Ex-diretor do Butantan denuncia desmonte da instituição

 
Jornal GGN – O Instituto Butantan, do governo do Estado de São Paulo, responsável pela fabricação de soros e vacinas encontra-se em séria crise financeira, segundo o pesquisador e ex-diretor da instituição, Isaías Raw. Aos 88 anos e após 30 anos trabalhando no Butantan, Raw decidiu, em seu último dia de trabalho, reunir colegas e expor suas preocupações. O médico e bioquímico avaliou que a recomposição do sistema de produção na instituição precisaria de um investimento inicial de R$ 300 a 400 milhões. Raw criticou, ainda, na reportagem da RBA, a gestão atual da Fundação e do Instituto Butantan, e os governos federal e estadual. 

A crise administrativa no Butantan se arrasta desde 2009, quando o Ministério Público apontou o desvio de cerca de R$ 35 milhões da instituição. Raw questiona o número excessivo de contratações e a falta de transparência de gastos na Fundação e Instituto.

Do portal Rede Brasil Atual

Ao deixar Butantan, ex-diretor critica gestão e paralisação na produção de vacinas e soros

Segundo o pesquisador Isaías Raw, a instituição, em grave crise financeira, precisa de R$ 500 milhões para voltar a produzir; faltam recursos até para verbas rescisórias

por Cida de Oliveira, da RBA

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Em 2009, um rombo de quase R$ 100 mil; em 2010, o incêndio. Só em 2013 Alckmin entregou espaço para abrigar o que sobrou da coleção

São Paulo – Depois de 30 anos dedicados à pesquisa no Instituto Butantan e à gestão da Fundação Butantan, entidade privada criada para administrar a produção e as finanças da instituição vinculada à Secretaria Estadual de Saúde, o médico e bioquímico Isaías Raw comunicou esta semana que agora é para valer: está mesmo deixando a instituição.

“Eu não tenho mais força. Já tentei mesmo não tendo autorização. Na realidade, nem eu nem minha família aguentamos mais o clima estabelecido aqui. Sou um boneco de ventríloquo que, quando não serve mais, se guarda no armário. Já dei o que tinha de dar. Reuni muita gente de bem comigo aqui nesses 30 anos”, disse Raw a auditório lotado de trabalhadores dos setores administrativos, de pesquisa e de produção, que se reuniram a pedido dele próprio na manhã da última terça-feira.

Controverso, o pesquisador paulistano de 88 anos, que antes de vir para o Butantan em 1985 foi professor da USP e trabalhou em institutos de pesquisa nos Estados Unidos e Israel, manteve seu costumeiro tom ácido. Falou sobre seu trabalho à frente da instituição, onde criou um centro de biotecnologia, falou da grave crise financeira e não poupou críticas à atual direção da Fundação, que estaria fazendo mau uso das verbas que administra.

“Saímos de um buraco negro, chegamos no auge e voltamos a um buraco mais profundo, muito difícil. Não há nem como demitir os funcionários de áreas que não estão funcionando. A gente não tem dinheiro nem para demitir. É doloroso”, lamentou, referindo-se à atual situação da instituição, sobre a qual a direção evita falar.

O site oficial do Butantan dá a entender que há ali um amplo portfólio de itens em produção. E o próprio governador Geraldo Alckmin já chegou a afirmar diversas vezes, durante o auge do surto da dengue, que o Instituto já tem 50 mil doses da vacina – na verdade, ainda em fase de testes. No entanto, segundo Raw, não é bem assim. “Está sendo fabricada apenas a vacina da gripe. Eventualmente voltarão a ser feitos soros e não há ainda instalações para a produção da vacina da dengue em grande escala”, disse.

Recompor o sistema de produção, que segundo ele foi desmontado para reformas exigidas pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), exigiria um investimento inicial de R$ 300 a 400 milhões. “A questão é de confiança. A máquina tem de produzir de novo”.

A solução da crise que, conforme acredita, não é responsabilidade somente da administração do Butantan, não é simples. “Ninguém vai dar esse dinheiro. O estado não tem, o governo federal não quer porque tem a Fiocruz. E não temos nenhuma propriedade que pertença à Fundação que pudesse  ser usada como garantia para empréstimo. E nem sei se alguém vai dar um empréstimo na conjuntura atual”, disse.

