Ruth e Victor Nussenzweig, uma história de vida contra a malária

Tatiane Correia
Repórter do GGN desde 2019. Graduada em Comunicação Social - Habilitação em Jornalismo pela Universidade Municipal de São Caetano do Sul (USCS), MBA em Derivativos e Informações Econômico-Financeiras pela Fundação Instituto de Administração (FIA). Com passagens pela revista Executivos Financeiros e Agência Dinheiro Vivo.
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Pesquisa de casal brasileiro foi fundamental para descoberta de proteína usada para formular vacina que será usada na África, por recomendação da OMS

Ruth Sonntag Nussenzweig e Victor Nussenzweig. Foto: Reprodução/Agência Fapesp

Jornal GGN – A Organização Mundial de Saúde (OMS) surpreendeu o mundo nesta quarta-feira (06/10) com o anúncio de uma vacina específica para o combate à malária em crianças na África, algo que vem sendo pesquisado pela ciência há pelo menos 100 anos – e uma parte importante dessa história tem contribuição brasileira, com o casal Victor e Ruth Nussenzweig.

Ruth Sonntag Nussenzweig nasceu em Viena, na Áustria, em 1928, filha de um casal de médicos de origem judaica. Sua família chegou à cidade de São Paulo em 1939, fugindo da perseguição pelo regime nazista.

O sonho de ser pesquisadora a levou à Escola de Medicina da Universidade de São Paulo (USP) em 1948, onde conheceu Victor Nussenzweig, brasileiro filho de judeus poloneses que também fugiram do nazismo, que viria a ser seu colega de profissão e marido.

Ruth e Victor se casaram em 1952 e, em 1953, graduaram-se e se tornaram professores associados da USP, ao mesmo tempo em que desenvolviam suas pesquisas de doutorado. Os primeiros estudos de Ruth e Victor foram feitos dentro da USP, com foco no parasita Trypanosoma cruzi, responsável pela doença de Chagas. Os resultados melhoraram a forma de detecção da doença e apontaram como o corante violeta de genciana pode matar o parasita no sangue sem torná-lo tóxico.

O casal ficou dois anos na França, mas ao voltarem para o Brasil em 1960, perceberam que suas pesquisas não avançariam tanto quanto gostariam. Por isso, partiram para os Estados Unidos para trabalhar na Universidade de Nova York (NYU), onde conseguiram bolsa para trabalhar.

O casal chegou a fazer uma nova tentativa de manter suas pesquisas no Brasil, mas o ambiente de opressão causado pela ditadura militar brasileira em 1964 os obrigou a voltar para os Estados Unidos quase que imediatamente ao verem colegas presos e militares à frente da Escola de Medicina da USP – Victor, inclusive, chegou a ser interrogado por conta de seu posicionamento político. Ao ingressarem aos EUA, voltaram para a NYU, onde se tornaram professores permanentes.

A descoberta que revolucionou a saúde pública

Ruth Nussenzweig fez seu pós-doutorado em bioquímica no Collège de France em 1958 e, na década de 60, ingressou como professora na Universidade de Nova York (NYU) e manteve seus estudos focados em torno da malária, doença que afeta principalmente países tropicais subdesenvolvidos e que foi considerada uma luta perdida por cientistas por anos, já que os pacientes que já contraíram a doença várias vezes não são naturalmente imunizados.

Em 1967, Ruth foi a primeira cientista a provar que era possível imunizar roedores contra a doença por meio da irradiação dos esporozoítos, um dos estágios de vida dos parasitas que causam a malária, do gênero Plasmodium, e seus estudos a respeito do tema lhe renderam uma publicação na revista Nature.

Apesar da descoberta, era preciso descobrir uma forma de tornar a produção da vacina comercialmente viável. Nos anos 80, Victor e Ruth descobriram que a proteína que reveste a membrana do esporozoíto (CSP) poderia ser usada para gerar uma resposta imunológica eficiente contra a malária, viabilizando a injeção de CSP pela via intramuscular – facilitando a aplicação de vacinas principalmente em crianças.

