo e impedi-lo. Por razões óbvias, vamos fazer a luta pelo registro e pela candidatura dele, mas eu sempre digo: a unidade nossa é a garantia de derrotarmos os golpistas e de continuarmos a luta contra eles. Por isso que a Frente Brasil Popular foi tão importante… e o PT não deu a devida importância, podia ter feito muito mais pela Frente.

Essa reunião dos partidos para construir um programa comum, as tentativas de organizar a solidariedade ao Lula de forma suprapartidária, que eu acho que precisa. E aqui dentro do Brasil também, nós podemos organizar uma campanha muito maior, com muito mais diversidade de atos, atividades, ampliando esse espectro.
 

Dirceu faz gesto de luta ao se entregar à Polícia Federal em 2013

Você falou de dívida da esquerda brasileira com o povo. O que a esquerda precisa mudar em métodos e organização?

Acho que a principal é ir ao encontro do povo, como o Lula fez. Como ele saiu da defensiva e se consolidou? Com as caravanas. Claro que para ele é muito mais simples, mas temos de traduzir isso para nossas bases, os diretórios, as organizações, e fazer o mesmo. 

Neste momento, todos deveriam estar fazendo caravanas nos bairros, como milhares estão fazendo, mas deve ser uma forma de atuação permanente. 

Se nós não elevarmos o nível de organização e de consciência política em geral, vai ser muito difícil enfrentar nos próximos anos a direita, que já mostrou como age. O aparato policial-judicial tá virando uma polícia política.

A atuação do Ministério Público, da PF e de setores do Judiciário estão, a pretexto de combater a corrupção, violando preceitos e garantias constitucionais, e vão tomando poder político do Executivo e do Legislativo. O Supremo tem tomado decisões que usurpam poderes do Executivo e Legislativo.

Acho que nós temos uma dívida sim, e essa dívida é, basicamente, não do ponto de vista dos avanços sociais, econômicos, políticos, porque lutamos muito por isso e tivemos grandes conquistas no governo Lula. Mas nossa dívida é que nós temos capacidade de resistir, e fazer avançar o processo. Nós precisamos de um nível maior de politização, de organização e de maiores instrumentos, como, no caso, os instrumentos de comunicação.

Edição: Nina Fidelis e Diego Sartorato

 

Lourdes Nassif

Redatora-chefe no GGN

9 Comentários

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  1. Solução: uma revolução na


    Solução: uma revolução na educação, nos meios de comunicação. Só pode ser feito se a esquerda voltar ao poder. Mas mesmo fora do poder, é preciso se preparar para a possibilidade do caos social decorrente dos desdobramentos do golpe.

  2. Só agora se chegou a essa conclusão?!

    Eu venho falando isso há anos e falei que o PT tinha que reagir enquanto era tempo. No entanto, o Lula insistiu em bancar como republicano. Agora o PT e o Lula estão vendo como a direita governa. A direita governa na base da porrada.  

  3. Só agora se chegou a essa conclusão?!

    Eu venho falando isso há anos e falei que o PT tinha que reagir enquanto era tempo. No entanto, o Lula insistiu em bancar como republicano. Agora o PT e o Lula estão vendo como a direita governa. A direita governa na base da porrada.  

  4. Zé…

    Mais Vitimização e Fatalismo? Com a manutenção do Caudilhismo Tupiniquim? Qual Direita que estão falando? Meia dúzia de Coronéis de Estados que nada representam, fora esta farsa representativa imposta ditatorialmente na Ditadura Vargas e mantida malandramente e oportunamente pelo outro lado da moeda que sempre se beneficiou disto? Nossa Elite Esquerdopata. José Sarney foi quase um pai no Governo Lula. Isto dito pela boca do próprio Lula. Renan Calheiros não abandonou Dilma, nem mesmo nestes anos todos, após sua destituição. Esquerdopatas continuarão com este discurso de não entenderem seus próprios erros e mediocridades. Atrelados eternamente num Socialismo Estatico dos anos 50. Sem a menor evolução, representatividade ou democracia.  Estão condenados pelo Estado que geraram. Pelo Governo que produziram. Pelas cadeias que levantaram. Pelo Judiciário que instituiram. E ainda apontam dedos e não enxergam seus tropeços em caminhos equivocados e infrutiferos? “Hipócrita, primeiro tire o tronco da sua vista, para depois poder tirar o cisco do olho do seu irmão”. Ateus, agnósticosou apenas ignorantes. pelo menos tentem aprender com seus erros. O Brasil é de muito fácil explicação.   

