Poder público subestima o uso de ações de prevenção à dengue, diz Carlos Neder

Cintia Alves
Cintia Alves é graduada em jornalismo (2012) e pós-graduada em Gestão de Mídias Digitais (2018). Certificada em treinamento executivo para jornalistas (2023) pela Craig Newmark Graduate School of Journalism, da CUNY (The City University of New York). É editora e atua no Jornal GGN desde 2014.
[email protected]

https://www.youtube.com/watch?v=ETwWyBuejlM height:394]

Entrevista: Lilian Milena e Lourdes Nassif
Texto: Cíntia Alves
Imagens e edição: Pedro Garbellini

Jornal GGN – Médico pela USP e mestre em saúde pública pela Unicamp, o deputado estadual Carlos Neder acredita que o poder público está subestimando o uso de mecanismos de comunicação e de educação para prevenção na área da saúde com o intuito de combater doenças infecto-contagiosas como a dengue, motivo de um surto histórico de contaminados no Estado de São Paulo.

Em entrevista ao GGN, Neder sugeriou que municípios, Estado e União tenham uma política integrada e não circunstancial para frear epidemias como esta, e que apostem mais na reformulação do sistema de saúde para atraiar a população para discutir esse tipo de problema com os gestores públicos.

O deputado é autor de um projeto na Assembleia Legislativa paulista que sugere a destinação de ao menos 25% dos recursos utilizados por governadores, prefeitos e presidente em propaganda, para explicar como a população pode ajudar a conter a proliferação de doenças.

Para Neder, não é correta a posição do governo Geraldo Alckmin, de culpar apenas a população pelo crescimento desenfreado da dengue, que já registrou vitimas fatais no Estado.

Leia a entrevista a seguir:

Jornal GGN – Qual a sua avaliação sobre os encaminhamentos feitos pela prefeitura de São Paulo e pelo governo estadual em relação ao combate à dengue? E o que o senhor acha da fala do secretário de Saúde do Estado, David Uip, que declarou que caberia aos municípios paulista ter uma resposta imediata à epidemia?

Carlos Neder – Em primeiro lugar, quero chamar atenção pelo fato de estarmos com sistema de saúde muito voltado a um caráter de atenção assistencial e menos de ações de promoção à saúde e prevenção de doenças. Acho que o grande desafio que temos é buscar um trabalho mais integrado em relação à questão da sustentabilidade e educação para cidadania. Hoje, se discute muita a questão da dengue, mas logo poderemos estar conversando sobre outras zoonoses igualmente importantes, ou doenças infecto-contagiosas. 

O primeiro aspecto que quero ressaltar é o papel do poder público. Penso que falta no Brasil ação integrada nos diferentes níveis de governo e integração das políticas públicas, sobretudo aquelas voltadas à informação à população a partir de dados científicos e técnicos, orientados pelo poder público, para que não se instale pânico e para que as pessoas possam ver qual é a sua parte no processo – uma vez que você não consegue impedir epidemia apenas por atuação do poder público. É preciso envolver o conjunto da sociedade.

Nesse sentido, apresentei projeto de lei na Assembleia Legislativa que cria a obrigatoriedade de que pelo menos 25% das verbas gastas com propaganda de presidente, governador e prefeito, sejam aplicadas em ações de educação de saúde. Nós observamos que, com frequência, as propaganda são centradas na figura de governante, para mostrar os prédios que ele vem construindo, os hospitais que ele pretende construir, e na verdade perde-se valor significativo do orçamento do Estado, que poderia estar sendo gasto em ações de saúde, que traria resultado a médio prazo muito mais significativo que a construção desses hospitais.

Dito isto, acho que também é um equívoco, que tenho observado em visitas a vários municípios de São Paulo, prefeitos e vereadores acharem que a criação de um centro de referência em dengue seria a medida mais apropriada quando se tem epidemia instalada. Na verdade, acho que não cuidamos adequadamente do meio ambiente, nós permitimos a proliferação do mosquito, não orientamos adequadamente a população, e acho que seria equívoco centrarmos fogo na prioridade de gastos com hospitais e centros de referências especializados, embora isso importante para o atendimento daqueles que adquiriram a doença.

Nós subestimamos a necessidade de investir fortemente nas ações de promoção [de educação e prevenção, e cito a estratégia do programa Saúde da Família, que não tem o desenvolvimento que poderia ter tido, ou a expansão das equipes de controle de zoonoses, com trabalho integrado entre os agentes comunitários de saúde, os demais membros do Saúde da Família, na medida em que uma ação articulada deles com a população, no âmbito da atenção básica, faria com que tivéssemos incidência menor desses casos.

