O futuro da atenção ao câncer pelo olhar dos médicos: novas tecnologias, acesso e barreiras, na pesquisa do CEE-Fiocruz

Em relação ao acesso a diagnóstico e tratamento, as avaliações mais otimistas quanto às possibilidades da incorporação das novas tecnologias apontam para o setor de Saúde Suplementar.

Qual o futuro da medicina de precisão e das tecnologias de diagnóstico e tratamento do câncer? Como os médicos oncologistas veem o acesso da população brasileira aos recursos hoje disponíveis para lidar com a doença? E qual seria a expectativa desses profissionais sobre as possibilidades de incorporação de novas tecnologias nos próximos trinta anos? Respostas a essas perguntas foram colhidas na pesquisa Futuro das tecnologias de diagnóstico e tratamento do câncer 2019-2049, realizada pelo Centro de Estudos Estratégicos da Fiocruz (CEE-Fiocruz), sob a coordenação do ex-diretor do Instituto Nacional do Câncer, Luiz Antonio Santini, e do ex-ministro da Saúde e membro titular da Academia Nacional de Medicina José Gomes Temporão, pesquisadores associados do Centro.

Inserida em uma linha de investigação do CEE sobre o futuro do sistema de saúde, voltada à elaboração de políticas públicas sustentáveis, a pesquisa buscou saber como os profissionais que estão na ponta, atendendo pacientes no SUS e no setor privado, veem as tecnologias do futuro voltadas ao câncer e que barreiras de acesso a diagnóstico e tratamento identificam.

Dois pontos importantes podem ser destacados a partir do estudo: uma única droga, uma bala de prata, que resolva o tratamento do câncer de forma definitiva está distante das expectativas dos profissionais; e, se sofisticadas tecnologias de diagnóstico e tratamento estão de fato no horizonte, o acesso a elas de forma equânime ainda é um desafio. “As possibilidades terapêuticas são consideradas promissoras, porém ainda num cenário de incertezas quanto a níveis específicos, sobretudo de custo efetividade”, analisa Santini.

A pesquisa analisou a percepção dos médicos acerca de nove tecnologias emergentes, identificadas em estudo anterior, também do CEE-Fiocruz, como tendo grandes perspectivasde aplicação na atenção ao câncer no futuro: edição genômica, biópsia líquida, terapia celular, vacinas terapêuticas, vírus oncológicos, imagem molecular, terapias comanticorpos, terapias com RNA e tumor delivery.

Principais resultados

Os resultados sugerem a possibilidade de uma revolução na atenção ao câncer antes de 2049, na percepção dos oncologistas. Aqueles que acreditam que isso seja provável ou muito provável representaram 64,95% respondentes.

Quase 40% das respostas indicaram, no entanto, ser improvável o desenvolvimento de tratamento monoterapêuco – 20% dos especialistas indicaram acreditar nessa probabilidade no período. As terapias com anticorpos foram consideradas as mais promissoras por 76,85% dos médicos. A melhoria na qualidade de vida do paciente e menos efeitos colaterais, bem como a possibilidade de melhoria nos prognósticos, foram fatores determinantes para essa percepção. No entanto, quando levado em conta o fator (in)viabilidadeda produção em escala industrial, essas mesmas terapias foram consideradas por um em cada cinco profissionais como a tecnologia mais problemática.

Os resultados mostram, ainda, que mais da metade dos médicos entrevistados faz um bom acompanhamento das inovações tecnológicas (58% informaram acompanhar regularmente e 34%, de forma moderada).

Chama a atenção o fato de quase 41% dos profissionais médicos atuarem tanto no setor público quanto no privado, o que pode significar um aumento da participação do setor privado nos serviços oncológicos.

Em relação ao acesso a diagnóstico e tratamento, as avaliações mais otimistas quanto às possibilidades da incorporação das novas tecnologias apontam para o setor de Saúde Suplementar. Quanto ao SUS, são mencionadas ainda dificuldades quanto à agilidade de incorporação de novas drogas/tecnologias e acesso aos serviços. Entre as principais barreiras de acesso no setor público, destacou-se a baixa capacidade de atenção básica em diagnosticar precocemente a doença, e, no setor privado, a baixa cobertura dos planos de saúde.

“Foi identificada a importância da expansão do conhecimento em biologia tumoral e biomarcadores, assim como do desenvolvimento de novas terapias como grandes desafios para se alcançar a equidade, sustentabilidade e a viabilidade econômica da atenção ao câncer”, acrescenta Santini.