Os problemas administrativos na Fundação – que atingem em cheio o Instituto por ela administrado – começaram a aparecer no final de 2009, quando o Ministério Público encontrou desvios de recursos de pelo menos R$ 35 milhões – valor que pode ter passado de R$ 100 milhões.

 

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  • De saída: Isaias Raw dirigiu a Fundação e o Instituto Butantan. Foto: Tatiana Villa/Governo do Estado de São Paulo

O ex-diretor não perdeu a chance de alfinetar a atual gestão quanto ao inchaço do quadro de funcionários – 1.500, segundo ele – apesar da baixíssima produção.“Se você descontar 1.500 funcionários, pagos, ganhando besteiras do serviço de recursos humanos, loção de barba e outras bobagens maiores, perua, comida, nem sobra (dinheiro) pra fazer (vacinas e soros). Já produzimos com 300 funcionários; claro que não precisa ser 500 hoje. Mas não precisa ser 1.500”, critica.

Questionado sobre a falta de transparência e gastos na Fundação, ele não descarta novos desvios. O dinheiro estaria indo pra lata de lixo? “Acho que não está sendo roubado; acho. Talvez até esteja sendo roubado, mas o desvio já houve em 2009. (Hoje) tem bobagem. Não tem nenhuma empresa que aluga mil impressoras. Você põe uma impressora por andar. Alguém ganhou nisso aí.. Mas eu posso provar? Não posso provar”.

Para o ex-diretor, porém, a Fundação não é a única responsável pela grave situação, de difícil solução. “O governo federal que não quer a concorrência do Butantan para Farmanguinhos (ligado à Fiocruz), há manobras comerciais da indústria multinacional e o governo do estado tem seus problemas públicos. A questão não é descobrir quem errou, mas como sair do buraco.”

Atualmente, o Instituto é dirigido pelo médico Jorge Kalil, que acumula a presidência da Fundação Butantan e tem entre os conselheiros da diretoria o economista André Franco Montoro Filho, ex-secretário de Economia e Planejamento nas gestões Mario Covas e Geraldo Alckmin (1995-2002), com papel de destaque no chamado processo de ajuste e disciplina fiscal e no Programa de Desestatização do Estado de São Paulo (PED). Montoro filho também integra o conselho diretor da Fundação.

“O Butantan é diferente. É o único público que sobrou. A Fundação Ezequiel Dias, de Minas Gerais, envasa a vacina que compra. Derreteu-se a ideia de independência e inovação. As multinacionais aprenderam a manter o nome porque quando se muda cria-se um problema. Existe hoje um novo domínio desse cartel, o que para mim é inaceitável. Vou a uma reunião da Organização Mundial da Saúde e se levanta apenas uma pessoa em nome dos cinco maiores laboratórios. É um cartel.”

Aplaudido de pé, Isaias Raw conclamou os trabalhadores a lutar pela instituição. “Salvar o Butantan depende da comunidade, mesmo que contra o diretor, contra o secretário. Já dei o que tinha de dar”.

Justiça rejeita liminar do Butantan contra associação de servidores

A juíza Carmen Cristina Fernandez Teijeiro e Oliveira, da 5ª Vara de Fazenda Pública de São Paulo negou o pedido de liminar do Instituto Butantan, que quer que a Associação dos Servidores do Instituto Butantan (Asib) altere seu endereço no Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica (CNPJ). Desde que foi constituída, em 1978, a Asib tem o mesmo endereço do Instituto, que mais tarde passou a sediar também a Fundação. A decisão foi publicada no último dia 29 de maio.

A magistrada entendeu não haver perigo de dano irreparável e que o endereço do Instituto Butantan, que consta dos estatutos sociais da associação há vários anos, não causa qualquer prejuízo direto e irreparável ao erário. Ela ressaltou ainda que os documentos do processo dão conta de que a Associação funciona no local, e de que detém espaço próprio para tal finalidade. 

A Asib, no entanto, praticamente existe só no papel. Há cinco anos, a Fundação Butantan tomou de volta a casa onde funcionava a sede e a demoliu. Em seu lugar, começou a construir um prédio com recursos do governo federal, onde seriam abrigados laboratórios. A obra não chegou a ser concluída e o mato começa a tomar conta do esqueleto do prédio.

Sem espaço, o jeito foi espalhar documentos, móveis, computadores e algumas mesas de bilhar, que acabaram se perdendo. A Asib, que há 15 anos realizava atividades culturais e sociais, como as famosas festas juninas, que atraíam muita gente do bairro, reúne hoje cerca 350 associados – o número foi diminuindo com a saída de servidores, que foram se aposentando.