GGN – O senhor fala em aumentar os recursos com propaganda para que as pessoas se informem melhor. Mas desde a década de 1990 temos surtos de dengue e as pessoas até sabem explicar o que fazer para evitar isso. Será que não falta outro tipo de estratégia de comunicaçãom ou outros mecanismos, como sobretaxar as pessoas que têm terrenos não construídos (onde o mosquito pode se proliferar)?

Neder – Bom, essas estratégias punitivas estão contempladas. Há quem diga que você só tem resultado quando mexe no bolso do cidadão ou quando dá poder de polícia aos agentes de saúde, mas acho isso um equívoco. Penso que além das informações sobre a doença, precisamos mudar uma cultura. E você não muda uma cultura se não envolve a participação das pessoas. 

Penso que temos que transitar o sistema de atenção, esse assistencial de saúde que temos hoje, para um sistema de saúde diferenciado, em que a mobilização da sociedade, a participação dos munícipes, as diferentes formas de envolvimento das pessoas nos debates sobre saúde, educação e meio ambiente, seja imprencidível.

GGN – No caso de hospitais que atendem planos de saúde, há casos de não cumprimento do protocolo em relação à dengue. Diagnosticados, os pacientes ou são enviados para casa ou são encaminhados aos hospitais públicos. Dentro da Assembleia, o que poderia ser feito para obrigar que a rede privada possa cumprir com o protocolo de atendimento?

Neder – Infelizmente, nós não podemos legislar para a iniciativa privada. Entretanto, a concepção moderna de gestão pública obriga gestores a terem olhar para as organizações de iniciativa privada, seja ela filantrópica ou lucrativa. Não é cabível, por exemplo, que o gestor cuide apenas da sua própria rede de atenção. É preciso, então, diálogo com iniciativa privada para que ela cumpra os protocolos estabelecidos pela vigilância sanitária.

Ocorre que temos hoje uma situação que mesmo municípios de médio porte, além dos de grande porte, vem recorrendo crescentemente à modalidade de gestão privada feita por organizações sociais. Temos a gestão privada propriamente dita quando pensamos na assistência média individual de cunho privado, mas temos também modalidade de gestão privada credenciada pelo poder público, que age em nome do poder público, que são as organizações sociais.

O que me preocupa é que, na medida em que delegamos o papel para essas organizações e elas não cumprem o que está estabelecido em protoloco, você fica com responsabilidade, em nome do poder público, pelo que não foi feito – como se fosse inoperância do poder público, mesmo em casos simples, como controle da dengue.

Nós temos, hoje, claramente uma epidemia instalada, mas infelizmente não sabemos até que ponto isso depende da mudança de temperatura – chegada do outono do inverno e se isso voltará com força no verão – e se todas as medidas que deveriam ser tomadas pelas parceiras da rede pública estão sendo tomadas. Porque a rede pública sob responsabilidade da Prefeitura vem atuando a contento, seja fazendo diagnóstico das áreas de maior risco, capacitando equipes, expandindo o atendimento da Saúde da Família ou agindo através dos agentes de zoonoses.

Acho que isso chama atenção para a organização do sistema de saúde, se ele está adequado para evitar que essa ou outras doenças se instale tornando a população insegura diante da capacidade de resposta.

Quero ressaltar a irresponsabilidade do governo do Estado. Não é possível que estimulemos a criação de centros de referência em nome da crise da dengue, ou que joguemos toda a possibilidade de combate para uma vacina eficaz e de larga escala, ou responsabilizar os municípios por uma atividade que também envolve o Estado.

GGN – Quando há o surto de uma doença como a dengue, qual a responsabilidade de cada entre federativo?

Neder – Isso está bem estabelecido no SUS (Sistema Único de Saúde). Não há que se eximir de responsabilidades os estados, a União ou os municípios. O que precisamos é de estratégias articuladas que não podem ser apoiadas no improviso.

Não cabe hoje ação isolada, como a União dizer que é prioridade dela, sem diálogo direto com gestores estaduais. É preciso que o diálogo ocorra nas instâncias do SUS. Ao lado disso, é preciso regionalização cada vez maior da organização do sistema de saúde, porque a doença não se manifesta na mesma proporção e intensidade em todas as regiões do Estado de São Paulo.

Hoje temos mais de 30 bairros em São Paulo em situação de epidemia. Temos que analisar em cada região os fatores que favoreceram à proliferação da doença. Na Zona Norte e Sul, principalmente. Isso traz elementos para evitar que mesmo fenômeno aconteça em outras regiões da cidade.

