Direito de resposta e esclarecimentos sobre estudo CloroCovid19

O estudo foi submetido à Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (CONEP), com CAAE 30152620.1.0000.0005, em 20 de março, sendo aprovado de forma célere, em 23 de março

Direito de resposta e esclarecimentos sobre estudo CloroCovid19

O estudo CloroCovid-19 congrega um conjunto de mais de 70 profissionais, entre pesquisadores, estudantes de pós-graduação e colaboradores de instituições com tradição em pesquisa, como Fiocruz, Fundação de Medicina Tropical Dr. Heitor Vieira Dourado, Universidade do Estado do Amazonas e Universidade de São Paulo. Há mais de 20 anos, a equipe desenvolve estudos de pesquisa em malária, HIV/Aids, tuberculose, acidentes por serpentes, e outras doenças emergentes, com reconhecimento internacional e participação em conselhos internacionais, incluindo OMS.

O Clorocovid-19 foi estruturado como um estudo de fase II, ou seja, que tem mais interesse na segurança dos pacientes, portanto, incluiu apenas pacientes graves com síndrome respiratória aguda grave (SRAG), com suspeita (e posterior confirmação laboratorial) de COVID-19.

O estudo pretende ainda verificar se há ação benéfica da cloroquina, em comparação com dados de outros estudos internacionais, nos quais pacientes em condições clínicas semelhantes não usaram cloroquina.

Em termos éticosjá que o Ministério da Saúde tinha recomendado o uso de cloroquina para casos graves de COVID-19, não consideramos oportuno, nesse momento, o uso de  um grupo de placebo, ou seja, sem uso de cloroquina. Assim, foram usadas duas doses distintas de cloroquina:

(1)  dose baixa, 450mg 2x/dia no primeiro dia e 450mg 1x/dia por mais 4 dias (total de 5 dias de tratamento);

(2)  dose alta, 600mg 2x/dia durante 10 dias.

O Ministério da Saúde do Brasil, junto à Secretaria de Ciência e Tecnologia e Insumos Estratégicos (SCETIE), indicou a dose baixa para o tratamento de pacientes com quadro clínico grave, sob aconselhamento do próprio investigador principal do estudo, Dr. Marcus Lacerda. A dose foi inicialmente utilizada pelo General Hospital de Massachussets, nos Estados Unidos (EUA).

A escolha de uma dose alta teve o seguinte racional científico:

(1)   doses mais altas têm maior atividade antiviral in vitro, ou seja, em laboratório, sendo mesmo mais altas do que a dose usada para malária, por exemplo;

(2)   é a mesma dose, por peso dos pacientes, usada na China, e que consta atualmente no Consenso Chinês de tratamento de COVID-19;

(3)   uso em pacientes com choque, ou seja, com baixa perfusão intestinal, e que, portanto, absorvem menos a medicação, que só tem apresentação em comprimidos;

(4)   em uma doença que se revelou, no mundo ocidental, muito letal, o risco de benefício da eficácia x de efeitos colaterais, de diferentes doses, precisava ser avaliado e conhecido dentro de parâmetros científicos;

(5)   boa segurança dessa mesma dose alta em pacientes com câncer, em vários estudos publicados, que usaram por períodos ainda mais longos, de 28 dias.

No curto prazo, não há qualquer diferença de toxicidade entre as duas apresentações da medicação (hidroxicloroquina e difosfato de cloroquina). A toxicidade da forma difosfato de cloroquina só é maior por períodos prolongados de uso, como em lúpus e artrite reumatoide.

Inicialmente, o estudo previu a inclusão de 440 pacientes hospitalizados já em estado grave, no Hospital Delphina Aziz, referência para COVID-19 no Estado do Amazonas. O Governo do Estado do Amazonas, a CAPES e a FAPEAM são os patrocinadores oficiais do estudo. Demais recursos públicos federais prometidos ainda não foram efetivamente disponibilizados.

O estudo foi submetido à Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (CONEP), com CAAE 30152620.1.0000.0005, em 20 de março, sendo aprovado de forma célere, em 23 de março, sendo iniciada a inclusão de pacientes no mesmo dia, face à urgência da situação. Tais dados podem ser acessados facilmente no Boletim Ética em Pesquisa (Relatório Semanal 01), publicado on-line pela CONEP.

