Butantan reclama de falta de verbas para vacina contra a dengue

Da Associação dos Pesquisadores Científicos do Estado de São Paulo

‘Não tínhamos um tostão: Vacina contra a dengue foi produzida por mérito dos pesquisadores científicos e o apoio da diretoria do Butantan’.

Por insistência de um grupo de pesquisadores científicos, estudos para a formulação da vacina contra a dengue no Instituto Butantan completam 8 anos. Instituto recebeu aporte financeiro apenas da Fapesp e do BNDES e agora aguarda financiamento prometido pelo Governo Federal.

Após o anúncio da presidente Dilma Rousseff na última semana de fevereiro, a notícia de que o Instituto Butantan está iniciando a fase 3 de testes clínicos, que irá comprovar a eficácia da vacina contra a dengue, se propagou por todo o País. É fato que tal anúncio representa uma vitória para o Brasil e poderá beneficiar populações em todo o mundo, além de abrir perspectivas para a imunização contra o Zika vírus. Porém, até chegar nesta etapa, que antecede a produção da vacina em grande escala, longas e difíceis foram as fases anteriores do estudo, como o desenvolvimento do projeto piloto. Graças ao empenho de um grupo de pesquisadores científicos e da própria diretoria do Butantan, financiamentos via Fapesp e BNDES garantiram a continuidade das pesquisas. E, hoje, o Instituto comemora a promessa, reiterada na tarde desta quarta-feira, 9 de março, pelo Ministro da Saúde em Brasília, de que a verba de R$ 100 milhões deve chegar até o final deste mês.

De acordo com o vice-diretor do Instituto Butantan e membro da Associação dos Pesquisadores Científicos do Estado de São Paulo (APqC), Marcelo de Franco, com a verba, a equipe do Butantan espera finalizar os testes em breve e ter a produção em grande escala pronta até o final de 2017, para imunização da população. “Nesta terceira fase, realizaremos testes finais com um grupo de voluntários para provar a eficácia da vacina que desenvolvemos. Se tudo ocorrer dentro dos prazos que estipulamos, no início de 2018 começa a campanha de vacinação efetiva”, esclarece Marcelo de Franco.

No caso do Zika vírus, o vice-diretor do Butantan conta que os estudos são muito recentes e pouco se sabe até agora. “Formamos, em parceria com a Universidade de São Paulo e o Instituto Adolfo Lutz da Secretaria da Saúde, a Rede Zika. São diversos virologistas, imunologistas e farmacologistas altamente especializados envolvidos. O grupo está no momento isolando e cultivando o vírus para estuda-lo em camundongos. Queremos responder às principais dúvidas com relação à doença, como a ligação do vírus com problemas neurológicos em fetos e com doenças autoimune. Além da vacina, também esperamos desenvolver um tratamento soroterápico aos pacientes infectados, como os que já desenvolvemos contra raiva, tétano e venenos. Estamos começando do zero e, até agora, apenas com financiamento da Fapesp. O valor de R$ 8,5 milhões prometido pelo Governo Federal para o programa também deve ser enviado até o final do mês. Estamos nesta expectativa para impulsionar as pesquisas”, finaliza o vice-diretor do Butantan.

O contraponto – a degradação dos Institutos de Pesquisa

Segundo a Associação dos Pesquisadores Científicos do Estado de São Paulo, o estado degradante da grande maioria dos Institutos de Pesquisa do Estado de São Paulo entra na contramão de toda a expectativa criada recentemente em cima das pesquisas do Butantan. “Os pesquisadores cientifícos do Estado carregaram o estudo da vacina contra a dengue nas costas durante 8 anos, por meio de um árduo trabalho da nossa equipe e da diretoria do Butantan. Mesmo com o esforço individual de cada pesquisador e de seu grupo, como no exemplo da dengue, as condições são precárias em todos os 19 Institutos de Pesquisa do Estado”, avalia o presidente da APqC, Joaquim Adelino Filho.

A Associação denuncia que o Governo do Estado de São Paulo não realiza novos concursos públicos de ingresso na carreira com a regularidade esperada para garantir o desenvolvimento e a sustentabilidade das pesquisas.  Esses concursos não acontecem há mais de 10 anos, em média, nos 19 institutos do Estado.  Até agora, não foi concedido o direito de progressão por mérito dos pesquisadores científicos na carreira, que é realizado anualmente, por meio da avaliação de seus trabalhos científicos. “A pesquisa brasileira está sofrendo duros golpes e nós estamos sentindo isto na pele. Temos de ler nos noticiários que nossos governantes estão esperançosos com os resultados de nossas vacinas ”, afirma Adelino. “O que existe até agora são apenas cortes no orçamento público e promessas. Estamos esperando por melhores condições de trabalho há décadas”, complementa o presidente da APqC.

