As ideias do novo presidente do Inep

Sugerido por mcn

Chico Soares, professor titular aposentado da faculdade de Educação da UFMG, é um dos especialistas que mais entende de avaliação educacional no Brasil. Considero excelente sua indicação para o Inep.

Ele defende que a avaliação de sistemas educacionais, como Prova Brasil, é uma forma da sociedade brasileira aferir se o direito a uma educação de qualidade, previsto na Constituição, está sendo atendido em todas as escolas, “para todos e cada um dos brasileiros”.

Daí a importância de sua proposta de “explicitar de uma forma organizada, em algum tipo de portal, quais são as demandas cognitivas e pedagógicas das diferentes questões utilizadas [nas provas]”, mencionada na entrevista abaixo.

Até hoje, o Inep nunca conseguiu orientar de forma adequada os professores para o uso pedagógico dos resultados da Prova Brasil. A superação deste desafio será um feito extraordinário. Espero, sinceramente, que consiga.

Da Folha

Currículo do ensino básico precisa ser mais definido, diz presidente do Inep

FLÁVIA FOREQUE

O novo presidente do Inep, Chico Soares, afirma que o currículo da educação básica no país precisa ser mais bem definido e argumenta que essa tarefa não pode depender de uma escolha do docente.

O tema é polêmico entre educadores. Se de um lado há um grupo que defende mais clareza no currículo, há outros que reivindicam a autonomia dos professores.

“Não posso deixar que a definição do que é necessário para aprender seja feita pelas diferentes pessoas, nos diferentes lugares”, disse.

“Precisamos muito do professor, mas ele implementa uma decisão de Estado”, afirmou à Folha, em sua primeira entrevista após assumir a presidência do instituto, órgão do Ministério da Educação responsável pelo Enem.

Sobre o exame, ele descarta, no curto prazo, a realização de duas edições por ano, mas afirma que quer analisar o uso do computador em outras provas aplicadas pelo governo federal, o que pode facilitar a reedição de exames.

Defensor do ensino integral, ele aponta que a escola no Brasil foi “pensada para poucos” e que o atual modelo resulta em uma “formação superficial”. Abaixo, os principais trechos da entrevista.

Folha – Quando o ministro Henrique Paim assumiu o comando do MEC, ele apontou como prioridade a formação dos professores da educação básica. Qual será sua prioridade no Inep?

Chico Soares – A nossa prioridade tem que ser dialogar [com o MEC] e implementar as prioridades do ministério.

O instituto está bem estabelecido na questão dos indicadores educacionais [como o Ideb, indicador de qualidade da educação básica]. Eles cumprem uma função muito importante, de dar subsídios para políticas públicas.

No entanto, eles têm uma riqueza que ainda não está explorada e é isso que vamos procurar fazer, dar a esses números uma vida pedagógica. O que a gente quer é organizar esse material com a lógica da instrução e dizer para o professor: está aqui algo que você pode utilizar.

De que forma isso pode ser feito?

O que a gente vai procurar fazer é explicitar de uma forma organizada, em algum tipo de portal, quais são as demandas cognitivas e pedagógicas das diferentes questões utilizadas [nas provas].

Se temos uma questão que é distinguir fato de opinião, vou dizer para o professor: seus alunos do 5º ano são capazes de distinguir fato de opinião, mas num texto muito simples. Eles não são capazes de distinguir num texto um pouco mais complexo.

O que é um texto complexo? O professor teria exemplos. Esse é o esforço que a gente vai fazer.

Na gestão do ministro Fernando Haddad, houve a promessa de mais uma edição do Enem por ano. O sr. vai tentar implementar dois exames por ano?

Não. É impossível se fazer dois “Enens” por ano com esse Enem. O crescimento [de inscritos] foi de tal ordem que a logística se impôs. A demanda é razoável, mas teremos que pensar formas alternativas que não estão colocadas no curto prazo. No curto prazo, não teremos nenhuma mudança.

E o que seriam essas formas alternativas?

Existe um uso cada vez maior do computador. Estamos querendo trazer [esse recurso] para o Inep e usá-lo em avaliações menores, com as quais a gente possa aprender as diferentes maneiras que o computador pode ser usado.

Celpe-bras [exame de proficiência em português] e Encceja [exame para certificação do ensino fundamental] seriam as primeiras [experiências]. Mas não está se pensando no curto prazo para o Enem, porque ele é muito grande.

Recentemente a organização do SAT (o “Enem” dos EUA) anunciou algumas mudanças para deixar o conteúdo da prova um pouco mais próximo do que o aluno do ensino médio está aprendendo lá. Uma mudança semelhante não deveria ser feita no Enem?

A mudança que está havendo é aproximar o exame americano da rotina das escolas, ou seja, aproximar a avaliação do currículo.