Todos os pacientes e/ou familiares foram orientados sobre o objetivo da pesquisa e assinaram Termos de Consentimento Livre e Esclarecido, sendo uma via arquivada no centro e outra entregue ao paciente, com assinaturas originais.

Um comitê de acompanhamento e segurança independente foi montado prontamente. Integram o comitê médicos especialistas na área, nacionais e internacionais, que passaram a acompanhar diariamente os resultados, de forma virtual.

Assim que se observaram as primeiras mortes, de pacientes em uso de qualquer uma das doses de cloroquina, o qual é próximo da média mundial, o comitê prontamente solicitou a análise dos dados. Até a data da análise, 11 pessoas (de ambos os grupos) haviam morrido por COVID-19, sendo a maioria idosos, como é mesmo o perfil de pacientes graves, em todo o mundo. Verificou-se, naquele momento, que havia tendência de mais efeitos colaterais nos pacientes em uso da maior dose.

A alta dose foi imediatamente suspensa e todos os participantes passaram a usar a dose mais baixa, no dia 6 de abril. A CONEP foi comunicada oficialmente do acontecido no dia 11 de abril, por meio da Plataforma Brasil, e os dados, para maior transparência e visibilidade internacional, foram divulgados, no site MedRxiv (https://www.medrxiv.org/content/10.1101/2020.04.07.20056424v1) , para garantir a oportuna transparência e visibilidade internacional dos resultados até a devida revisão por pares científicos. A intenção foi advertir demais pesquisadores do mundo sobre a toxicidade de uma dose alta, que apesar de teoricamente parecer mais eficaz, estava causando mais danos do que benefícios.

A primeira conclusão do estudo, portanto, foi que pacientes graves com COVID-19 não deveriam mais usar a dose recomendada no consenso Chinês, fato que até o momento não se tinha qualquer evidência, uma vez que nenhum estudo realizou adequadamente a avaliação de segurança, como eletrocardiogramas diários, como feito em Manaus/AM, sob assessoria de cardiologistas experientes e renomados. Dose altas parecem ser seguras em pacientes com câncer, mas não em pacientes graves com COVID-19, em especial os mais idosos. Uma possível explicação levantada no artigo é a ocorrência de miocardite, ou seja, inflamação do músculo cardíaco.

O estudo não permite em absoluto concluir que a cloroquina em doses baixas funciona ou não para COVID-19, porque não tem o grupo comparador de controle, ou seja, sem usar a medicação. Outros estudos para responder a essa questão, estão sendo realizados nesse momento, em outras partes do planeta.

A pré-publicação teve repercussão importante nos EUA, sendo o estudo utilizado como forma de chamar a atenção da população americana sobre os potenciais riscos do uso de cloroquina em COVID-19. New York Times e CNN deram ampla cobertura e visibilidade aos resultados preliminares, no dia 12 de abril.

Uma cascata de contrarreações então teve início, sendo que o ativista, investidor e CEO da Yuko Social, Michael Coudrey, responsável por controle de mídia para políticos e organizações, publicou no Twitter, no dia 14 de abril, que ‘o estudo brasileiro era irresponsável e que tínhamos usado os pacientes como cobaias humanas’, algo absolutamente incorreto, já que, como ressaltado, todos os requisitos éticos e legais foram rigorosamente seguidos. Com 239,8 mil seguidores no Twitter, a mensagem foi viralizada, e chegou ao Brasil no dia 15 de abril, quando foi imediatamente replicada e amplamente divulgada em sites, mídias sociais e demais veículos de comunicação.

A interpretação equivocada do ativista e seus seguidores foi de que todas as mortes ocorridas no estudo se deveram ao uso das altas doses, sendo que nem todos os pacientes usaram a alta dose e todos eles tinham COVID-19 muito grave, vindo a falecer por conta da doença, o que ocorreu dentro da média mundial. Todos os registros estão disponíveis no centro, de acordo com as boas práticas clínicas, seguidas por toda a equipe de profissionais envolvidos no estudo.