  5. sem direita sem esquerda

     

    Um país consumido por oportunistas e manipulador das coisas públicas, só leva a sociedade a desgraça. Um dia teremos um país sem ideologias de esquerdo patas ou direito patas, estes são pessoas que só consegue algumas projeções com a lisura ao seu lado. A Democracia é uma representação corrupta pelos estrupidos oportunista das coisas públicas, estes são incapaz de fazer sucesso sem corromper seus pensamentos e o direito de toda nação. Aproveitadores dos cargos comissionados e da infiltração de laranjas nas administrações pública. Quando os cargos Público ficar longe da política algo de bom vai acontecer

  6. Privado e Publico

    Um país consumido por oportunistas e manipulador das coisas públicas, só leva a sociedade a desgraça. Um dia teremos um país sem ideologias de esquerdo patas ou direito patas, estes são pessoas que só consegue algumas projeções com a lisura ao seu lado. A Democracia é uma representação corrupta pelos estrupidos oportunista das coisas públicas, estes são incapaz de fazer sucesso sem corromper seus pensamentos e o direito de toda nação. Aproveitadores dos cargos comissionados e da infiltração de laranjas nas administrações pública. Quando os cargos Público ficar longe da política algo de bom vai acontecer

    As iniciativa privada deve ser perseguida para atingir seu histórico de sucesso. Deve ser acompanhada de lei com proteção administrativa para inserir os que ficarem de fora do sistema. A iniciativa privada deve ser formada por agente dos dois sistemas. O bem deve ser comum, para que o fracasso de agente privado ou público não interfira um em outro. Mais todos deve ser complemento do bem comum, da ciência e da paz.

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  7. Xadrez do Xadrez…
    Nassif, muito embora fazer auto-crítica signifique municiar o inimigo, não há outra alternativa senão: 1) – O PT sempre foi um partido de chão de fábrica que, guindado à presidência pelo voto de protesto contra o PSDB de FHC, manteve-se tal e qual, funcionando nos dissídios, amparando os sindicalizados e operando como uma força moderadora do poder econômico que gera empregos. Esperar que ele saia às ruas e galvanize as massas, sem Lula no caminhão de som, é esperar demais; 2) – Zé Dirceu e Dilma são estranhos no ninho petista, ali mantidos por Lula à revelia dos velhos caciques sindicalistas, que em sua maioria não discordam muito de um Vicentinho e outras dissidências operárias. Ambos vieram do movimento estudantil e se engajaram em movimentos oposicionistas ao regime militar que jamais lograram formar partidos políticos estruturados, funcionando sempre como oponentes à ditadura e não como personificação de uma esquerda digna desse nome, se abstrairmos o uso de camisetas engajadas como prova de engajamento; 3) – Depois de três campanhas presidenciais, Lula se conectou com o povão, fala seu idioma, é ouvido e procurou diminuir as desigualdades sociais com o emprego de auxílios econômicos que fizeram a roda da economia girar, pois não era política meramente assistencialista, mas, sim, de inserção dos mais pobres no rol dos demais cidadãos. Mover um contingente humano estimado em 60 milhões de beneficiados faz dele, Dirceu e Dilma verdadeiros avatares de profundas transformações sociais; 4) – Infelizmente, tais transformações dependem da reação daqueles beneficiados diante do regresso à miséria imposto pelas políticas de Temer de apoio aos mais ricos e poderosos. Só com o tempo e o flagelo da fome o descontentamento se transmudará em protesto e revolta políticas, em vontade de reaver os direitos perdidos; 5) – Se Lula e o PT fossem de esquerda, a primeira providência que tomariam seria repetir GV, o pai do trabalhismo tapuia, e valorizar o magistério e o conteúdo da educação que ministra. Ao invés de investir na construção de escolas e faculdades como prioridade máxima, esta última seria reformar a política educacional, sepultando de vez um currículo responsável pela eclosão do MBL, pois, fruto dos anos de chumbo, nosso ensino visa formar mão de obra qualificada e submissa aos ditames empresariais – o viés getulista de melhorias sociais de há muito se perdeu, basta lembrar que até um oportunista como José Serra presidiu a UNE e quando os ditadores editaram os atos institucionais recrudescendo o regime, foi se refugiar nos Estados Unidos por opção política, já que nem Deops ou Operação Bandeirante nunca o consideraram subversivo…; 6) – E aqui chegamos ao cerne desse pesadelo: cadê a juventude brasileira? Será todo jovem clone de Kim Categuri e outras sub-versões de Serra, aguardando o instante de ganhar o poder e se transformar em multimilionário, ou falta à mocidade um PT refundado capaz de dialogar com ela, politizando e preparando-a para reassumir a luta pela redemocratização do país? Não adianta nos iludirmos e supor que os septuagenários e sexagenários que tem consciência de que estamos sendo estuprados pelo golpe conseguiremos sair em massa às ruas e reconquistar o que estão nos roubando, pois sem gargantas e cabeças juvenis nosso grito de revolta soará como lamúria geriátrica e o pesadelo continuará. Só a presença de jovens dispostos a recolocar o MP-MPF e Judiciário nos eixos, seja via plebiscito, referendo ou protestos continuados, colocará fim à farsa a jato em andamento, resgatando Lula, Zé Dirceu e demais presidiários solidários em que nos convertemos dessa masmorra medieval em que transformaram o Brasil. Esse é o meu Xadrez do Xadrez, caro amigo enxadrista.

  8. Minha fatia

    Mesmo dividindo o bolo, a máquina pública, com a direita, ainda não foi suficiente para esta e ai veio o GOLPE de mestre, pois não podiam expor que a direita era corrupta sem se expor que sabia e ainda participava.

  9. Minha fatia

    Mesmo dividindo o bolo, a máquina pública, com a direita, ainda não foi suficiente para esta e ai veio o GOLPE de mestre, pois não podiam expor que a direita era corrupta sem se expor que sabia e ainda participava.

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