Wilson Ferreira
Wilson Roberto Vieira Ferreira - Mestre em Comunição Contemporânea (Análises em Imagem e Som) pela Universidade Anhembi Morumbi.Doutorando em Meios e Processos Audiovisuais na ECA/USP. Jornalista e professor na Universidade Anhembi Morumbi nas áreas de Estudos da Semiótica e Comunicação Visual. Pesquisador e escritor, autor de verbetes no "Dicionário de Comunicação" pela editora Paulus, e dos livros "O Caos Semiótico" e "Cinegnose" pela Editora Livrus.
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A agenda secreta da reforma do ensino: o analfabetismo visual, por Wilson Ferreira

por Wilson Ferreira

Depois da divulgação da Medida Provisória que “flexibiliza” disciplinas do Ensino Médio como Artes e Educação Física o Ministério da Educação tentou explicar e disse que não era bem assim, depois de forte reação de educadores e pedagogos. Mas está claro: não basta apenas o golpe político. É necessária uma operação psicológica para anestesiar as outras amargas “flexibilizações” que serão proximamente enfiadas goela abaixo da sociedade. Uma operação para manter um sistema de comunicação projetado pela ditadura militar e mantido até hoje – a concentração das informações para a opinião pública exclusivamente nas mídias audiovisuais, especialmente a TV. Para isso é necessária a manutenção do analfabetismo visual: a crença ingênua de que ver é um ato natural e fisiológico, impossibilitando a educação do olhar e a percepção das intencionalidades por trás das mensagens visuais. “Flexibilizar” as disciplinas Arte e Educação Física mostra que o “núcleo duro” de Poder, persistente há décadas na política brasileira, não brinca em serviço. Sabe o que faz: o olhar e a autoconsciência corporal estão conectados através da “propriocepção”, a base da alfabetização visual.

Um grupo de alunos estava fazendo apresentação oral de um trabalho de pesquisa para a disciplina Estudos da Semiótica que ministrava na Universidade Anhembi Morumbi. O tema era a influência dos líderes de opinião na opinião pública a partir da referência teórica das pesquisas da Mass Communication Research de Paul Lazarsfeld. 

A certa altura, foi mostrado um vídeo, desses inúmeros com a presidenta Dilma Rousseff que circulavam nas redes sociais que pretendiam comprovar que ela não passava de uma indigente mental: um pout pourri de frases desconexas, repetições, falas que não diziam coisa com coisa, gaguejos etc. Era nítido nesses vídeos que eram montagens, muitas delas criando um verdadeiro “efeito kuleshov” – experiência feita pelo teórico e cineasta russo Lev Kuleshov mostrando que a interpretação que o espectador faz de uma cena pode ser alterada através da montagem e justaposição arbitrária dos planos.

Intervi na apresentação demonstrando como o vídeo era um nítido trabalho de montagem. O vídeo em questão tinha passagens de emendas toscas, pinçadas de trechos de vídeos originais. Foi espantoso perceber a ingenuidade de alunos de segundo semestre de um curso de comunicação que, supostamente, deveriam ser os mais atentos a esses detalhes.

Essa foi uma pequeno amostra daquilo que podemos chamar de “analfabetismo visual” – a crença ingênua de que a visão é natural e que a compreensão das mensagens visuais é vinculado exclusivamente ao alfabetismo verbal. O analfabeto visual acredita estar “olhando”, quando apenas está vendo. Limita a sua leitura ao nível representativo e literal das imagens (a habilidade fisiológica da visão), sem compreender o nível abstrato (sintaxe, edição, montagem) da linguagem visual – o “olhar”, a habilidade sensitiva e afetiva construída socialmente.

Equivale ao analfabeto funcional: lê as palavras isoladamente, sem conseguir interpretar o que está lendo.

O projeto audiovisual da Ditadura Militar

Em um país no qual a ditadura militar implementou um projeto político de concentrar na televisão (especificamente no monopólio da Rede Globo) a exclusiva fonte de informações para os brasileiros, os doze anos de governos supostamente progressistas perderam a oportunidade histórica de alterar esse quadro.