Em entrevista para a revista Super em 2016, Victor Nussenzweig afirmou que foi Ruth quem fez os trabalhos fundamentais de proteção contra a malária dentro de uma época em que isso era impossível de ser feito. Victor trabalhou em conjunto com Ruth na parte básica de imunologia e, em um projeto conjunto, descobriu o que neutralizava a infectividade dos esporozoítos expostos a raios-X: uma alteração na proteína CS, presente na superfície dos esporozoítos, que deixa o parasita inofensivo. 

A descoberta dessa proteína se tornou fundamental em muitas das vacinas testadas contra a malária – inclusive, ela é componente da vacina RTS,S, também chamada de Mosquirix, que age diretamente contra o parasita que mais causa a doença na África, e que será usada nas campanhas de vacinação na África.

Em entrevista à Revista Fapesp em 2004, Victor chegou a comentar os resultados dos testes da vacina, que começou a ser desenvolvida pela farmacêutica britânica GlaxoSmithKline há três décadas com base na molécula de proteína descoberta pelos brasileiros.

“Os resultados de testes dessa vacina em mais de 2 mil crianças de 1 a 4 anos foram muito encorajadores. Sua eficiência em relação à malária grave, que pode levar à morte, foi perto de 60%. Esse trabalho saiu numa edição da revista Lancet em outubro. E esses resultados foram obtidos seis meses depois da aplicação da última dose de vacina. Isso é um triunfo realmente. O passo seguinte já está em andamento e é vacinar bebês. Afinal, depois de mais de 30 anos de trabalho em pesquisa básica, saiu uma vacina. E tenho certeza de que ainda não é o fim da história”.

O trabalho de Ruth Nussenzweig lhe rendeu sucessivas premiações: ela foi a primeira mulher a dirigir um departamento na Universidade de Nova York, cargo que ocupou por mais de dez anos a partir de 1984. Ela também recebeu a medalha de ouro Albert B. Sabin, do Instituto Sabin de Vacina em 2008 e, em 2013, foi eleita membro da Academia de Ciências dos EUA. Ao lado de Victor, em 2015 recebeu o prêmio da Fundação Warren Alpert, dado em parceria com a Harvard Medical School. Ambos também integram a Academia Brasileira de Ciências.

Ruth Sonntag Nussenzweig faleceu em 1º de abril de 2018 aos 89 anos, por conta de uma embolia pulmonar. Victor Nussenzweig é professor emérito da NYU e, aos 93 anos, segue vivendo nos Estados Unidos. O casal teve três filhos: Michel Claudio Nussenzwreig, professor e chefe do Laboratório de Imunologia Molecular na Universidade Rockefeller, em Nova York; Sonia Nussenzweig Hotimsky, professora da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo e pesquisadora vinculada ao Núcleo de Estudos de Marcadores Sociais da Diferença do Departamento de Antropologia da USP (NUMAS/USP); e André Nussenzweig, chefe do laboratório de integridade genômica do National Institutes of Health (Instituto Nacional de Saúde dos Estados Unidos).

Sugestões de leitura sobre o casal Nussenzweig

PFarma – Casal de cientistas brasileiros desenvolve vacina contra malária

Wikipedia – Ruth Sonntag Nussenzweig

Ciência Pelos Olhos Delas (Unicamp) – Celebrando Ruth Nussenzweig – a mulher que abriu caminhos para uma vacina contra a Malária

Tatiane Correia

Repórter do GGN desde 2019. Graduada em Comunicação Social - Habilitação em Jornalismo pela Universidade Municipal de São Caetano do Sul (USCS), MBA em Derivativos e Informações Econômico-Financeiras pela Fundação Instituto de Administração (FIA). Com passagens pela revista Executivos Financeiros e Agência Dinheiro Vivo.

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