Ion de Andrade
Médico epidemiologista e professor universitário
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Isolamento reduz contágio e proteção ao idoso reduz internamentos e mortes

Proteção ao idoso e ao crônico deve ser feita no contexto do isolamento social, avisa Ion de Andrade

Complementares, o Isolamento Social reduz o Contágio e a Proteção ao Idoso reduz os Internamentos e as Mortes

por Ion de Andrade

A MANIPULAÇÃO POLÍTICA para a suspensão do ISOLAMENTO SOCIAL não deve nos impedir de enxergar a importância da PROTEÇÃO AOS IDOSOS E CRÔNICOS no contexto do ISOLAMENTO SOCIAL.

Fundamentados nas ciências, nas evidências e na civilidade não podemos recuar da proteção ao idoso e ao crônico, que deve ser feita no contexto do Isolamento Social, pelo fato de que as forças obscurantistas elegeram esse argumento para enfraquecer a necessidade do Isolamento Social e do Lockdown.

 

O Isolamento Social como ferramenta para conter o contágio

As curvas apresentadas abaixo, não deixam dúvidas quanto a isso:

O gráfico acima mostra, claramente que, sem o Isolamento Social, a epidemia explodiria produzindo o colapso dos serviços de saúde representados pela linha pontilhada horizontal. Trata-se portanto de uma ferramenta essencial para conter o CONTÁGIO.

Isso explica porque as crianças e jovens devem deixar de ir à escola, mesmo que quem se interne e faleça sejam os idosos e os crônicos. Se multiplicarmos o número de jovens transmitindo a doença ela chegará à totalidade dos idosos levando os serviços de saúde ao colapso e a uma mortandade geral.

Portanto, aqueles casos em que o idoso foi contaminado pelo neto em casa quando esse teve suas aulas suspensas pelo Isolamento Social seriam, obviamente muito mais numerosos sem ele pois esses jovens doentes seriam muito mais numerosos e transmitiriam a mais pessoas.

 

A proteção ao idoso e ao doente crônico como ferramenta para reduzir internamentos e óbitos

Ontem o Jornal Folha de São Paulo publicou a primeira consolidação dos óbitos por coronavírus no Brasil pondo em evidência detalhes que tocam não ao contágio, mas a  DESFECHOS de importância maior: os ÓBITOS

Esses são os resultados:

Observa-se nesse gráfico que os primeiros números de mortalidade no Brasil replicam os da China, da Itália e dos Estados Unidos e, aqui também estabelecem um risco incomparavelmente maior de gravidade e óbitos para as faixas etárias mais velhas.

Relembramos que os idosos representam 13% da população brasileira e 76 casos de 85, ou 89,4% dos óbitos. Isso significa que cada percentual de idosos protegidos da doença no contexto dos seus domicílios e sob Isolamento Social, representarão 6,87% a menos no plano da mortalidade porque só alcançamos 89,4% multiplicando 13% por 6,87.

Cada idoso protegido, portanto, contribui para reduzir o evento mais dramático dessa epidemia, que são os óbitos. As estatísticas consolidadas pela Folha, com base em dados do Ministério da Saúde, não trazem ainda dados sobre outro elemento muito importante da proteção aos idosos e crônicos, que são as taxas de ocupação de leitos de enfermaria e de UTI de acordo com a faixa etária. Porém elas também implicam em maior número os idosos, embora muitos jovens também tenham que ser internados. Segundo números dos Estados Unidos, há 38% dos internamentos por coronavírus entre jovens, o que significa também que 68% dos internamentos ocorrem em faixas etárias acima de 60 anos.

Se os números dos Estados Unidos valerem para o Brasil, isso significará que para cada ponto percentual de idosos protegidos, colheremos 5,2% de internamentos a menos.

A segunda distribuição trazida pela Folha de São Paulo é a seguinte:

Vemos no gráfico a predominância da mortalidade em pacientes portadores de outras doenças préexistentes à infecção pela COVID-19.

Vale salientar que essas ditas comorbidades sobre oneram o idoso, pois cerca de 85% deles são portadores de doenças crônicas. Vale inclusive observar que essas comorbidades não ampliaram significativamente a mortalidade para a outros grupos de idade, que também incluem doentes crônicos, pois cerca de 50% desses doentes crônicos não são idosos.

Portanto, também para o doente crônico, o fator de maior risco para o falecimento é a idade avançada. O perfil epidemiológico dos óbitos aponta, portanto, para um predomínio de idosos crônicos sobre um segundo grupo minoritário de crônicos não idosos o que posiciona O IDOSO COM COMORBIDADES COMO PRIORIDADE ABSOLUTA para o enfrentamento da epidemia não sob a ótica do contágio, cujo papel de conter são as medidas de Isolamento Social, mas sob a ótica dos seus piores desfechos, os internamentos explosivos e os óbitos.