A oportunidade de inserir no conteúdo de disciplinas como Artes ou especificamente dedicadas à Linguagem Audiovisual, desde o ensino fundamental, as noções de sintaxe, gramática e morfologia audiovisual. A partir da educação artística e fundamental do olhar, avançar para  sintaxe das histórias em quadrinhos, para a linguagem do story board até chegar ao roteiro e toda morfologia audiovisual de cinema e TV.

Somente em maio desse ano, no governo já agonizante de Dilma Rousseff, as artes visuais foram incorporadas ao currículo do ensino básico brasileiro. Para depois, o já empossado presidente desinterino Michel Temer ameaçar com uma Medida Provisória (MP) “flexibilizar” as disciplinas de  Artes e Educação Física no Ensino Médio – outro eufemismo é “opcionais”, o que na prática é o convite à erradicação.

Depois da divulgação da MP e a forte reação de professores e pedagogos, o Ministério da Educação emitiu nota dizendo que não é bem assim e que nenhuma disciplina seria eliminada.

Para bom entendedor, meias palavras bastam: esse verdadeiro núcleo duro do Poder na política brasileira desde as últimas décadas (a recorrente eminência parda do PDS-PFL-PMDB desde a ditadura militar, representada pelos seus vices – Sarney, Itamar Franco, Marco Maciel e Michel Temer) sabe muito bem o que pretende. O núcleo é composto por profissionais e não brincam em serviço.

Operação Psicológica

Enfiar goela abaixo da opinião pública um programa como o “Ponte Para o Futuro”, com as medidas neoliberais que estalarão como chicote no lombo daqueles que vivem da força de trabalho, implica numa delicada “psy-op” (“Operação Psicológica” no jargão da Inteligência e Espionagem) que envolve principalmente a grande mídia – especificamente, a grande mídia televisual.

Essa operação psicológica é a manutenção do analfabetismo visual. Situação que apenas confirma a sombria conclusão do célebre documentário Muito Além do Cidadão Kane: o Brasil mudou, o País se democratizou, mas os meios de comunicação não – mantém não só a mesma configuração do período ditatorial como dão continuidade ao projeto de concentrar nas mídias audiovisuais a única fonte informação para os brasileiros – sobre o documentário clique aqui.

 Em tal concentração, monopólio e exclusivismo da linguagem visual na opinião pública, o analfabetismo visual é a pré-condição necessária para que esse sistema de comunicação mantenha-se intacto – assim como um “núcleo duro” de poder que seja capaz de convencer os brasileiros sobre qualquer coisa: “golpes constitucionais”, “flexibilização” de direitos adquiridos, “tetos de gastos” etc. 

Analfabetismo visual e verbal

O analfabetismo visual é ainda mais insidioso do que o verbal, porque é silencioso: enquanto o analfabetismo verbal imediatamente prejudica a socialização, o visual é imperceptível. O analfabeto acha que está olhando (por considerar tudo natural e representativo), porém apenas vê. Acredita que a imagem é um decalque do real e é incapaz de perceber que suas impressões e juízos são decorrentes dos efeitos psicológicos (comportamentais, Gestalt, cognitivos) da sintaxe da linguagem visual. 

Ana Mae Barbosa: a importância da leitura das imagens na educação

Para Ana Mae Barbosa, especialista em arte-educação, a presença das Artes desde o ensino básico beneficiaria tanto professores como alunos: Primeiro, a leitura da imagem. Preparar o indivíduo para decodificar imagens, encontrar o sentido escondido por trás delas. Além de acostumar o indivíduo a contextualizar as imagens, onde estão inseridas. Para ela, seria a porta aberta para a interdisciplinaridade, o diálogo com outras disciplinas. A História, por exemplo – sobre isso clique aqui

Esse “núcleo duro” do Poder, perpetuador do projeto político da ditadura militar, sabe muito bem que a sua continuidade depende da hegemonia de um sistema de informação exclusivamente audiovisual. Por isso, o golpe não pode ser apenas político. Tem que continuar na esfera educacional para garantir a perpetuação do analfabetismo visual.

