Reduzir universidades é ir contra ‘projeto de nação’, defende Haddad

Ex-ministro critica contingenciamento de recursos para ensino superior e o reaquecimento do debate que prioriza educação básica no governo Temer. Este conteúdo está sendo organizado na Plataforma Brasilianas e fez parte do seminário de abertura da parceria do GGN com a PUC-SP

Haddad critica debate que prioriza educação básica no governo Temer

Do Brasilianas

Em 2017, as universidades e centros federais de educação tecnológica sofreram um contingenciamento de 15% do orçamento para custeio (recursos utilizados em manutenção) e 40% de verbas para as obras. Essa medida, juntamente com a entrada em vigor da proposta de emenda constitucional (PEC) 55, que restringe os desembolsos do governo em áreas sociais, apontam que o investimento em Universidades públicas não está entre as prioridades da atual gestão.

Durante sua participação no fórum Brasilianas – Saídas para ao Brasil crescer, o ex-ministro da Educação, Fernando Haddad, analisou com preocupação o posicionamento do governo Temer, destacando que as instituições de ensino superior têm papel central não apenas na formação da mão de obra qualificada, mas também na formação de pessoas com maior capacidade de reflexão, além disso, salientou que, pelo menos, 80% das pesquisas em ciência, tecnologia e inovação desenvolvidas no Brasil são geradas dentro das instituições de ensino superior.

Leia também: Papel da universidade é criar ambiente de livre pensamento, defende reitora da PUC-SP

“Óbvio que não só a partir das universidades que o esforço intelectual se irradia para a sociedade, mas é a partir delas que o pensamento abstrato toma corpo atingindo, até mesmo, classes populares que não tiveram acesso aos níveis mais elevados de educação”, acrescentando em seguida que lutar contra o desenvolvimento de universidades seria o mesmo que lutar “contra um projeto nacional”.

Haddad observou que as política para educação do atual governo se assemelham com propostas aplicadas nas duas presidências de Fernando Henrique Cardoso (de 1995 a 2003).

Leia também: Banco Mundial norteou políticas para educação superior de FHC

“[Durante aquela gestão se alimentou] o falso antagonismo entre educação superior e educação básica. Agora essa tese volta à cena, pela mão da secretária executiva do MEC, Maria Helena [Guimarães de Castro], apresentando “como nova” a seguinte questão: quanto nós estamos investindo em universidade pública e o que poderia estar sendo feito com esse dinheiro para melhorar a qualidade do ensino fundamental?”, ponderou.

Em agosto, enquanto participava do Fórum de Dirigentes Municipais, a secretária-executiva declarou que as universidades federais subutilizavam recursos do Ministério criticando o fato de os gastos com ensino superior serem semelhantes aos gastos com ensino básico. Para ela, a distorção seria resultado de políticas de expansão feitas “sem planejamento” nos governos anteriores.

Leia também: Brasil investe menos por universitário do que Grécia, Holanda e EUA

Haddad rebateu esse posicionamento lembrando que estudos comprovam que “70% do desempenho de um estudante em uma escola pública é explicado pelo establishment familiar”. Por exemplo, uma criança que vive seus cinco primeiros anos em uma casa com pais analfabetos apresenta na escola um desempenho inferior a de outra criança que vive com pais formados em universidades.

“No primeiro caso a criança chega à escola com um vocabulário de 400 palavras contra quatro mil palavras no segundo caso”, disse Haddad defendendo, portanto, que os dois modelos de ensino devem ser compreendidos como complementares ao desenvolvimento do país.

Sobre o argumento do governo Temer de que é preciso “enxugar” os gastos, o ex-ministro apontou que os serviços sociais – incluindo todos os gastos com educação – não chegam a 7% do Produto Interno Bruto (PIB) acrescentando que recursos para este setor não deveriam ser considerados como “gastos” mas sim como “investimentos”, ressaltando que com apenas um incremento de 0,33% do PIB, os governos anteriores conseguiram dobrar o número de vagas no ensino superior.

Em números gerais, a proporção do PIB investido em educação no Brasil passou de 3,2% no final do governo FHC para 5,6% do PIB no final do governo Dilma. “Nosso objetivo era usar a Universidade Pública para alavancar os níveis de desenvolvimento e melhorar a integração do território”, pontuou.

Nesse mesmo período foram contratados 28 mil novos professores e criados 173 novos campus universitários, boa parte deles instalados em regiões com menos equipamentos de educação no país, além do ENEM (Exame Nacional do Ensino Médio) como uma única porta de entrada para universidades federais em todo o país.

