Movimento Antimanicomial denuncia ‘indústria da loucura’ no Governo Bolsonaro

Encontro aponta aumento dos retrocessos na área de saúde mental nos últimos três anos

Mário Moro, do segmento de usuário, fala na abertura do XI Encontro Nacional do Movimento da Luta Antimanicomial / Sheila de Oliveira

do Brasil de Fato

Movimento Antimanicomial denuncia ‘indústria da loucura’ no Governo Bolsonaro

Sheila de Oliveira

São Paulo

“A nossa luta é para mobilizar contra um procedimento que quer lucrar em cima da loucura.” A frase de Mário Alexandre Moro, representante do segmento de usuários do Movimento Nacional de Luta Antimanicomial (MNLA), resume os debates dos dois encontros de luta antimanicomial que acontecem entre os dias 15 e 17 de novembro em São Paulo.

Participante do XI Encontro Nacional do Movimento da Luta Antimanicomial (Enala) e do XII Encontro Nacional de Usuários e Familiares da Luta Antimanicomial (Enufa), Moro afirma que a política nacional para o setor está voltada para manter a pessoa mais tempo no hospital psiquiátrico, como se a internação fosse o único tratamento viável, o XI Encontro Nacional do Movimento da Luta Antimanicomial (Enala) e do XII Encontro Nacional de Usuários e Familiares da Luta Antimanicomial (Enufa). “Se fosse assim, não estaríamos aqui hoje nesse encontro. Aqueles que são considerados como loucos, se não tivessem tido um tratamento humanizado, com projetos de inclusão e inserção social, essas pessoas não estariam aqui”, reforça.

A chamada indústria da loucura também foi denunciada pelo trabalhador de saúde mental e militante do MNLA Ed Carlos Correia de Farias. Segundo ele, o complexo religioso, neopentecostal, psiquiátrico e voltado para a medicação está muito bem representado no governo de Jair Bolsonaro (PSL). “Querem enfraquecer os Centros de Atenção Psicossocial (Caps), transformando-os em lugares de encaminhamento para hospitais psiquiátricos e comunidades terapêuticas”, aponta.

O psicólogo ressalta que os Caps são serviços comunitários de reabilitação que fortalecem as pessoas e as famílias para que lutem por seus direitos e estejam em sociedade. Já a política nacional de saúde mental atual incentiva que os Centros sejam apenas um serviço de estabilização de crise aguda, pois o tratamento será feito nos hospitais e comunidades terapêuticas que são instituições privadas, cobram valores altos e recebem financiamentos públicos.

Na mesma linha, a pesquisadora colaboradora da Fiocruz e professora Melissa de Oliveira Pereira destaca que os retrocessos na área de saúde mental se acentuaram muito nos últimos três anos. No entanto, salienta que a reforma psiquiátrica nunca foi um consenso.

No resgate histórico, ela conta que a Lei Federal 10.216 de 2001, que trata da proteção e dos direitos das pessoas portadoras de transtornos mentais, e a Portaria 336 de 2002, que dispõe sobre a ampliação dos Caps, foram avanços que sempre sofreram ataques. Além disso, em 2011, as comunidades terapêuticas passaram a fazer parte da rede de atenção psicossocial, contrariando os debates feitos pelo MNLA.

“Vários relatórios e dossiês mostram os maus tratos de pessoas dentro das comunidades terapêuticas e a baixa resolutividade no tratamento que se baseia no asilamento”, explica Melissa.

Em fevereiro de 2019, o Ministério da Saúde publicou a Nota Técnica Nº 11/2019, que dispõe sobre mudanças na Política Nacional de Saúde Mental e na Política Nacional sobre Drogas. Para Melissa, a nota contradiz a Lei 10.216, pois determina a ampliação de leitos em hospitais psiquiátricos e comunidades terapêuticas, dentro da Rede de Atenção Psicossocial (RAPs), incentivando assim o retorno à lógica manicomial. O Ministério da Saúde também passou a financiar a compra de aparelhos de eletroconvulsoterapia (eletrochoque).

“O que se vê agora é uma mudança de toda a lógica da atenção psicossocial. Antes o direcionamento era para o fechamento de hospitais psiquiátricos e a abertura de serviços territoriais. Agora se investe financeiramente e tecnicamente em hospitais e comunidades e se interrompe o processo de abertura de Caps”, avalia.

Saúde mental, raça e gênero

Além do debate sobre as políticas públicas da área de saúde mental que sempre predominaram nos encontros do MNLA, nesta edição a programação incluiu discussões sobre as lutas antirracista, feminista e LGBTQI+.

A assistente social Elaine Dias Vasconcelos conta que há algum tempo o movimento começou a refletir sobre a importância de se falar também sobre as causas dos transtornos mentais. “Racismo causa sofrimento, machismo causa sofrimento e homofobia causa sofrimento”, pontua.

Mas, apesar de pesquisas do Ministério da Saúde mostrarem, por exemplo, que mulheres negras recebem menos anestesias e tem menor tempo de atendimento no sistema de saúde, Elaine encontra dificuldades de sensibilizar outros profissionais sobre a necessidade de se fazer o recorte de raça, gênero e classe durante os atendimentos. “Eu atendo um rapaz negro que há 10 anos está no Caps e que aos 14 anos entrou em crise psicótica após sofrer racismo na escola particular onde estudava. Ele era o único menino negro da turma. Porém, no atendimento, a questão racial sempre foi minimizada e ele sempre foi tratado como esquizofrênico crônico”, detalha.

A pesquisadora Melissa Oliveira faz coro e diz que as mudanças na política de saúde mental realizadas no governo Bolsonaro tendem a atualizar as opressões e silenciamentos. “Historicamente são as mulheres negras e pobres as mais medicadas em saúde mental. Estudos mostram que são elas que têm seus clitóris e úteros retirados na tentativa de cura do transtorno. São essas mulheres que recebem eletrochoques sob a justificativa de um corpo que tende mais à loucura do que o do homem”, finaliza.

Luta Antimanicomial

O XI Encontro Nacional do Movimento da Luta Antimanicomial (Enala) e o XII Encontro Nacional de Usuários e Familiares da Luta Antimanicomial (Enufa) reúnem mais de 300 pessoas entre usuários, familiares, estudantes, profissionais e militantes de todo os país.

Para Ed Carlos, esse é um grande momento de rearticulação do MNLA, que está mais parecido com o que era em 1987, ano de criação do movimento. “Interessante como temos retornado a essa radicalidade com uma cara mesmo de movimento social e popular, menos institucional”, observa. Ele lembra que esse é o primeiro evento após o golpe de 2016 e após a grande ocupação do Ministério da Saúde, no mesmo ano, que durou 120 dias e resultou na exoneração do coordenador de Saúde Mental, Álcool e Drogas, Valencius Wurch, conhecido por representar o setor manicomial.

Edição: Cris Rodrigues

Redação

2 Comentários

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  1. Tudo o que de bom foi conquistado neste país esta sendo destruído para que em seu lugar entre a estrutura miliciana-fundamentalisma da necropolitica e do punitivismo do qual os velhos pinel com suas máquinas de tortura e eletrochoque serão o retorno de uma triste realidade

    1. Pelo apoio que eles ainda têm, podemos dizer que estamos bem perto do sadismo de massas, quando não há como se proteger de todos os defeitos humanos (vide governo Bolsonaro e seus escolhidos)

      não tratar estas pessoas adequadamente, como a qualquer outro doente, é mesmo que deixá-las passar pela vida sem se conhecerem como gente

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