Reinach, o cientista torcedor e a guerra pelo mercado das vacinas, por Luis Nassif

"No Brasil um dos centros fica em São Paulo e é coordenado por Cristiano Zerbini, o outro por meu amigo Edson Moreira, um infectologista e epidemiologista baiano arretado que foi meu contemporâneo na Universidade de Cornell."

Não sou especialista em vacinas, obviamente. Mas algumas coisas me incomodam nos artigos de Fernando Reinach no Estadão.

No dia 11 de julho era previu imunidade de rebanho em São Paulo.

“Nas grandes cidades europeias, o número de novos casos de covid-19 subiu, atingiu o pico e diminuiu. Nessas cidades, a queda abrupta de novos casos foi resultado de medidas drásticas de isolamento social e lockdown. Em Manaus, o número de casos subiu rapidamente, não foram adotadas medidas drásticas de isolamento social, os mortos foram enterrados em valas comuns no pico, e logo em seguida o número de casos diminuiu. Qual a causa dessa rápida queda do número de infectados em Manaus? Teria a cidade atingido a imunidade de rebanho? Um modelo matemático demonstra que isso pode ter ocorrido, e talvez esteja ocorrendo em cidades como São Paulo. Se for verdade, é uma ótima notícia”.

Depois, em outros artigos, uma má vontade sistemática com o Instituto Butantã e a Fiocruz e um deslumbramento incondicional em relação à Pfizer/Biontech contra todas as demais concorrentes no mercado nacional, em um comportamento mais próximo de um torcedor do que de um cientista. Pelo que escreve, das quatro alternativas de vacinas no Brasil, apenas a da Pfizer/Biontech vale.

Por isso, resolvi expor seu penúltimo artigo a um especialista do setor, para que o analisasse.

Deu nisso:

Reinach – Este é o trabalho científico mais importante de 2020. A Pfizer/BioNTech publicou os resultados completos dos estudos de Fase 3 de sua vacina. Lendo o trabalho é fácil entender por que a vacina foi rapidamente aprovada na Inglaterra e nos EUA. O trabalho relata um ensaio clínico cuidadoso com resultados inquestionáveis. A eficácia de 95% e a segurança da vacina foram comprovados. É um desses trabalhos científicos que serão usados nas escolas de medicina para ensinar como um ensaio de Fase 3 pode ser executado rapidamente com perfeição.

Observação – Parágrafo 1 é delirante. Típico de quem não é da área. A Pfizer como toda empresa tem a faca e queijo na mão para fazer um ensaio. Bons mesmos foram os pesquisadores do Recovery que fizeram um trial nos hospitais em plena pandemia testando cloroquina, corticóide…..tudo ao mesmo tempo.

Reinach – Isso contrasta com os resultados publicados pela AstraZeneca/Oxford que demonstram como é difícil executar um desses estudos. São relatados erros de dosagem, tempo entre doses e diferenças de protocolos nos diferentes locais. Apesar disso o estudo demonstrou que a vacina é segura e tem 62% de eficácia. A AstraZeneca está analisando se deve repetir parte do estudo a possibilidade de combinar seu componente ativo com o da vacina russa na esperança de melhorar os resultados. Tudo indica que a vacina, que foi a aposta da Fiocruz e do governo Bolsonaro, provavelmente terá dificuldade para ser aprovada no futuro próximo.

Observação – A Astra Zeneca fez lambança. Poderia ter ficando no beabá, mas resolveu inventar e, se deu mal.

Reinach – Mas isso não é o pior que pode acontecer. A Sanofi/GSK anunciou que a vacina que estava desenvolvendo produziu resposta imunológica em adultos de 18 a 49 anos, mas o resultado foi insuficiente entre aqueles com mais de 50 anos. O programa agora vai para uma fase 2B de testes, para tentar resposta em todas as faixas etárias, com previsão de conclusão desses estudos no fim de 2021. Outra vacina, desenvolvida na Universidade de Queensland, na Austrália, também foi abandonada depois que pessoas inoculadas passaram a testar positivo para o HIV sem jamais terem sido infectadas. Fracassos como esses são esperados e outros vão ocorrer nos próximos meses. Esses fatos colocam os holofotes do mundo científico nos resultados da Coronavac desenvolvida pela Sinovac e cujo ensaio de Fase 3 está a cargo do Butantan. O ensaio terminou dia 24 de novembro e os resultados devem ser anunciados até o dia 15 de dezembro. A qualidade do estudo coordenado pelo Butantan, e os resultados obtidos, vão determinar se a Coronavac funciona ou também será abandonada.