Ainda de acordo com Adelino, as pesquisas têm reflexo a longo prazo. “A falta de financiamento por parte do Governo hoje trará reflexos daqui há 10 anos. A cada R$1 que o Governo deixa de investir em pesquisa, vai deixar de arrecadar R$ 13, segundo um estudo divulgado pela própria Fapesp. Este cenário é ainda agravado pelo corte de 30% no orçamento de todos os Institutos de Pesquisa do Estado de São Paulo, sancionado pelo governador no início de 2016. Este é o maior corte já registrado na história dos Institutos de Pesquisa do Estado”, avalia.

Promessa de investimento

Em Genebra, o diretor do Instituto Butantan, Jorge Kalil, chegou a anunciar que pediu ao Ministério da Saúde a liberação de R$30 milhões para fazer o programa contra o Zika. Destes, o Ministério teria autorizado R$ 8,5 milhões. O Ministério da Saúde ainda afirmou que irá investir R$ 100 milhões na terceira fase do imunizante contra a dengue nos próximos dois anos, além de R$ 200 milhões que serão repassados por outros órgãos. Até agora, porém, não chegou nada ao Instituto.

O novo marco legal da Ciência e Tecnologia (C&T) Brasileira

Ainda dentro das reivindicações e preocupações dos pesquisadores científicos brasileiros, estão as disposições da nova Lei Federal nº 13.243, assinada em 11 de janeiro deste ano. O novo Marco Legal da Ciência e Tecnologia basicamente torna legais a privatização das instituições de pesquisa; a disseminação de arranjos produtivos científicos e tecnológicos; a internacionalização da pesquisa brasileira; além de tornar o Estado investidor de capital de risco; e alocar recursos de pessoal, pagos com dinheiro público, em entes privados.

De acordo com o engenheiro agrônomo e pesquisador científico aposentado do Instituto Agronômico de Campinas (IAC), Carlos Jorge Rossetto, o novo marco da C&T no Brasil não observa o Artigo 37 da Constituição Brasileira, que determina que a administração pública direta e indireta de qualquer um dos Poderes da União obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência. A emenda 85 eliminou a obrigatoriedade da impessoalidade, mas não revogou o Artigo 37 que deve ser cumprido.  O pesquisador aposentado ainda afirma que a nova política de inovação, em resumo, consiste em aplicar recursos públicos nas instituições de pesquisa privadas, ou nas públicas, oferecendo uma suplementação financeira ao pesquisador público, com privatização do resultado. “É uma política que oferece vantagens a alguns empresários, ao pesquisador público que aderir, mas é nociva ao povo brasileiro, principal provedor dos recursos, que terá maior dificuldade de acesso ao conhecimento e à tecnologia pela qual pagou”, finaliza.

Sobre a APqC

Criada em 1977 como uma entidade da sociedade civil sem fins lucrativos, a Associação dos Pesquisadores Científicos do Estado de São Paulo (APqC) tem como intuito defender a pesquisa científica e os Institutos de Pesquisa, além de seus recursos humanos, pesquisadores científicos e pessoal de apoio à pesquisa, que pertencem a quatro Secretarias de Estado do Governo de São Paulo. São eles: na Secretaria de Estado da Agricultura e Abastecimento estão o Instituto Agronômico, Instituto Biológico, Instituto de Economia Agrícola, Instituto de Pesca, Instituto de Tecnologia de Alimentos, Instituto de Zootecnia e Departamento de Descentralização do Desenvolvimento (Polos Regionais), coordenados pela Agência Paulista de Tecnologia dos Agronegócios. Já na Secretaria de Estado do Meio Ambiente: o Instituto de Botânica, Instituto Florestal, Instituto Geológico. Na Secretaria de Estado da Saúde: Instituto Adolfo Lutz, Instituto Butantan, Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia, Instituto Lauro de Souza Lima, Instituto Pasteur, Instituto de Saúde e a Superintendência do Controle de Endemias. Na Secretaria de Planejamento e Desenvolvimento Regional: o Instituto Geográfico e Cartográfico. E, por fim, no Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo: os Laboratórios de Investigação Médica.

Atualmente, o maior problema enfrentado por todos os Institutos de Pesquisa do Estado e levantado pela APqC junto ao Ministério Público é a falta de força de trabalho. Todos os Institutos atualmente somam, juntos, cerca de 1.560 pesquisadores em atividade – sendo que deveria ter em torno de 2.450 -, dos quais 62% está com idade acima de 50 anos. Mais de um terço (35%) dos cargos de pesquisador científico estão vagos nos 19 Institutos. Na soma de todas as carreiras, incluindo os cargos de apoio técnico e administrativo, os Institutos estão operando com menos da metade, aproximadamente, do quadro de funcionários que deveriam ter. do quadro de funcionários que deveriam ter, e o agravante é que, atualmente, 63% está acima de 50 anos. A outra metade foi esvaziada ao longo dos últimos anos por aposentadorias, mortes, exonerações e perda de funcionários para outras instituições.

A degradação dos Institutos, aliado ao descaso do Governo do Estado quanto às condições de trabalho dos cientistas paulistas, é uma preocupação constante do setor, que alerta sobretudo quanto a um possível e próximo apagão científico no Estado de São Paulo.

Redação

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