Acesse os infográficos com os resultados da pesquisa

Metodologia

A pesquisa foi conduzida na forma de um websurvey, por meio de questionário contendo 21 questões. Um link para acessar esse instrumento foi enviado aosmédicos associados a dez sociedades oncológicas do país, das áreas da clínica, da cirurgia e da radioterapia, dos setores público e privado, obtendo-se 821 respostas.

O questionário constou de três blocos: 1) perfil dos especialistas médicos, 2) acesso ao diagnóstico e tratamento do câncer e 3) percepção sobre novas tecnologias. Também foi incluído um bloco para comentários e observações dos respondentes.

Desdobramentos

A pesquisa partiu de um estudo realizado em 2017, também pelo CEE-Fiocruz, e desdobrou-se em uma terceira investigação.O estudo de 2017, de abrangência mundial, foi realizado com mais de mil pesquisadores da área da Oncologia, identificando-se as nove tecnologias emergentes no diagnóstico e tratamento do câncer nos próximos trinta anos, que serviram de ponto de partida para a pesquisa com os médicos.

Como desdobramento, em 2020, uma nova pesquisa buscou aferir o olhar da sociedade em geral sobre essas tecnologias, por meio de questionário aplicado aos inscritos no congresso anual Todos Juntos contra o Câncer (TJCC), que se realizará de 21 a 25 de setembro, de forma virtual, e no qual esses resultados serão apresentados.

Os resultados encontrados entre os estudos com pesquisadores e médicos foram similares. É possível perceber, por exemplo, tanto entre os médicos brasileiros quanto entre os especialistas internacionais, grande expectativa de que a atenção oncológica passe por uma revolução tecnológica, mesmo antes de transcorridos os próximos trinta anos, bem como o entendimento de que não se contará com um tratamento monoterapêutico na atenção ao câncer, esta última percepção ainda mais acentuada entre os especialistas (60%).“ Entretanto, o cenário e a evolução  dos novos tratamentos na área da oncologia será moldado por uma perspectiva molecular”, observa Temporão.

Em relação aos resultados encontrados no estudo com a sociedade em geral (participantes do TJCC), cabe destacar a relevância atribuída pelos respondentes ao que se chama de tecnologias leves, isto é, humanização do cuidado pré e pós-tratamento, atenção paliativa, melhoria da políticas sociais e previdenciárias e práticas integrativas complementares. “Observa-se claramente nas respostas, a importância que as tecnologias leves têm para a sociedade. Os pacientes querem ser ouvidos”, diz Santini.

Covid-19
No estudo sobre a percepção do público em geral acerca do diagnóstico e tratamento do câncer, foi indagado aos respondentes as principais dificuldades de acesso a esses recursos e serviços, após a pandemia de Covid-19, no SUS e na saúde suplementar, respectivamente. Eles apontaram aspectos como medo de contaminação em hospitais e outros serviços de saúde (51% e 47%), oferta menor e interrupção de detecção precoce (50%, 27%), contingenciamento de recursos maior (49%, 21%), orientação das autoridades para manter o isolamento social (38%, 30%), intercorrência na oferta dos serviços de diagnóstico (39%, 27%) e intercorrência na oferta dos serviços de tratamento (35%, 24%).

O câncer nos dias de hoje

O câncer é a segunda principal causa de morte no mundo de acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS) e, em 2018, foi responsável por 9,6 milhões de mortes, sendo que 70% dos óbitos ocorreram em países de média e baixa renda. No Brasil, já é a principal causa de morte em mais de 600 cidades, e estima-se um aumento para as próximas décadas.

A complexidade biológica e a heterogeneidade da doença (ou grupo de doenças) dificultam a apreensão, o controle e a cura. No entanto, a expansão do conhecimento científico e o avanço das novas tecnologias prometem transformar o panorama da atenção ao câncer, ainda que a profunda desigualdade no país, quanto a distribuição e acesso aos serviços e aos recursos tecnológicos de diagnóstico e tratamento oncológico, imponha grandes desafios.

A medicina de precisão permite identificar novas drogas, com potencial de atingir alvos específicos. O processo,no entanto, é não só longo,  complexo e custoso, como também permeado pela desigualdade. Entre 2011 e 2015, setenta novas drogas foram introduzidas visando ao tratamento de vinte diferentes tipos de câncer. Entretanto, Estados Unidos, Japão e a Comunidade Européia consomem 95% dos fármacos oncológicos, sendo os outros 5% consumidos por todo o resto do mundo, onde se encontram 61% dos casos da doença.

Redação

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