 

Cintia Alves

Cintia Alves é graduada em jornalismo (2012) e pós-graduada em Gestão de Mídias Digitais (2018). Certificada em treinamento executivo para jornalistas (2023) pela Craig Newmark Graduate School of Journalism, da CUNY (The City University of New York). É editora e atua no Jornal GGN desde 2014.

11 Comentários

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

  1. A forma como se tem tratado

    A forma como se tem tratado da dengue é assustador de um lado, ao perceber a ignorancia do poder publico e mesmo da comunidade academica, e de outro lado os mesmos espertalhões oportunistas que procuram vantagens financeiras. Com estes ultimos resta a esperança de que a justiça se fortaleça e os punam exemplarmente, qto a ignorancia e a incompetencia a coisa ja toma outra conotação. Senão vejamos.

    O proprio gestor publico é o responsavel pelo terror, alrme e insegurança gerada na opinião publica a respeito da dengue. Como as campanhas publicas procuram o cidadão, senão pelo terror.

  2. Dengue

    As ações de controle do mosquito Aedes aegypti e outros mosquitos são simples mas não ´pdem ser banalizadas.

    Estou em outro estado da união mas os gestores que assumiram este papel na constituição de 1988, até hoje não se deram conta de que é preciso seriedade para fazer a prevenção do dengue, mas o que esperar destes gestores que não conhecem nem mesmo a biologia do vetor.

  3. A culpa é da populaçlão

    A culpa é da populaçlão quando se trata de governador tucano!

    Quando é governo petista, a culpa é do governo do PT!

  4. Epidemia em S.Paulo…

    Por que houve a epidemia em S..Paulo ?  Com a falta d’água, a população começou a armazená-la, sem o devido cuidado de coberura da mesma. Cabe ao poder público, cuidar de seus prédios, terrenos baldios, fiscalização de cemitérios onde encontamos jarras de flores que acumulam água etc. Mas, acredito que a maior contribuição do poder público, são as chamadas através de rádio e televisão, para o período em que os mosquitos se proliferam. O povo esquece. Há necessidade de avisos constantes, principalmente antes da chegada do verão. O Estado não tem condições de visitar todas as residências. Moradores de casas e síndicos de condomînios, têm por obrigação , verificar seus espaços, ( ralos em quintais e garagens, calhas, e todos os locais onde pode se acumular água).  De 10 em 10 dias , colocar nesses locais, água com sal e cloro, ou outros produtos indicados para impedir o desenvolvimento dos ovos.  Daí repito: O povo esquece. A importância da chamada sobre a precaução, tem que ser constante.Vale dizer que pouco adianta o fumacê.Mosquito da dengue não   se adapta ao ar livre. Eles procuram ambientes mais escuros, ou seja, procuram as residências. Portanto é fundamental a participação de cada um cuidando do seu espaço. Uma observação: Não uso repelente. Em época de dengue, uso nas partes descobertas do corpo água de alfazema. Comprovadamente eles não atacam ao sentir o perfume. 

  5.  
    O Ministério da Saúde

     

    O Ministério da Saúde registrou até 28 de março deste ano 460,5 mil casos de dengue no país. O aumento é de 240,1% em relação ao mesmo período de 2014, quando foram registrados 135,3 mil casos da doença.
    Segundo a pasta, nas 12 primeiras semanas do ano foram confirmadas 132 mortes provocadas pela dengue, aumento de 29% em comparação com o ano passado, que registrou 102 óbitos. No mesmo período de 2013, houve registro de 278 mortes (-52%).

    132 mortes em 460 mil casos registrados no Pais. Qual a porcentagem disto?

    A propaganda publica, repito é de uma incompetencia, que so não afirmo criminosa pela ignorancia explicita contida nela mesma.

    O numero de mortes é tão infimo comparado com os casos de dengue diagnosticada que não se poderia afirmar com certeza que a dengue seja a responsavel por estas mortes e por outro lado que a dengue fora unica e exclusivamnete o pontencializador destas mortes, ou seja o doente morreria de um jeito ou de outro a dengue somente potencializou o risco.

    Em vez das campanhas levar a segurança e o destemor, leva exatamente o contrario, consequencia da ignorancia sobre o problema, lotando e congestionando o ja precario sistema de saude disponivel.