Uma onda de reações de natureza ideológica, de pessoas que nunca leram o estudo na íntegra, sem qualquer formação científica, motivou manifestações violentas de cunho pessoal ao pesquisador principal, sua família e sua equipe, o que tem desviado a atenção e o foco do trabalho realizado aqui durante a pandemia. A polícia militar do Estado do Amazonas está vigilante e garantindo a segurança imediata de todos. Pacientes e seus familiares estão com medo do que pode ter acontecido na pesquisa, apesar da equipe estar em constante contato com todos os participantes e seus familiares, com o objetivo de orientar e confortar pessoas que já passaram por imenso trauma.

O debate não apenas está tendo forte viés ideológico, mas também prejudicando a reputação de pesquisadores com forte tradição de pesquisa no Brasil e no mundo, o que pode ser um efeito deletério grave em momentos como o que estamos vivendo.

Os pesquisadores não possuem quaisquer vinculações ideológicas ou partidárias e seu compromisso é apenas com a boa ciência. Não emitimos opinião que não seja baseada em dados científicos. Os dados preliminares publicados no MedRxiv, com pacientes de Manaus, já foram atualizados, persistindo as mesmas conclusões, e estão nesse momento em avaliação por revisores de revista científica internacional muito conceituada no meio científico médico.

As instituições envolvidas tomarão as devidas providências legais para que todos os fatos sejam esclarecidos, e os responsáveis pela divulgação maciça de inverdades sejam punidos.

Os artigos de outros grupos que ainda serão publicados, certamente legitimarão os nossos resultados. Apenas tivemos o privilégio de sermos os primeiros a mostrar o que ninguém queria ver.

Não destruam nossos sonhos, nem o sonho das crianças que querem um dia pesquisar e produzir boa ciência.

Marcus Vinícius Guimarães de Lacerda MD, PhD

Instituto Leônidas & Maria Deane (Fiocruz – Amazônia)

Fundação de Medicina Tropical Dr. Heitor Vieira Dourado

Sobre o assunto, GGN publicou aqui. O que abriu espaço para o Direito de Resposta.

Redação

6 Comentários

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  1. Baseado em falsas premissas, sem apuração responsável, causou mais danos do que qualquer melhoria. Irresponsável, pois, mesmo que tente se apoiar em protocolos et catervas ditas “legais”, usando, para tal, o consentimento de pessoas desesperadas por qualquer resultado (abuso de poder). Lamentável que se prestem a tais procedimentos sem efetivamente medir os riscos a que submetem terceiros. Pobre país de merrecas em que até as “pesquisas” sinalizam a efemeridade da glória dos holofotes e, talvez – pior, algum contrato negocial-comercial.

  2. O principal defensor do uso da cloroquina, o tal francês do sul, do qual esqueci o nome, já disse que ELA NAO ADIANTA QUANDO USADA EM CASOS GRAVES. Mas os estudos praticamente só usam nesses casos. Parece que o interesse está em negar qualquer possibilidade de efeito benéfico…
    Nota: NAO ESTOU DEFENDENDO O USO, NEM SOU BOLSONARISTA. Apenas acho que essa questao precisa ser desideologizada, tratada apenas como uma questao médica.

  3. Já foi abordado por outro post. A real motivação foi a de se verificar os potenciais riscos de uma superdosagem. Isso não é ético.

    A superdosagem está comprovada pelas doses aplicadas uma de 2,7grms e outra 12grms. São por demais díspares. Fosse quimioterapia a dose menor seria inoqua e a maior mataria o paciente.

    Existe uma ética nas pesquisas com seres humanos. No próprio site do Fiocruz tem os principios:

    Uma pesquisa eticamente justificável precisa respeitar o participante da pesquisa em sua dignidade e autonomia, reconhecendo sua vulnerabilidade, assegurando sua vontade de contribuir e permanecer, ou não, na pesquisa, por intermédio de manifestação expressa, livre e esclarecida; precisa ponderar entre riscos e benefícios, tanto conhecidos como potenciais, individuais ou coletivos, comprometendo-se com o máximo de benefícios e o mínimo de danos e riscos, e garantindo que danos previsíveis serão evitados; precisa ter relevância social, o que garante a igual consideração dos interesses envolvidos, não perdendo o sentido de sua destinação sócio-humanitária; e, finalmente, precisa ser aprovada previamente por um comitê de ética em pesquisa (CEP).