“Esta é a segunda derrota da direção na Justiça para os trabalhadores em pouco tempo”, comemora o presidente da entidade, Nivaldo Silvério da Silva, trabalhador do Museu Biológico. No começo de maio, a Justiça do Trabalho vetou demissões de trabalhadores até que seja julgado o mérito da greve deflagrada contra a mudança de sindicato imposta pela direção. “A Fundação quer enfraquecer os trabalhadores, mas acreditamos que vamos retomar nossa sede e voltar a atuar em benefício dos servidores e do Butantan”.  

Procurada pela reportagem, a direção da Fundação e do Instituto Butantan não se manifestou sobre a decisão da Justiça e nem sobre as declarações de Isaias Raw.

Redação

9 Comentários

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  1. Este Isaías Raw é tucano até a medula

    Depois de descobrirem um rombo de mais de 30 milhões da instituição, recursos de uma fabrica de vacinas e estar sobre investigação, sai dando tiros?

    1. ” o Estado não tem e o governo federal não quer…”

       mostra claramente que pode ser bem por aí mesmo, tucano de carteirinha

      dos que esculhambaram tudo, como na época do FHC, e depois criaram associações de incentivo não governamentais

  2. A ponta do Iceberg

    Pergunte como vão os outros institutos de pesquisa pertencentes ao Governo do Estado de São Paulo.

    A resposta é: penúria!

    1. Institutos de Pesquisa Públicos Paulistas

      Há duas décadas, que os institutos de pesquisas vinculados ao Governo do Estado de São Paulo ingressaram num processo de aniquilamento. A precarização orçamentária agravada nos últimos governos tucanos, contendo gastos com salários, custeio e investimento, a ausência de políticas públicas responsáveis nas áreas de agricultura, meio ambiente e saúde e a sequência de alienações patrimoniais demonstram a opção neo-liberal à revelia do interesse  público. Perde-se patrimônio humano, genético e de infra-estrutura. Comete-se um crime de lesa-pátria e de responsabilidade constitucional. Até quando? O Sr. Isaias Raw às vésperas de sua própria extrema-unção omite sua cumplicidade com o que está ocorrendo do emblemático INSTITUTO BUTANTAN. O Ministério Público inexiste para esta questão. Por quê?

  3. Matemática Simples

    Se não há produção local, compra-se de Laboratório Particular Local ou Importado.

    Como não há produção Local, os funcionários atuais são despesa desnecessária. Se são desnecessários, alguém virá com a idéia de vender a instituição.

    Vende a instituição, passa a produzir Vacinas localmente, passa a vender para o Governo, com a mesma quantidade de pessoas, e……………, agora Produzindo Lucro.

    No caso de São Paulo, todas as instituições estaduais estão sofrendo muito e logo fecharão se os deputados deixarem. Esta é uma característica da gestão aqui no Tucanistão. E o povo adora. Tanto que nem faltando água na torneira deixam de eleger. O Tucanistão se assemelha muito com a Sarneylandia, só que aqui, ao invés da bala, a obediência é ditada polidamente pela Óia, que o povo ( aculturado ) segue cegamente. 

    Paulista bom é o que paga por Tudo ( imposto caro, pedágio caro, estacionamento, remédio caro, lazer caro, água cara…. ), Paulista pobre é o que se utiliza de serviços fornecidos pelo Estado, que usa ônibus e metro. 

    E viva os 18% de ICMS , para não dizer o ICMS nos combustíveis, água e luz.

     

  4. Sabem de nada

    Sabem de nada….. é só qualquer pessoa entrar na fundação e perguntar sobre o prédio do hemoderivados, predio que gastaram mais de 80MM sem uso, elefante branco.

    Casas para reforma que custaram 9MM, empresa de engenharia que cobrou 8 meses sem prestar serviço, entre outras.

    Há um Adm que responde processo até hoje e ninguem fala nada.

    detelhe que um relatório foi entregue ao MP mas não fizeram nada, mesmo sabendo que o rombo seria de 2Bi.

    Ainda querem fazer a vacina da dengue, peçam para ver o extrato dos convenios, não há mais dinheiro, para onde foi?

    Os profissionais que tinham vontade de mudar sairam por pressão ou se não …..

    vergonha deste governo.

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