Observação – A Sanofi/GSK mostrou que não funcionou. Eu me sinto seguro com reconhece erros. Desconfio de resultados ótimos. Vacinólogos questionam a eficácia de 95% da Pfizer e Moderna ser duradoura porque seria mais ação do adjuvante.

Reinach – Mas vamos às boas notícias. Os ensaios de Fase 3 da Pfizer/BioNTech foram executados entre os dias 27 de julho e 14 de novembro de 2020 em 152 centros de pesquisa localizados nos EUA (130), Argentina (1), Brasil (2), África do Sul (4), Alemanha (6), e Turquia (9). No Brasil um dos centros fica em São Paulo e é coordenado por Cristiano Zerbini, o outro por meu amigo Edson Moreira, um infectologista e epidemiologista baiano arretado que foi meu contemporâneo na Universidade de Cornell. Ambos estão entre os autores principais do trabalho.

O centro de Edson fica na Associação Obras Sociais Irmã Dulce, em Salvador, e faz anos se dedica a executar ensaios clínicos. O Brasil contribuiu com 6% dos voluntários. Coordenados e pagos pela Pfizer esses 152 centros recrutaram 44.820 voluntários em poucas semanas. Desses 43.448 receberam injeções, sendo que 21.720 receberam a vacina e 21.728 receberam placebo (uma solução de água com sal). Dos que receberam injeções 37.706 foram seguidos por 2 meses, uma exigência dos órgãos regulatórios que aprovam as vacinas.

Observação – Maravilha, o baiano arretado! Cristiano e Edson são empresários de ensaios clínicos. Independente de serem bons médicos, não há nenhum mérito científico nisso. Mas, aos amigos, tudo.

Reinach – Como os voluntários foram selecionados para representar todos estratos da população, e foram colocados no grupo placebo ou no grupo dos vacinados por sorteio, os dois grupos são praticamente iguais em sua representação da população. Dos voluntários 58% tem entre 16 e 55 anos e 42% mais de 55 anos. Brancos são a maioria (83%) seguidos de latinos (28%). Lembre que muitos latinos são brancos. Negros (9,5%), asiáticos (4,2%) e até índios foram incluídos. Ou seja, os resultados valem para pessoas de ambos os sexos com mais de 16 anos.

Observação – A questão racial é muito mal explicada no texto e pesquisadores do MIT mostraram que há diferenças significativas da resposta, menor em asiáticos, depois em negro pela sub representatividade.

Reinach – Agora o mais importante: a eficácia da vacina. A vacina, como já divulgado na imprensa, apresenta 95% de eficácia (esse valor está entre 90,3% e 97,6% com 95% de certeza).

(…) A eficácia da vacina é calculada de maneira muito sofisticada, mas você pode fazer uma conta simples, dividindo 162 por 8. O resultado é 20, ou seja, as pessoas que receberam placebo têm aproximadamente 20 vezes mais chance de pegar a doença. A eficácia calculada é de 95%. Mas você sequer precisa fazer a conta, basta ver que a linha vermelha é quase horizontal e a verde sobe constantemente ao longo do tempo, o que indica que a vacina funciona: vacinados não ficam doentes, quem recebe o placebo fica. No trabalho da AstraZeneca/Oxford existe uma figura semelhante, mas lá a curva vermelha sobe, mais lentamente que a verde, mas sobe, indicando uma eficácia de 62%. No dia 15 de dezembro vamos saber a curva da Coronavac.

Observação – A eficácia é no mundo experimental, onde escolhemos a dedo os voluntários para evitar excesso de variáveis. O que vale é o mundo real.