“[Realizamos isso] porque nós queríamos forjar uma mentalidade nacional, queríamos que um jovem de 18 anos olhasse para o mapa com um outro olhar, com o sentimento de que morava em um país e podia escolher, sendo baiano, estudar no Rio Grande do Sul, ou vice-versa (…) lembrando que o fim do vestibular com o novo ENEM foi combinado com a reserva de vagas para estudantes da escola pública e dividido na proporção de negros e não negros”, explicou.

“Percebemos [naquele momento] que tínhamos condições de redesenhar o país a partir da educação superior, do ponto de vista territorial, do ponto de vista de classes sociais e do ponto de vista ético”, relembrou o ex-ministro.

Duas concepções de Estado

Haddad analisou que, no fundo, os debates sobre as políticas para a educação revelam dois modelos defendidos para o Estado brasileiro. O primeiro deles, incentivado pelos governos FHC e agora na gestão Temer, prioriza um país como plataforma de exportação de commodities, o segundo, promovido nas gestões Lula-Dilma, visou fortalecer o mercado de consumo interno e diferentes áreas da economia. O ex-ministro chamou atenção que, no primeiro modelo, o desenvolvimento é estagnado, colocando o país em uma condição periférica em relação às outras nações.

“Fica difícil pensar em forjar uma visão do estado nacional com essas elites. Porque, efetivamente, parecem que elas não têm nenhum compromisso com esse território no sentido clássico do termo nação: território mais povo. A impressão que dá é que o povo é [visto como] um estorvo e o território, basicamente, como reserva de valor. Como se a pessoa não conseguisse projetar a permanência dela daqui a 100 anos (…) O egoísmo fez sucesso na Europa e nos Estados Unidos, mas sempre combinado com uma dimensão nacional. Ou seja, o interesse particular está presente em todo lugar, mas ele é uma combinação de sentimento comunitário, a pessoa quer ser rica ali. A impressão que dá é que as pessoas querem ser ricas aqui [no Brasil] para tomar o primeiro avião que puderem”, concluiu.

Leia também: Temer proíbe cursos de Medicina por 5 anos para não piorar “qualidade do ensino”

Assista a palestra de Professor Fernando Haddad no Fórum Brasilianas a partir de 41:35 do vídeo a seguir:
 
https://www.youtube.com/watch?v=btqGtWe4eJs?list=PL99vyy3WwlvrMUCpp4Y8VyzF5JP2z09P8&t=2495
Redação

4 Comentários

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

  1. Já revogaram a Lei Áurea
    Já revogaram a Lei Áurea afinal para que faculdade, para escravos? Assim deve pensar esse ministro anti – educação e toda cúpula desse desgoverno. O Japão resolveu seus problemas foi investindo em faculdades, também fez o mesmo a Coréia do Sul, China e Índia. Só um idiota irresponsável proíbe investimentos em cursos de medicina no Brasil, cujo número de médicos per capita é de 17,6 médicos por 10.000 cidadãos.Segundo a OMS, Maranhão tem índice comparável ao da Índia e do Iraque. Na Europa para se ter uma idéia o número de médicos per capita é de 33,3 por 10.000 cidadãos. Por tanto um ministro sério faria o contrário, exigiria muito mais investimentos, até por que é muito difícil, caro e muitíssimo necessário formar médicos.

  2. NÃO É IMPRESSÃO. É FATO !

    “Fica difícil pensar em forjar uma visão do estado nacional com essas elites. Porque, efetivamente, parecem que elas não têm nenhum compromisso com esse território no sentido clássico do termo nação: território mais povo. A impressão que dá é que o povo é [visto como] um estorvo e o território, basicamente, como reserva de valor. Como se a pessoa não conseguisse projetar a permanência dela daqui a 100 anos (…) O egoísmo fez sucesso na Europa e nos Estados Unidos, mas sempre combinado com uma dimensão nacional. Ou seja, o interesse particular está presente em todo lugar, mas ele é uma combinação de sentimento comunitário, a pessoa quer ser rica ali. A impressão que dá é que as pessoas querem ser ricas aqui [no Brasil] para tomar o primeiro avião que puderem”

     

     

  3. surpreendente essa fala do Haddad

    Haddad deve ter conhecimento do que estao a fazer com as escolas estaduais e municipais do estado de SP , portanto deve saber que nem o ensino basico nem fundamental nem universitario e prioridade destes governos .

Você pode fazer o Jornal GGN ser cada vez melhor.

Apoie e faça parte desta caminhada para que ele se torne um veículo cada vez mais respeitado e forte.

Seja um apoiador