Aqui, o Enem já é o nosso currículo. Podemos discutir se esse currículo, que é o que as escolas estão ensinando e que o Enem está pedindo, é o ideal. Essa é uma discussão que ultrapassa muito o Inep.

Mas como o Enem molda o currículo, não é justamente isso que o Inep vem fazendo?

Temos uma implementação de uma base nacional comum [com a aplicação do Enem] que eventualmente as pessoas podem olhar e falar: “Olha, ela está desequilibrada, porque tem conhecimentos sendo exigidos que eventualmente não estariam ali”.

Essa é uma questão que precisa ser discutida. Somos parte do debate educacional e participantes influentes, mas isso é uma questão da sociedade. Nós podemos e vamos participar e nossa reflexão, embora influente, não é a única.

O sr. é favorável a uma discussão sobre o currículo da educação básica?

Sou favorável por uma questão de justiça escolar. Temos desigualdades educacionais muito marcantes, e uma coisa absolutamente fundamental para que todos aprendam aquilo que necessitam para a cidadania é que [o currículo] esteja bem definido.

E hoje ele está definido?

Não está. Nossas definições curriculares são muito gerais. Se não digo claramente o que espero, nunca vou conseguir [alcançar o objetivo].

Não posso deixar que a definição do que é necessário para aprender seja feita pelas diferentes pessoas nos diferentes lugares. Alguns vão tomar excelentes definições. Outros, infelizmente, vão tomar definições que vão prejudicar turmas inteiras.

Aqui a gente toca num ponto muito delicado: precisamos muito do professor, mas ele implementa uma decisão de Estado. Não posso dar a cada um a possibilidade de ser o intérprete do direito à educação. Por isso que a base nacional comum é importante.

Isso não é uma coisa que vai ser criada pela varinha mágica, mas a gente precisa fazer.

Hoje o Enem é usado para o acesso ao ensino superior, certificação do ensino médio e a própria avaliação dessa etapa do ensino, com o Enem por escola. Não são muitas funções para um único instrumento?

Não tenho uma posição clara se isso precisa mudar. No caso da certificação, existem duas direções. A certificação pelo Encceja [do ensino fundamental] tem uma dimensão mais educacional: o aluno que está fora da faixa etária correta vai para uma escola, tem uma experiência escolar e no fim dessa experiência tem a certificação.

A certificação pelo Enem é um pouco não escolar [certificação pode ser obtida sem que o aluno tenha cursado o ensino médio].

Apenas entendo que seria melhor para o aluno passar por uma experiência escolar em vez de passar simplesmente por uma experiência de certificação isolada dessa experiência.

O MEC defende que os recursos dos royalties do petróleo para a educação sejam usados, prioritariamente, para melhorar o salário dos professores. O sr. acha que o aumento na remuneração vai implicar um melhor resultado em sala de aula?

Não é uma consequência natural, mas é fundamental [para melhorar o aprendizado]. Dinheiro é absolutamente essencial para salário, estrutura, formação dos professores. A sociedade brasileira tem que se dar conta de que escola tem que ser de tempo integral, para o professor e para o aluno. Temos que colocar isso no nosso horizonte.

Em vários lugares do mundo, as pessoas têm dificuldade de entender que uma escola [no Brasil] funciona em três turnos, que o mesmo prédio recebe um grupo de alunos de manhã, outro de tarde, outro à noite.

Para que esse processo mude, a gente precisa de mais recursos. As nossas escolas, com muita frequência, não têm espaço para o professor ficar lá, porque foram pensadas como algo acidental.

Por que ela é um lugar onde o professor passa?

Porque essa foi a nossa tradição. [O Brasil] Criou uma escola que dá uma formação superficial. Foi pensada para poucos, não como uma política de todos, como direito.

Redação

4 Comentários

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  1. Inepto! e fim de papo…

    Inepto! e fim de papo…comissionado e muito mais papo no modo comunidades de aprendizagens código aberto…

    e vamos todos para casa mais cedo para estar doce sol farniente no aconchego da família reunida, com lúdica atenção ternura dedicação aos filhos, para que estes não exponenciem os números alarmantes de autismo social e a incapacidade absurda desta geração x y z de refletir e atuar no modo operativo-hipotético preventivo das análises das consequências… de causa > efeito / custo > benefício /  ação > reação e de se saber operar inteligências múltiplas sinérgicas para apreender competências lúdico-resolutivas de formulação de equações experimentais mentais ou imaginais exercitando em si e para o exterior social o einstein que cada um tem dentro de sua singularidade.

     

    microconto para twitter e orquestra de 140 toques

    da vida que nos toca:

     

    5.

     

    Aquela escola do descaso dos governantes não ensina nada de nada ou quase nada de nada. E o mais incrível: alguns alunos teimam de aprender!

