Covid-19 teria tido menos impacto no Brasil se a Agenda 2030 tivesse avançado

O plano de ação da Organização Mundial da Saúde prega a necessidade de assegurar acesso à água limpa e saneamento básico a toda população até 2030

Várias doenças têm relação direta com a falta de serviços de abastecimento de água e coleta e tratamento de esgoto. Pesquisas recentes detectaram vestígios do novo coronavírus em fezes humanas, mesmo depois de ter sido eliminado das vias respiratórias – Foto: Wikimedia Commons

do Jornal da USP

Covid-19 teria tido menos impacto no Brasil se a Agenda 2030 tivesse avançado

por Ivanir Ferreira

A disseminação de várias doenças como diarreia, hepatite e verminoses tem relação direta com a falta de serviços de abastecimento de água, coleta e tratamento de esgoto. O novo coronavírus também está no radar de pesquisadores. Além da associação evidente de falta de água para lavagem das mãos e higiene em geral com a disseminação do vírus, estudos preliminares detectaram vestígios genéticos do vírus em fezes humanas, mesmo depois de ele ter sido eliminado das vias respiratórias – embora não se saiba ainda o peso dessa presença na transmissão. Nessa linha de raciocínio, pesquisadores da USP e da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) acreditam que a pandemia da covid-19 teria tido menos impacto social se a chamada Agenda 2030  tivesse avançado nos últimos anos. O Norte do Brasil tem maior carência: somente 10% da população tem acesso a tratamento de resíduos sólidos, e pouco mais de 50%, à água potável.

A  Agenda 2030 é um plano de ação para o desenvolvimento sustentável lançado pela Organização das Nações Unidas (ONU) e acordado por 193 lideranças mundiais em 2015. Propõe encaminhamentos para diversas questões e a meta de número seis é enfática em relação à importância de assegurar acesso à água limpa e saneamento básico a toda a população até 2030.

 

Ana Luiza Fontanelle, doutoranda em Planejamento de Sistemas Energéticos da Unicamp e pesquisadora colaboradora do Research Centre for Gas Innovation (RCGI) da Escola Politécnica (Poli) da USP – Foto: Arquivo pessoal

“A desigualdade social é clara quando o assunto diz respeito à disponibilidade de água potável e tratamento de esgotos no Brasil, e a precariedade dessas condições eleva o índice de doenças”, afirma Ana Luiza Fontanelle, doutoranda em Planejamento de Sistemas Energéticos da Unicamp e pesquisadora colaboradora do Research Centre for Gas Innovation (RCGI) da Escola Politécnica (Poli) da USP. O Norte e o Nordeste do País, que são as regiões mais vulneráveis e sofrem com falta de leitos de UTI e estrutura de saúde para tratar pacientes com covid-19, são também as que têm menores taxas de acesso à água e a saneamento.

Dados do Sistema de Informação sobre Saneamento (SNIS) de 2018 mostra a discrepância entre as regiões brasileiras, inclusive, entre bairros mais ricos e periféricos de algumas cidades: no Sudeste, cerca de 90,3% têm acesso à água e 79,2,%, à coleta de esgoto, sendo a área urbana ainda mais privilegiada, com 97,7% e 72,1%, respectivamente. Já no Norte do Brasil, pouco mais da metade dos brasileiros, 57,6%, conta com recursos hídricos e 10,5%, com tratamento de resíduos.

 


Ana Luiza vê São Paulo como uma cidade de contrastes. Enquanto os grandes centros urbanos se destacam pela pujança econômica, as comunidades periféricas são as mais afetadas pelas adversidades. As crises hídricas de 2014 e de 2015 e a pandemia trazida pela covid-19 evidenciam este cenário. “Por apresentar maior vulnerabilidade econômica, a falta de água e saneamento aprofunda o problema”, questões que estão relacionadas aos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS) de números 6 e 11, que tratam de água limpa e saneamento básico e cidades sustentáveis.

Drielli Peyerl, pesquisadora do Instituto de Energia e Ambiente (IEE) da USP e do RCGI da Escola Politécnica (Poli) da USP – Foto Arquivo pessoal

Drielli Peyerl, pesquisadora do Instituto de Energia e Ambiente (IEE) da USP e do RCGI da Escola Politécnica (Poli) da USP chama a atenção para a falha brasileira no encaminhamento de ações para alcançar os ODS 3, 4, 10, 11 e 13, que dizem respeito à poluição do ar e mudanças climáticas. Durante a quarentena, com menos carros nas ruas e diminuição das atividades industriais, houve uma queda das emissões de poluentes atmosféricos. A Companhia Ambiental do Estado de São Paulo (Cetesb) registrou em algumas regiões metropolitanas concentração máxima de poluentes de 1,0 parte por milhão (ppm) enquanto que o padrão normal em outros dias era de 9,0 partes por milhão (ppm). “Para a retomada econômica pós-pandemia, seria fundamental fazer discussões com diversos autores sociais sobre a geração de emprego e a transição para a produção de energias limpas e renováveis, em detrimento do uso de combustíveis fósseis.

 

Leonardo Yoshiaki Kamigauti, doutorando do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas (IAG) da USP – Foto: Arquivo pessoal

Segundo Leonardo Yoshiaki Kamigauti, doutorando do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas (IAG) da USP, as incertezas sobre o cenário do petróleo não nos permitem construir uma proposta simples e sólida, pois o uso de energia limpa depende de um custo que seja competitivo com a energia derivada de combustíveis fósseis. O que se espera, após a pandemia, é que haja reforço de projetos ambientais no mundo todo, da escala regional à global, tendo em vista que a poluição (ou a falta dela) seja perceptível pela população.

Ana Luiza lembra da importância de se discutir a aplicabilidade da Agenda 2030 nesse momento de pandemia. Há uma preocupação que a retomada econômica depois da crise aprofunde ainda mais as desigualdades sociais e a volta das atividades industriais ocorra sem critério de sustentabilidade ambiental. Em sua opinião, os avanços da Agenda 2030 serão efetivos se houver sinergia e comprometimento da sociedade, do governo, das indústrias e da academia.

Mais informações: e-mail  [email protected]com Ana Luiza Fontenelle

Redação

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