Ansiedade, mais do que um estado de espírito, por Mariana Nassif

Ansiedade, mais do que um estado de espírito

por Mariana Nassif

Há tempos, tanto quanto não consigo mensurar, batalho com um monstro interno chamado ansiedade. 

A ansiedade, para os leigos e para aqueles que têm a sorte e o prazer de viver sem ela, pode parecer um estado passageiro de espírito que envolve quereres e realizações pontuais mas que, para quem convive com o drama de ser quimicamente ansiolítica, contamina esferas profundas da experiência de viver. É quase impossível falar de ansiedade dando exemplos que gerem alteridade nos outros, porque a sensação é sempre mais intensa pra quem sente, mas vou tentar escrever sobre os movimentos que a ansiedade imprime – a escrita, por aqui, é forma de cura e se tem uma coisa neste mundo que eu quero é me cuidar. 

Uma das características que este estado mental desenha por aqui é a ilusão de que estar no controle das situações, sejam elas mentais, emocionais ou simplesmente práticas, enfim, que estar no controle e agir de forma organizada e ordenada vai amenizar a sensação de que está faltando alguma coisa. Não tem tanto a ver com controlar pessoas, mas muito mais sobre uma previsão do que pode e vai acontecer para, então, estar enganadamente prevenida de um terrível resultado, porque quase com certeza ele vai acontecer. O pessimismo é também um ingrediente presente na ansiedade, acabo de perceber. Pois é, não tenho certeza, mas acho que a ansiedade ilumina este espaço de vazio constante, que é essa a enorme problemática final deste distúrbio, porque a gente faz, faz, faz e a realização em si está quase sempre fora do alcance das sensações. É como se montasse um plano de execução, como por exemplo arrumar a casa e, quando a casa está tinindo, ter a certeza de que falta uma fruteira, um cabideiro ou que a vida só estará completa e feliz quando pendurar aquele quadro e, então, depois de tudo isso feito, ainda não encostar no prazer. Agora imagina experienciar isso em quase todas as esferas da vida: trabalho, família, amizades, namoro… Até mesmo no lazer, parece que nunca é satisfatório um dia de praia, porque mesmo tendo estado na praia a gente poderia ter feito diferente, melhor, mais caprichado… Acho que a sensação de falta constante é uma das piores coisas que a ansiedade apresenta por aqui. 

Fazer da vida uma tarefa a ser cumprida é algo tão pobremente apresentado aos meus olhos e a sensação de que este buraco, muito provalvelmente, seja talvez uma oportunidade de me desenvolver parece ser mais aprazível e amigável dá forças pra continuar experimentando novos olhares para a ansiedade. Fluidez e certa confiança no invisível, esta que já me é familiar, podem ser ingredientes felizes para viver melhor, quem sabe? 

Dado do problema, vamos tratar de cuidar. Curar, quem sabe, em terapia, nas longas conversas marcadas de uma hora ou um pouco mais, mas especialmente iluminando essa sombra que pode paralisar: uma vez que não experimentamos a sensação de desfrute e prazer mesmo ao concluir qualquer coisa que seja, é latente o estado de questionamento sobre se devemos mesmo investir energia nisso ou naquilo. Mais fácil não fazer nada e, equivocadamente, alimentar a roda de insatisfação, dessa vez com nome e sobrenome. Cansa só de escrever, pensa só como é viver isso em constância. Outro truque comum na vivência da ansiedade é o pensamento de ” ah, vamos celebrar tudo o que não celebramos no passado e então recrutar energia para o próximo afazer”, o famoso queimar a largada…  

Ando pensando em medicação psiquiátrica, confesso, mas também tenho experimentado me saber ansiosa e, assim, treinar a mente para que siga novos caminhos. É algo que tem promovido medos constantes, sensações superficiais que, enquanto não se aninham, promovem sono, a proteção natural que já conheço, mas que tem compensado no que diz respeito a me conhecer e entender minhas limitações, sem deixar que elas sejam fator dominante, mas que fluam. Desafio constante, porém válido, porque tem me feito passear por novas leituras, vivências realmente intensas e escolhas de troca mais eficazes. Equilíbrio, no final das contas, é tambem questão de movimento. 

Anotações, metas e o trabalho em cima do que é desejado, em ciclos menores e movimentos mais precisos, ao que parece, têm ajudado bastante a vivenciar as emoções dessa forma, como passageiras, enquanto o cérebro se acostuma a entender e processar de forma mais amigável o que acontece aqui na vida real. Me recolher, ao invés de expandir, voltar-me pra dentro no lugar de sair buscando respostas no mundo, também tem feito bem – apesar de ser extrovertida e realmente ter preferências imensas ao contato com o outro, estar comigo mesma tem estabelecido fronteiras e limites e isso é tão importante pra qualquer um, imagina pra quem tem um buraco desse tamanho no simples.