Primeiro, pq a eficácia vacinal medida pela imunidade individual é somente o início. O que vale é a efetividade e a eficiência (custo-efetividade). Vacinas se comparam basicamente por 3 variáveis: cadeia de frio, número de doses e tipo de administração. De trás para frente: para a pólio, a Salk injetável é mais eficaz, mas a Sabin oral é muito mais efetiva.  Dose única ou dupla é fácil entender a diferença. Febre amarela para toda a vida, gripe todo anos.  Cadeia de frio é o calcanhar de Aquiles da Pfizer. O mundo inteiro trabalha com vacinas entre 2 e 8 graus C. A vacina da varicela há 30 anos exigia menos 20 C. (freezer da minha cozinha), mas não colou pq os concorrentes conseguiram outras entre 2 e 8 C.  A temperatura de menos 80 é de difícil manejo, tanto que a própria Pfizer irá entregar em containers que necessitam gelo seco.  Com isso a efetividade da vacina da Pfizer cairá bastante pq terá a concorrência da Moderna. (um paralelo, A Pfizer é o Corinthians e a Moderna seria a Chapecoense). A comparação com AZ, Coronavac (assumindo 70% de eficácia) mostra que a relação custo-efetividade é muito mais favorável à da AZ, depois Coronavac e Pfizer. Outro ponto que para mim é a questão de interesse nacional. Para mim é evidente que Biden irá requisitar toda a produção americana para vacinar a população no primeiro semestre. Em contraste, teremos produção saindo da zona oeste de SP e da zona norte do Rio todas as noites em caminhões para todo o país, com dependência externa muito menor.

Valores estimados em dólares, o do produto é informação da imprensa, o da aplicação e gelo seco é estimativa

eficácia

população

custo unitário

custo produto

gelo seco

aplicação

custo aplicação

global

95%

700.000

25

17.500.000

2

2

2800000

20.300.000

70%

950.000

3,5

3.325.000

0

2

1900000

5.225.000

70%

950.000

10

9.500.000

0

2

1900000

11.400.000

Reinach – Para quem ainda não acredita no poder da ciência é bom lembrar que o time de cientistas da BioNTech começou a desenvolver a vacina no dia 10 de janeiro de 2020, quando os cientistas chineses publicaram a sequência do novo Coronavírus. Em 27 de julho começaram os ensaios de Fase 3, e agora, em 10 de dezembro de 2020, exatos 11 meses depois, já temos uma vacina que comprovadamente funciona, que é segura, já foi aprovada e está sendo usada para vacinar a população. Todo o esforço científico desse ano resultou em muitos novos conhecimentos, mas também em algo extremamente útil, uma vacina capaz de salvar milhões de vidas. Entendeu por que a ciência é importante?

Observação – O último parágrafo é propaganda da Pfizer e desmerece a Moderna. Esses, durante o réveillon já sabiam da epidemia e começaram a se preparar. Coisa que a Biotech fez depois, mas a grana da Pfizer. Ele fala de cientistas, mas a heroína foi outra conforme o relato do Stat+

Luis Nassif

3 Comentários

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  1. Fantasia, Fantasia e mais Fantasia. Saberemos, para o bem da Humanidade, o porque de ‘Gripezinha de Inverno’ ter virado esta espetacularização do horror e do pânico. Cifras Bilionárias já dão um sinal da pista a ser seguida. 95% de Eficácia entre 30 Voluntários? As Manchetes resumem a farsa que foi criada.

  2. PFIZER e MODERNA estão bombardiando o mercado com RELEASES disfarçados de artigos.
    São vacinas caras e que necessitam de uma estrutura de conservação que não temos.
    A vacina China-Butantan é nossa aposta mais realista, mas o governo federal e certa parte da mídia desqualificam.
    Temos uma boa quantidade de alternativas à PFIZER ou MODERNA, desde a Rússia, passando pela Oxford até a vacina cubana.
    A “preferência” pela PFIZER vai acabar gerando desvios milionários.

  3. A grande questão:
    Seria o Senhor Reinach simples torcedor ou torcedor financiado? Nesse mundão de meu Deus o que tem de especialista “”insentão”” não é brincadeira….

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