Desvendando o PNE: ensino superior deve abrir horizontes

Por Juliana Sada, do Centro de Referências em Educação Integral

Aumento no número de matrículas, qualidade do ensino superior, titulação dos docentes e aumento de mestres e doutores na população brasileira. As metas 12, 13 e 14 do Plano Nacional de Educação (PNE) apontam para a tarefa de expandir o acesso ao ensino superior pela população brasileira, para o aumento dos anos de estudos da população e para o estímulo à produção de conhecimento.

Ainda que sejam numéricas, as metas demandam uma reflexão acerca do modelo de ensino superior que se irá promover. As mudanças na dinâmica social, no mundo do trabalho e nos paradigmas de produção de conhecimento, entre outras trazidas pelo século XXI, impactam todos os níveis educacionais e as universidades não devem ficar alheias a isso.

“Há uma necessidade de mudança de paradigma na educação pois hoje temos novas perspectivas, por exemplo, no mundo do trabalho e na produção de conhecimento, que está menos hierarquizada”, explica a diretora da Associação Cidade Escola Aprendiz, Helena Singer. “A própria produção científica é diferente, ciência de ponta se faz de forma interdisciplinar e transversal. A educação integral responde a estas novas demandas.”

Diversas universidades, como a tradicional Harvard, vêm reformulando seus modelos para se adequar às demandas contemporâneas. No Brasil, o processo ainda é mais incipiente mas já ocorre. Interdisciplinariedade, autonomia do estudante, trabalho em grupo, desenvolvimento do pensamento crítico e flexibilidade curricularsão elementos que aparecem quando se debate um novo modelo para o ensino superior.

Uma das instituições que se propuseram a pensar em um novo modelo é a Universidade Federal do ABC (UFABC) que já nasceu em 2006 como um modelo diferente. “A proposta vem dos debates da reforma universitária. Estamos pensando uma universidade de ponta para o século XXI, oferecendo um currículo mais flexível e diversificado”, explica o pró-reitor de Graduação da UFABC, José Fernando Queiruga Rey.

Integração entre os saberes

Ao ingressarem na UFABC, todos os alunos passam por um ciclo básico – de ciência e tecnologia ou de ciências e humanidades– de três anos e de onde saem com um título de bacharel. Na sequência, podem optar por outros caminhos de especialização ainda na graduação.

“No primeiro ciclo, há uma forte formação conceitual e uma formação geral onde o estudante se apropria dos grandes problemas contemporâneos da humanidade”, relata Rey.  A ideia de um engenheiro estudar problemas sociais ou de um filósofo debater modelos energéticos pode soar estranha ou, ao menos, pouco usual. No entanto, Rey aponta a importância da formação cidadã. “O profissional continua inserido em um contexto social, ele tem que saber dialogar com a sociedade, não adianta apenas ser um ótimo engenheiro.”

Para Helena Singer, a produção de conhecimento deve estar conectada à questões do país e do mundo. “As universidades não devem ser um laboratório fechado onde as pessoas vão se aprofundando em um conhecimento desconectado da realidade. O conhecimento deve dialogar com a sociedade e ser construído entre o pensamento acadêmico e o não científico.”

Em perspectiva complementar, o pesquisador do IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) Paulo Corbucci destaca a importância das pesquisas retornarem à sociedade. “A Universidade tem um papel fundamental na produção do conhecimento e é importante que ele possa ser transformado em bens e serviços a favor da população e que possa, por exemplo, subsidiar a solução dos problemas sociais, e não que seja uma produção de conhecimento que fica engavetada.”

Corbucci ressalta que as áreas de conhecimentos devem estar integradas para dar conta de responder às demandas da realidade e defende que as universidades trabalhem por temas ou problemas, ao invés de disciplinas. “O grande problema da formação de especialista é que ele perde a noção de conjunto. Nas universidades existe uma setorialização, uma área não conversa com a outra e se perde a integração” aponta o pesquisador. “Os problemas sociais são complexos, você nunca vai ter uma solução a partir de uma abordagem apenas.”

Autonomia para o estudante

Para Helena Singer, o ensino superior tem que trabalhar na perspectiva de integração de conhecimentos. “A partir disso e de seus interesses, os estudantes podem ir trilhando seus caminhos que podem ser organizados em áreas temáticas ou projetos”, explica.

Foto: Brunel University

Além do ciclo básico que traz o forte componente da integração dos conhecimentos, a UFABC aposta na autonomia do estudante. Na instituição, apenas o primeiro quadrimestre tem a grade fixa e todo restante é construído pelo aluno. Os cursos são compostos, em média, de 40% de disciplinas obrigatórias; 40% de matérias que podem ser escolhidas entre um conjunto de opções determinado pela Universidade; e os restantes 20% podem ser preenchidos por disciplinas de qualquer área.

“Fazer escolhas é um exercício de responsabilidade”, explica o pró-reitor. “Se o estudante está no primeiro ano e quer se aventurar em uma matéria do último ano, ele pode. Mas será que ele dá conta? Ele vai construir sua trilha e é um exercício ao longo de todo o curso, e para isso, também temos programas de tutoria”, ressaltando a importância de agentes educativos no apoio e diálogo contínuos com o estudante.

Caminhos a serem construídos

Além da UFABC, outras instituições brasileiras também estão se propondo a oferecer um ensino superior baseado em outro modelo. Ao menos 16 universidades federais adotam o modelo do ciclo básico, com o bacharelado interdisciplinar. “A Universidade Federal do Sul da Bahia tem um projeto muito ousado, com criação de licenciaturas interdisciplinares”, aponta Rey.