Analfabetismo visual e o ovo da serpente

O analfabetismo visual sempre foi o combustível que potencializou manipulações históricas em momentos políticos decisivos:

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Wilson Ferreira

Wilson Roberto Vieira Ferreira - Mestre em Comunição Contemporânea (Análises em Imagem e Som) pela Universidade Anhembi Morumbi.Doutorando em Meios e Processos Audiovisuais na ECA/USP. Jornalista e professor na Universidade Anhembi Morumbi nas áreas de Estudos da Semiótica e Comunicação Visual. Pesquisador e escritor, autor de verbetes no "Dicionário de Comunicação" pela editora Paulus, e dos livros "O Caos Semiótico" e "Cinegnose" pela Editora Livrus.

8 Comentários

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  1. Mas ninguém respeita os

    Mas ninguém respeita os direitos deles, eles são minoria na população; eles têm o direito de cortarem os nossos investimento para que eles possam lucrar com os nossos impostos através dos juros da dívida federal que eles aumentam a cada ano. O país precisa respeitar os direitos das minorias, mesmo que os direitos destas minorias prejudiquem a maioria; ou seja, todo o resto da população do planeta. Isso é democracia! Isso não é justiça… Mas isso é democracia! Mas nem só de justiça vive um homem, disse um sábio banqueiro apoiado pela mídia em sua ofensiva pelos direitos das minorias. Um sábio baqueiro de acordo com esta mesma mídia, que o elegeu democraticamente entre tantos outros, para representar a classe dos banqueiros internacionais. Logicamente este banqueiro também era discriminado em seu meio. Ou seja, uma minoria dentro de uma minoria. Em nome da democracia mundial, a mídia trouxe o mais discriminado entre todos os banqueiros da bancaria mundial. E ainda há quem reclame que não há justiça…. ops… democracia! Neste mundo.

  2. A naturalização da visão

    A natureza nos dá os olhos, mas não a visão. Nascemos com olhos, mas não nascemos sabendo ver. Visão é algo que se aprende, é cultural. A ideia de visão como algo natural exclui da educação multidões de videntes. É como se todos fôssemos capazes de ver as mesmas coisas e, se não vemos, é por culpa exclusiva de quem não vê. Ao passo que, a alguns, é dado o direito de aprender a ver, das flores a Matisse. Outros, os de sempre, os vitimados do mundo, não passam por essas oportunidades de educação, nem na escola, nem em qualquer outro lugar. Quando muito, são submetidos ao massacre da mídia única, obrigados a engolir pelos olhos tudo que querem que ele veja. Analfabetos visuais são como cegos, no pior sentido da palavra.

  3. DE NOVO, A VELHA E VELHACA GLOBO.

    Quando soube que Faustão detonou Temer e seu projeto para a educação, pensei: tem alguma coisa errada nisso. A Globo sempre foi defensora dessa reforma e por que agora se coloca contra ela? É claro e óbvio que a emissora e seus comparsas queriam que o governo atual se debruçasse sobre questões de maior envergadura econômica como as privatizções, reforma da previdência e leis trabalhistas, agenda mais urgente para aqueles que querem destruir tudo que foi construído nos 13 anos de PT. Além. é claro, de sinalizar para Temer que em termos de comunicação, seu governo vai de mal a pior, tal qual o de Dilma., gastando fichas em um assunto polêmico e de baixa eficácia no campo econômico a curto prazo. Mexer nesse vespeiro depois de invasões de escolas e de longas greves de docentes pelo país inteiro é, no mínimo, falta de visão do que se passa no país. Aqui no RJ, tivemos uma greve de 05 meses na rede estadual de ensino, movimento apoiado  pela Globo, em uma clara tentativa de desestabilizar o governo Dilma no estado, criando um ambiente caudaloso que culminou com uma grande passeata em Copacabana, engrossada por quase todos os servidores do estado, que tiveram seus salários “estrategicamente” atrasados como forma de insuflar os fluminenses contra o governo petista, ja que aqui se encontra o maior colegio eleitoral do partido.

    Foi Dilma cair e os salários dos servidores, começaram a ser depositados, ainda que com lerdeza, mas seria suspeito a grana aparecesse do nada na conta de todos os servidores. Tal atitude faria com que as máscaras caíssem e msotrassem qu os atrasos foram manipulados.

    Pouca gente se lembra, mas no começo do ano o seriado juveni Malhação, mostrava escolas públicas invadidas por alunos, reivindicando melhores condiçoes de infraestrutura nos prédio escolares e melhores salários para os professores. 