    Infringiu diversos princípios mas o principal é garantir que danos previsíveis serão evitados. Os potenciais riscos da cloroquina são mais que conhecidos.

    O próprio duplo cego é questionável, porque se estava procurando conhecer os riscos a equipe médica deveria estar preparada para identificar imediatamente as complicações.

    Nada justifica.

  4. O ” Estudo ” não mostra os resultados de quem tomou a menor dose, só diz que : ” por Não ter grupo de controle não serve para o estudo ” . Nota – se ,portanto que o estudo desde o princípio não é imparcial ,pois mesmo que os pacientes tivessem excelentes resultados com a menor dosagem ,os resultados JAMAIS viriam a público.

  5. Este comentário está atrasado mas descobri um fato muito pertinente e gostaria que a Sra. Loudes que faz a moderaçao leve ao conhecimento do Sr. Nassif.

    Os pesquisadores da Fiocruz defendem o seu estudo dizendo que seguiram as doses recomendadas “em peso” do estudo da China a que fazem referencia.

    Lá usaram 500mg 2 vezes ao dia e o estudo da Fiocruz incrementou em 20% a dosagem já alta e muito acima da faixa de segurança para esse medicamento.

    Mas, lendo o estudo chines no endereço: http://rs.yiigle.com/CN112147202003/1184469.htm usando o mecanismo de tradução do Google me deparei com essa parte:

    8. PRECAUÇÕES PARA APLICAÇÃO CLÍNICA

    7) Combinação proibida de medicamentos: (1) Medicamentos cardiovasculares: medicamentos digitais (digoxina, desacetilgoxina, glicósidos digitais, ouabaína K), medicamentos antiarrítmicos (Classe Ia: quinidina) , Procainamida, procainamida, classe III: amiodarona, sotalol, ibutilida, dronedarona), benpredil, hidroclorotiazida, indapamida; (2 ) Antibióticos: quinolonas, macrolídeos (eritromicina, claritromicina, azitromicina), antifúngicos triazol (fluconazol, fluconazol, itraconazol, posaconazol) Penicilamina, estreptomicina; (3) medicamentos para o sistema nervoso central: metadona, antidepressivos tricíclicos (amitriptilina, imipramina, doxepina, clomipramina, melitxina), Citalopram, medicamentos antipsicóticos (haloperidol, haloperidol, clorpromazina), inibidores da monoamina oxidase (fenetil-hidrazina, isoniazida, iscarbo-hidrazina, selegilina, trometamina, Clobemida, Paclidina), etc.; (4) Drogas gastrointestinais: drogas de motilidade gástrica (domperidona, cisaprida), drogas antieméticas (ondansetrona, dolase ); (5) Outros: fenilbutazona, triamcinolona, ​​heparina, astemizol, cloreto de amónio, a apomorfina, octreotida, a terfenadina, o trióxido de arsénico.

    Os pacientes que usam cloroquina no tratamento de novas pneumonias por coronavírus são proibidos de usar antibióticos como quinolonas e macrólidos para evitar prolongar o intervalo QT, levando ao risco de reversão da ponta de taquicardia ventricular. Ao mesmo tempo, verifique se os níveis de eletrólitos do paciente (potássio, sódio, cloro), açúcar no sangue, função hepática e renal estão normais.

    MEDICAMENTOS PROIBIDOS, DENTRE ESSES ESPECIFICAMENTE AZITROMICINA

    TAMBÉM A CEFRIAXONA TEM EFEITO CARDÍACO

    Assim além de dar uma superdose de cloroquina, 20% superior à dosagem no estudo chines, acrescentou medicamento proibido no estudo chines, a Azitromicina e ainda outro medicamento, ceftriaxona que também tem contra-indicações cardiovasculares.

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