 

O que precisa então ser feito?

No respeito ao cumprimento do Isolamento Social ou do Lockdown, ferramentas que controlam o contágio, é crucial proteger o idoso do contágio no contexto de suas famílias.

Há uma discussão bizantina que cega muita gente em relação à viabilidade disso. Os argumentos que vêm são aparentemente fundamentados, mas não são. Por exemplo se diz, de forma generalizada, que os pobres não vão poder proteger o seu idoso, ou que somente os mais privilegiados vão poder fazer.

Eu entrei na Saúde Pública a partir da pediatria nas lutas de trinta anos atrás contra a Mortalidade Infantil. Naquela época as medidas educativas que incluíam uso da água sanitária para tratar a água, amamentar, vacinar, lavar as mãos após a troca das fraldas, foram muito importantes e passaram a ser seguidas por milhões de pessoas num país muito mais miserável do que é agora.

O fato concreto é que, em função do envelhecimento populacional e da redução da natalidade, a família média no Brasil é formada por três a quatro pessoas, mesmo no meio popular.  

As casas mesmo pobres têm com frequência mais cômodos do que membros na família, o que viabilizará, em muitas delas, a possibilidade de que esse cômodo possa ficar reservado ao idoso e que ali ele possa passar esse período de verdadeira reclusão, a maior parte do seu tempo. Isso é importante para que o idoso possa estar protegido do contágio dos demais familiares que terão que sair para fazer compras, trabalhar ou resolver problemas e estarão expostos a contrair a doença fora de casa e levá-la para o idoso. Na Estratégia Saúde da Família, quando fazemos a classificação de risco e vulnerabilidade prevista na conhecida Escala de Coelho, quando encontramos residências com mais gente do que cômodos, essa condição é assinalada como de excepcional vulnerabilidade e não a regra geral. Isso não significa que proteger o idoso em meio à pobreza seja fácil, mas significa que muitos conseguirão se forem orientados.

Além disso hoje, mesmo os mais privilegiados, se tornaram, rente ao coronavírus, pacientes SUS, eles irão inicialmente,se adoecerem, possivelmente para hospitais privados, mas no auge da epidemia rezarão para conseguir um leito público. Essa peculiaridade faz com que a proteção ao idoso, independentemente da sua origem social, interesse a todos pela redução da sobrecarga dos serviços e pela redução dos óbitos.

E que medidas são essas? Essas medidas que espontaneamente muitos já estão seguindo no contexto das suas casas para proteger os seus idosos e crônicos poderiam ser, sem prejuízo de outras, as seguintes:

a.    Que os idosos saibam, mesmo os mais autônomos, que devem ter uma vida social mínima e que só devem sair de casa em situações de extrema necessidade;

b.    Que as famílias se esforcem para que o idoso possa usufruir de algum grau de isolamento em casa;

c.    Que as medidas higiênicas recomendadas no contexto da COVID-19 sejam seguidas pelos idosos com a colaboração decisiva dos seus grupos familiares, vizinhos e amigos;

d.    Que as visitas aos idosos se limitem à necessidade, respeitando as normas da etiqueta respiratória da saudação à distância, vedada a visita de familiares sintomáticos e de crianças pois, infelizmente os netos não adoecem, mas transmitem o coronavírus;

e.    Que o Poder Público e a mídia divulguem a imensa relevância da proteção dos idosos e portadores de doenças crônicas para a sociedade como um todo e não somente para eles próprios

f.     Que as famílias mais pobres sejam ajudadas a proteger os seus idosos pelo Poder Público e pela Sociedade Civil Organizada em cada bairro. Onde há Estratégia Saúde da Família, os Projetos Terapêuticos Singulares podem ser utilizados como ferramenta de abordagem de situações familiares mais difíceis;

g.    Que esse conjunto de propostas seja rigorosamente cumprido;

h.    Que, sem prejuízo salarial, os empregados com mais de 60 anos sejam autorizados a ir para casa por tempo indeterminado e cumpram as recomendações recomendadas.

Como mostra teimosamente a epidemiologia, quantos mais idosos estiverem protegidos menor será o nosso perfil de internamentos e de óbitos. E quanto melhor funcionar o Isolamento Social, menor o contágio.

Mãos à obra isso precisa ser entendido por todos.

Ion de Andrade

Médico epidemiologista e professor universitário

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