    Qual é o tratamento da dengue qdo se confirma o dagnostico? Excetuando os casos de desitratação em que o apciente necessita dos recursos hospitalares, basta o repouso, inevitavel, anti-termico e analgesico, para algum reconforto e esperar o ciclo viral passar. Não é isto?

    Então pra que esta campanhas terroristas?

    É muita incompetencia e ignorancia. Ja lembrava Rui Barbosa nos idos do seculo passado.

    Qdo eu era adolescente aqui em São Paulo, ciddade que cresceu em um planalto, cercada de montanhas e irrigada por diveros cursos hidricos, era denominada terra da garoa em razão da alta umidade na atmosfera. o verão normalmente era caracterizado por um clima abafado extremamente propicio a proliferação de insetos, mormente o Aedes (Stegomyia) aegypti (aēdēs do grego “odioso” e ægypti do latim “do Egipto”) é a nomenclatura taxonômica para o mosquito que é popularmente conhecido como mosquito-da-dengue ou pernilongo-rajado1 .

    Com a urbanização desenfreada, afinal a locomotiva da nação não podia parar, o dominio do famigerado mosquito, que infernizava a noite com os zumbidos infernal, diminuiu, quase ao exterminio total, infelizmente, isto não se deu, os ambientalistas e os eco-chatos, patrocinaram outra midiatica campanha a favor do reflorestamento e os famigerados mosquitos voltaram.

    Naquela e´poca, todo mundo pegava uma doença tipica do verão, principalmente as crianças e os adolescntes que ficavam expostos ao virus em razão das atividades ludicas, se brincava muito nas ruas naquele tempo, os adultos se protegiam mais e de certa forma evitam o contagio e o incomodo das picadas, ficando protegidos dentro das casas.

    Pessoalmente posso testemunhar que todo santo ano eu tambem caia de cama, uma ano mais leve outro mais forte, cheguei a padecer um ano com febre de 41 graus, tive alucinação e guardo até hoje lembrança daquele ano em particular.

    Bom pra sintetizar, os médicos tratavam a coisa como simples virose, não existia clima de fim de mundo muito menos de terror, todo mundo sabia qdo o amiguinho não comparecia as brincadeiras que se encontrava acamado. Com gripe.

    Não tinha jeito, era esperar acamado a gripe passar e confortado com a canja de galinha que mamãe servia.

    1. A dengue e o ácido acetil salicílico…

      A dengue pode se transformar em hemorrágica, em  caso de ingestão da famosa aspirina ou similares. O mesmo perigo estende-se àqueles que, por problemas cardíacos, façam uso de anticoagulantes. Sem falar de pessoas portadoras de baixa imunidade.  A dengue é sim, perigosa. Não deixa de ser uma virose e, em crianças e jovens até 18 anos, dependendo do que ingerir para a febre, pode contrair a perigosíssima síndrome de Reye. É melhor pecar pelo excesso e, dizer sim, que a dengue pode matar.  

      1. Superlotação hospitalar

        Em vez destas campanhas terroristas patrocinadas por ambientalistas e eco-chatos, não seria mais util para a sociedade uma campanha pautada na informação e no bom senso?

        1. Concordo !!!

          É fundamental a campanha. Os maiores criadouros do mosquito estão  nas residências e seus quintais. A campanha há de ser por todo o ano e intensificada  antes da chegada do verão. Os ovinhos depositados há um ano, ao receberem a água da chuva e,  com o calor, levam de 7 a dez dias para se tornarem os temíveis mosquitos. 

  6. Dengue

    A forma como se tem tratado da dengue é assustador de um lado, ao perceber a ignorancia do poder publico e mesmo da comunidade academica, e de outro lado os mesmos espertalhões oportunistas que procuram vantagens financeiras. Com estes ultimos resta a esperança de que a justiça se fortaleça e os punam exemplarmente, qto a ignorancia e a incompetencia a coisa ja toma outra conotação. Senão vejamos.

    O proprio gestor publico é o responsavel pelo terror, alarme e insegurança gerada na opinião publica a respeito da dengue. Como as campanhas publicas procuram o cidadão, senão pelo terror.

                                                            

  7. dengue

    Neder, espero que seja aprovado seu projeto de lei na Assembleia Legislativa que cria a obrigatoriedade de que pelo menos 25% das verbas gastas com propaganda de presidente, governador e prefeito, sejam aplicadas em ações de educação de saúde. Parabéns pela iniciativa.

Você pode fazer o Jornal GGN ser cada vez melhor.

Apoie e faça parte desta caminhada para que ele se torne um veículo cada vez mais respeitado e forte.

Seja um apoiador