Em Foz do Iguaçu (PR), uma iniciativa privada oferece uma proposta pedagógica diferente. Progressivamente, a Uniamérica vem abolindo as disciplinas e as aulas expositivas, dando espaço aos projetos que norteiam os estudos e aos debates.  Segundo o diretor Ryon Braga, o modelo expositivo não é eficaz para a aprendizagem. “Ao tirar a divisão por disciplinas, orientamos todas as competências necessárias através de projetos semestrais temáticos. O aluno escolhe um problema real de sua comunidade ou região para trabalhar os temas daquele período”, explica, em entrevista ao Porvir.

“Algumas universidades já estão buscando fronteiras do conhecimento mais do que manter caixinhas separadas de cada saber e estão realizando pesquisas acadêmicas mais inovadoras. Isto deveria ser a tendência para o ensino superior”, conclui Helena Singer.

Redação

9 Comentários

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  1. Ah se eu tivesse tido uma

    Ah se eu tivesse tido uma opção como essa há cinquenta anos atrás! Como sofria, ao ser enfiado numa caixinha estanque, aquele que ansiava pela interdisciplinaridade! Como era conveniente ao poder meter antolhos especialistas em todo o mundo! Ao ocaso do dividir para conquistar segue-se a aurora de um novo tempo em que os conhecimentos se entrelaçam naturalmente. As linguagens desenvolvidas em um campo servem perfeitamente a outros e é assim na natureza que ignora a torre de Babel que construimos. 

    UM VIVA À INTELIGÊNCIA!!!

  2. na prática a teoria é outra…

    “autonomia do estudante, trabalho em grupo, desenvolvimento do pensamento crítico e flexibilidade curricular“;Com a péssima qualidade do ensino básico e médio isso é conversa de pedabobo fora da realidade – e o texto fala tanto da ligação da universidade com ‘o mundo real’. Muitos estudantes que entram hoje no ensino superior – vindo não só de escola pública, mas também de particulares – são verdadeiros analfabetos funcionais; são incapazes de ler e de escrever um texto de vinte linhas com começo, meio e fim. Não tem ideia sequer de proporção, não conseguem fazer um racioncínio matemático básico. Uma verdadeira trajédia.

    Conheço a experiencia de flexibilidade curricular na prática: os estudantes simplesmente não sabem o que fazer. Pedem orientação, não tem autonomia quando chegam a universidade. A informação não vêm só da Universidade e o que vem da grande midia e das tais redes sociais para esses jovens é puro lixo.

    Além do mais há as condições objetivas: um curriculo flexivel só é verdadeiramente flexível se houver um grande número de opções para os estudantes. Isso significa, mais professores bem pagos, mais infraestrutura, mais material, etc. Com a migalha que se investe na educação isso é conversa pra boi dormir.

    1. [  são verdadeiros

      [  são verdadeiros analfabetos funcionais; são incapazes de ler e de escrever um texto de vinte linhas com começo, meio e fim. Não tem ideia sequer de proporção, não conseguem fazer um racioncínio matemático básico. Uma verdadeira trajédia.]   Esses dois ou três anos antes de fazer graduação de fato é exatamente para isso epor isso, pois se for esperarmos que o ensino médio já o deixe pronto para fazer graduação será coisa de centenas de anos

      1. Mas…

        Um periodo de nivelamente é bem vindo como solução emergencial (e não que dure centenas de anos). Mas a Universidade não é escolão, não é ‘College’. Na Universidade o ensino é integrado à  pesquisa e à extensão – a menos que se transforme em uma fábrica de diplomas, o que na prática vêm ocorrendo. A Universidade deve transmitir aos estudantes o conhecimento de ponta e não ensinar português e matemática básica – só se for em curso de extensão para, por exemplo, alfabetização de adultos. DA mesma forma que com o fim na prática dos cursos técnicos se criou até faculdade de turismo e gastronomia, agora a Universidade mais uma vez se vê obrigada a se desviar de seu propósito e sobrecarregar seus docentes que atividades que não dizem respeito à finalidade da atividade universitária.

  3. O Ensino Médio tem que

    O Ensino Médio tem que melhorar muito.
    Os alunos estão chegando ao Ensino Superior com grandes dificuldades de leitura.

    1. Esse sistema da UFABC, UFBA,

      Esse sistema da UFABC, UFBA, UFRN e outras, deveria ser em todas e poderia ser extinto o Ensino Médio, pois o fundamental de nove anos é o suficiente. De fato, o ENEM já dispensa quase todos os conteúdo do EM, que por sinal não acrescenta em nada, apenas toma tempo do estudante

  4. [  Ao ingressarem na UFABC,

    [  Ao ingressarem na UFABC, todos os alunos passam por um ciclo básico]  enquanto os alunos dessa ficam patinando por um diploma de meia boca, os de outras, como USP, já estão lá na frente

  5. ]  Os cursos são compostos,

    ]  Os cursos são compostos, em média, de 40% de disciplinas obrigatórias; 40% de matérias que podem ser escolhidas entre um conjunto de opções determinado pela Universidade; e os restantes 20% podem ser preenchidos por disciplinas de qualquer área.[   Não muito diferente do que sempre aconteceu com nas públicas. A disciplina é livre escolha, mas as ofertas são apenas as de sempre que o corpo docente saberia

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