    Essa atitude da emissora também me causou estranhamento, já que ela nunca mostrou alunos de escolas públicas em suas novelas, a não ser em um seriado da década de 50, Anos Dourados, quando ensino público era para ricos.  A Globo, podem notar, raramente aborda em suas novelas a vida de famílias de servidores públicos ou cenas em escolas ou hospitais mantidos pelo estado, a não ser para falar mal. A defesa da iniciativa privada sempre leva a emissora a mostrar a perfeição e a eficácia do que vem do mundo liberal.

    Todos hão de convir: quando a Globo se coloca ao lado do povo é para empurrá-lo para a cegueira e para o abismo.

    Talvez não seja do conhecimento de todos, mas a Globo, através da Fundação Roberto Marinho, mantém o Projeto Autonomia, onde apenas um professor ministra mais de 10 disciplinas, utilizando material do Telecurso Segundo Grau. Não dá para acreditar que a emissora, agora, se coloca contra uma reforma que enuga currículo, visto que ela já pratica essa atrocidade há anos e o que é pior, ganha muito dinheiro com isso.

  4. Frota mensal de anabolizantes para Escolas.Xô Educação Física.

    Após receber “entidades representativas” esse desgoverno afirmou com Katiguria apoio ao Movimento Baseado Livre nos recreios.A tranquilidade será total e estudantes não farão “artes” alguma.

  5. É isso, Wilson. Também lido

    É isso, Wilson. Também lido em minhas aulas com o “analfabetismo funcional” em termos do audiovisual. Coisa séria num mundo tomado pela inflação de imagens e sons. E mais séria em países como Brasil, cuja maioria da população passou da cultura oral tradicional para a cultura oral tecnológica, sem passar pela escrita, ou apenas roçando-a.

  6. Professor de comunicação
    Professor de comunicação falando sobre ”analfabetismo funcional”, um termo midiático, vago, impreciso, sem pesquisas sobre o tema, em um texto sobre educação é demais. Depois reclamemos de Frota e Cia…

  7. A reportagem está muito boa.

    A reportagem está muito boa. Eles denunciam aqui coisas muito importantes no que diz respeito à leitura e aos que se aproveitam dela em proveito próprio, pouco importando que isso prejudique o outro.

     No entanto à velha professora de Português que eu sou não escapou o « intervi ». O verbo Intervir se conjuga como « vir » e não como « ver ».   Se se tratasse de um país onde a língua materna fosse amada e as pessoas se esforçassem por conhecê-la bem, eu diria até que pelo tema do texto poder-se-ia tratar de um lapso…  « Eu intervi » ao invés de « intervim »…De repente…

    Por outro lado senti um leve perfume de « moda » com essa história de « ver » e « olhar ».  Evidentemente vemos tanto melhor quanto melhor atentamos para o que olhamos, ou « aguçamos » o olhar.   Em todo caso, “olhar” permanece o gesto mecânico, e “ver” é que exprime a percepção.  Não vejo razão nenhuma para se inverterem as funções dos dois verbos, a menos que se trate aqui também de uma armadilha de quem propõe a moda em questão, para ganhar uma atenção total e totalmente ingênua que quem escuta ou lê uma proposta através de outras mensagens.  Tudo é muito sério e todo cuidado e atenção é pouco quando se trata de linguagem.  O mais importante é que os termos, os  nomes, os adjetivos, os advérbios, as preposições têm suas origens nas línguas que deram origem à nossa. 

    De olho na origem da nossa cultura linguística.  É o melhor meio de nos protegermos das ciladas de uns e de outros. 

    Nilce Furtado B. – Geoffroy

     

  8. a agenda secreta da reforma do ensino
    A reforma do ensino medio, proposta pelo governo impostor,me faz lembrar um classico da literatura”admiravel mundo novo”, onde as pessoas eram fabricadas e condicionadas em laboratorio,as que iam ser operarias diminuiam a quantidade de oxigenio em seu sangue durante a embriogenese, e, quando estavam engatiando lhes espunham livros coloridos e com flores, mas, ao toca los recebiam choque por descarga eletrica,dessa forma nunca se sentiriam excluidos, e, nem formariam sindicatos para reivindicar igual
    dade e direitos.

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