     

    jc.pompeu, jun 2010

     

     

  2. Estou desconfiado em relação

    Estou desconfiado em relação à edição do conteúdo dessa entrevista. O título dá enfase a um aspecto que é muito caro aos “especialistas” em educação da mídia – a ideia de unificação do currículo. Tinha outras coisas que poderiam ter sido levadas para o título, por exemplo, considerando um tema popular: É impossível fazer mais de um Enem por ano garante o novo presidente do Inep.

    Mas, o jornal pegou num ponto não tanto popular, mas caro para os ditos “especialistas”.

    O engraçado é que esse pessoal (da Folha, assim como outras instituições, inclusive organizações paparicadas e bancadas por empresas) se diz liberal. Mas, no currículo escolar, quer que o Estado meta a pata e imponha o que deve ser ensinado nas escolas de todo o Brasil de modo que seja definido exatamente o ponto que todos os professores vão ensinar amanhã e qual o exercício que todos os alunos vão fazer em seguida. Ou seja, em matéria de organização pedagógica eles querem uma ordem unida. E, como disse, eles ainda assim se acham os defensores do liberalismo.

    O presidente do Inep pode ser entendido em avaliação institucional da educação – se for mesmo, está no lugar certo. Por sorte o Inep não é responsável pela política de currículo. Isso porque o novo presidente do Inep – se o que foi publicado está de acordo com que ele realmente falou – parece que não entende muito de organização pedagógica e de currículo.

  3. Do tempo em que Luiz XIV era professor.

    As credenciais do professor José Francisco Soares são realmente impressionantes, porém, causou-me preocupação alguém com 40 anos de experiência de magistério cometer erros tão primários de prática de ensino.

    Suponho que o professor só lecionou para o 3º grau e jamais foi professor do ensino fundamental ou médio, principalmente de escolas públicas. Não são incomuns, no entanto, na área da educação, teóricos assumindo postos de comando com escassa experiência prática. Podem também, suas impropriedades, derivar de um traço de caráter mais autocrático ou, o mais provável, uma combinação das duas coisas.

    Enfim, vamos ao que me preocupou nas suas declarações.

    O sr. é favorável a uma discussão sobre o currículo da educação básica?

    Sou favorável por uma questão de justiça escolar. Temos desigualdades educacionais muito marcantes, e uma coisa absolutamente fundamental para que todos aprendam aquilo que necessitam para a cidadania é que [o currículo] esteja bem definido.

    Meu comentário : acaciano, o problema é definir o que consideramos como um currículo bem definido e como chagamos a ele. Veremos que o professor parece julgar que sabe a resposta e que ela é que o bom é aquilo que ele pessoalmente acha que é bom. E isso é muito perigoso em educação. Impor conteúdos é o melhor caminho para o fracasso educacional.

    E hoje ele está definido?

    “Não está. Nossas definições curriculares são muito gerais. Se não digo claramente o que espero, nunca vou conseguir [alcançar o objetivo]”.

    Meu comentário: quanto as definições curriculares, existe os PCN – parâmetros curriculares nacionais, extensa literatura sobre conteúdos que deve no entanto ser adaptada a cada realidade escolar. Estranho que o professor não os conheça. quanto aos objetivos, não é o professor quem diz o que ele espera ou não como objetivo educacional. Em educação a construção do conhecimento é sempre coletiva e adaptada à necessidade dos alunos e segundo suas possibilidades e recursos. Objetivos educacionais diferentes para situações diferentes não são um mal em si. Como padronizar situações tão dispares como as do ribeirinho do alto amazonas com a do aluno da favela de Paraisópolis em São Paulo? Como estabelecer objetivos comuns entre esses dois grupos e os alunos de uma escola pública de Higienópolis (bairro rico de São Paulo onde mora o ex-presidente FHC)?

    “Não posso deixar que a definição do que é necessário para aprender seja feita pelas diferentes pessoas nos diferentes lugares. Alguns vão tomar excelentes definições. Outros, infelizmente, vão tomar definições que vão prejudicar turmas inteiras”.

    Meu Comentário: aparentemente o professor gosta de se expressar na primeira pessoa do indicativo. Quando a definição ser feita por pessoas nos diferentes lugares, parece que o professor jamais ouviu falar de PPP – planejamento político pedagógico, que preconiza exatamente isso. A adaptação dos PCN à realidade de cada comunidade escolar.

    “Aqui a gente toca num ponto muito delicado: precisamos muito do professor, mas ele implementa uma decisão de Estado. Não posso dar a cada um a possibilidade de ser o intérprete do direito à educação. Por isso que a base nacional comum é importante”.

    Meu comentário: A joia da coroa autoritária, professor não é um ser pensante, apenas “ele implementa uma decisão de Estado”. E como o Estado é o professor José Francisco…

    Valores como participação, independência, adaptabilidade, coletividade, resiliência pedagógica e metacognição ? Não.

    “Não posso dar a cada um a possibilidade de ser o intérprete do direito à educação”.

    A quem o professor pretende ensinar? A um espelho?

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