De tudo isso, o que fica de bonito, porque eu adoro tudo o que é bom e belo, de tonta não tenho nem a fuça, é que pode até ser que eu não resolva essa questão, mas que conviva melhor com minha existência e, enfim, consiga a autonomia que tanto almejo, pautada especialmente por estar em paz com quem eu sou, sem exigir o preenchimento absoluto de todas as frestas e rachaduras, algo improvável e exaustivo que, aposto, tem mais a ver com conformidade e vitalidade do que com a solução de um problema que, veja bem, pode ter sido semente para as melhores coisas que já experimentei.

Buracos, no final das contas, são espaços livres para a criação e Exu, meu bem, trabalha com maestria nestes cantos, assim como se movimenta minha fé. Axé!

 

Mariana A. Nassif

5 Comentários

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  1. Alguns sofrem porque vivem

    Alguns sofrem porque vivem presos ao passado. Outros alimentam o sofrimento porque não conseguem prever o futuro. A vida é um fenômeno biológico frágil e temporário que existe no presente. Ninguém sabe se ela deixará de existir amanhã por causa de um meteório de 20 quilometros de largura, de um vulcão capaz de destruir continentes, de um mega furação, de um maremoto devastador ou de uma guerra nuclear. É mais provável, porém, que nada disso ocorra. Nossas vidas continuarão por algumas décadas e então cada um de nós será irá envelhecer, adoecer, sofrer e morrer. O ponto final é certo. Incerto é apenas a maneira como aproveitaremos esse fenômeno biológico frágil e temporário. 

  2. Obrigado, Mariana.

    Entendi direitinho o que escreveu. Tenho o mesmo buraco, a mesma sensação de avidez por preenchê-lo, a mesma necessidade vital de parar de sentir isso. Rivotril funciona, mas emburrece e impede esses caminhos novos que você está buscando. Você é disciplinada, inteligente e corajosa. Ansiedade é a nossa doença e a coragem é o tratamento. Coragem de assumir novos caminhos, quebrar conceitos petrificados, desafiar a medicina convencional e tudo mais. Parabéns, Mariana! Se esse texto a ajuda a conviver com a sua ansiedade, queria que soubesse que inspira uma melhor convivência com a minha.

  3. A Paixão Segundo G. H., Clarice Lispector

    Mariana, olha o que escreve Clarice Lispector:

     

    “Aumentar infinitamente o pedido que nasce da carência.

                      Não é para nós que o leite da vaca brota, mas nós o bebemos. A flor não foi feita para ser olhada por nós nem para que sintamos o seu cheiro, e nós a olhamos e cheiramos. A Via-Láctea não existe para que saibamos da existência dela, mas nós sabemos. E nós sabemos Deus. E o que precisamos Dele, extraímos. (Não sei o que chamo de Deus, mas assim pode ser chamado.) Se só sabemos muito pouco de Deus, é porque precisamos pouco: só temos Dele o que fatalmente nos basta, só temos de Deus o que cabe em nós. (a nostalgia não é do Deus que nos falta, é a nostalgia de nós mesmos que não somos bastante; sentimos falta de nossa grandeza impossível – minha atualidade inalcançável é o meu paraíso perdido.)

                     Sofemos por ter tão pouca fome, embora nosso pequena fome já dê para sentirmos uma profunda falta do prazer que teríamos se fôssemos de fome maior. O leite a gente só bebe o quanto basta ao corpo, e da flor só vemos até onde vão os olhos e a sua saciedade rasa. quanto mais precisarmos, mais Deus existe. quanto mais pudermos, mais Deus teremos.

                      …E Ele não só deixa, como necessita ser usado, ser usado é um modo de ser compreendido. (em todas as religiões Deus exige ser amado.) Para termos, falta-nos apenas precisar. Precisar é sempre o momento supremo. Assim como a mais arriscada alegria entre um homem e uma mulher vem quando a grandeza de precisar é tanta que se sente em agonia e espanto: sem ti eu não poderia viver. a revelação do amor é uma revelação de car~encia – bem aventurados os pobres de espírito porque deles é o dilacerante reino da vida.

                     Se abandono a esperança, estou celebrando a minha car~encia, e esta é a maior gravidade do viver. E, porque assumi a minha falta, então a vida está à mão. Muitos foram os que abandonaram tudo o que tinham, e foram em busca da fome maior.”

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