Em debate: o fechamento e a situação das escolas do campo

Por Jéssica Moreira, do Centro de Referências em Educação Integral

No dia 26 de fevereiro, o Senado Federal deu um passo importante em relação ao direito da educação no campo no Brasil. Os senadores aprovaram projeto de lei (PCL 98/2013) que determina quais são os critérios para que uma escola do campo seja fechada.

Segundo levantamento realizado pela Folha de S. Paulo com base no último Censo Escolar, em média, oito escolas das regiões rurais são fechadas por dia no país. Só na última década, 32,5 estabelecimentos de ensino tiveram suas atividades encerradas. Se em 2013 havia 103,3 mil unidades escolares no campo, atualmente existem apenas 70,8 mil.

Com a aprovação da proposta, que precisa da sanção da presidenta Dilma Rousseff, nenhuma escola destas regiões poderá ser fechada antes de passar pelo crivo de órgão normativo do sistema de ensino como, por exemplo, os Conselhos Municipais de Educação, que contam com representantes de toda a comunidade escolar.

Para Divina Lopes, coordenadora do Movimento Sem Terra (MST) no Maranhão e integrante da Coordenação do Coletivo Nacional de Educação do movimento, a aprovação do projeto no Senado é fruto das reivindicações e denúncias sobre o fechamento das escolas no campo. “O projeto é de extrema importância, uma vez que as escolas do campo são fechadas quando o município decide fechar, não havendo consulta com a comunidade ou com o conselho municipal. Até então, era uma decisão apenas administrativa”.

Em 2012, o governo lançou o programa Pronacampo, que tem como objetivo oferecer ajuda técnica e financeira para os estados e municípios que investirem em escolas rurais e quilombolas. No lançamento, o então ministro da Educação, Aloizio Mercadante, apresentou números que demonstram o tamanho do problema da educação no campo. Até aquele ano, 90% das escolas não tinham acesso à internet; 15% não tinham energia elétrica, 10% não possuíam água potável e 14% não têm esgoto sanitário.

“O campo revela todas as negações de direitos existentes na sociedade. Ao caminhar pelo Norte e Nordeste, percebemos que temos populações que ainda não têm acesso a direitos básicos, como a educação. Há lugares nos quais a casa de um morador vira a escola. Em outros, há escolas próximas de rios que funcionam dentro de barcos. Há aquelas ainda que funcionam nas associações de bairro locais ou as temporárias, que funcionam debaixo de árvores. Temos essas realidades de precariedade nas escolas também nas periferias da cidade, pois é uma realidade da escola pública. Por isso, a luta pela educação pública deve ser uma luta do campo e cidade de forma conjunta”, diz Divina.

De acordo com Alessandro Mariano, do setor de educação do MST no Paraná, o movimento observa que, mesmo passados dois anos desde o lançamento do programa, a situação não melhorou no campo. “A maioria das escolas são unidocentes (apenas um professor) e são multiseriadas”, aponta.

Divina aponta ainda que nos municípios do nordeste, a explicação para o fechamento das escolas está na relação de custo benefício dos municípios. “Após fechar a escola, a medida tomada pelos municípios é a de garantir o transporte escolar, para que o aluno seja deslocado de uma comunidade para a outra. Mas isso não resolve o problema do estudante, que, por muitas vezes, não consegue sair de sua comunidade, dada a falta de estrutura ou temporadas de chuva”.

A pedido do Centro de Referências em Educação Integral, Divina Lopes, integrante da Coordenação do Coletivo de Educação do MST, comentou as principais reivindicações em prol da educação no campo:

Conteúdo escolar no campo

“O campo deve ter acesso àquilo que existe de mais avançado na produção de conhecimento. Lutamos por uma educação de qualidade que leve em consideração as mais diversas formas e identidades. São vários grupos que vivem no campo: indígenas, sem-terra, quilombolas. É preciso fortalecer a cultura desses povos, conhecer suas histórias e, por meio da educação, mostrar que eles podem ser responsáveis por essa diversidade. A educação do campo, e a educação pública de forma geral, deve objetivar que crianças e adultos conheçam melhor sua realidade. Os nossos educandos devem ter acesso ao currículo oficial. Não é porque estão no campo, que devem acessar um conhecimento minimizado, mas sim  incorporar na escola a realidade dos estudantes do campo, fazendo com que compreendam melhor o contexto no qual estão inseridos”.

Custos

Nós sabemos que para garantir uma escola do campo, o custo por aluno precisa ser mais alto, mas alguns alguns municípios não respeitam.  No campo, quando existe uma escola-polo, é necessário ampliar o investimento com infraestrutura, pois uma só escola agrega um grande número de estudantes vindos também de comunidades próximas.  Existe também a questão dos educadores, nem todos os educadores são da comunidade; os que são de fora têm que receber a mais para conseguir chegar e voltar do campo.

As escolas de alternância – o período integral no campo

O custo da escola se relaciona também à infraestrutura escolar, que deve ser adequada para abrigar os estudantes em período integral.  Muitas escolas do campo funcionam em período de alternância, nas quais os estudantes passam cerca de 15 dias na escola e 15 em casa, sendo essa uma alternativa ao fechamento das unidades. A escola, porém, deve estar preparada para alojar tantos estudantes, ter alimentação e espaços para dormir. O modelo de alternância é o mais viável em regiões que possuem grandes períodos de chuva, impossibilitando os estudantes de chegarem e saírem da escola.

Relação do homem x natureza

Defendemos que os conteúdos escolares dialoguem com a relação entre homem e natureza, a partir do conceito de agroecologia, que é uma alternativa de produção da vida no campo, dos alimentos, do cuidado com a terra e da biodiversidade. Essa forma de pensar o campo se contrapõe à forma como campo vem sendo ocupado – com monocultivos, presença de agrotóxicos. Outro tema que deveria ser abordado no conteúdo das escolas no campo são as formas organizacionais do sujeito do campo. O respeito aos diversos modos de se organizar dos assentados, quilombolas ou indígenas.

As escolas dos assentamentos

Nas escolas de assentamentos, tentamos fomentar a autonomia do estudante, mostrando a eles que podem ser construtores da escola que fazem parte. Estimulamos a participação, auto-organização, para que assim eles próprios se organizem e proponham soluções à escola e apontem aquilo que ainda falta no ambiente escolar. Assim, a escola vai sendo o espaço de abarcar também a cultura política de lutas e reivindicações. Isso é um diferencial das escolas situadas em assentamentos do MST.  Em nossas escolas, os estudantes reivindicam, avaliam, não são sujeitos passivos, pois exercitam a prática política da luta, de uma construção sempre coletiva, pois nosso desejo é formar sujeitos capazes que participem de sua própria escola.

Escola como ponto de encontro e debate da comunidade

Cotidianamente, professores e militantes discutem formas para alterar a escola do assentamento da escola convencional. Pois nossa escola se movimenta de acordo com nossas atividades e lutas. Não é uma escola à parte da sua comunidade. No assentamento, a escola cumpre um papel muito importante, já que ela é também o centro cultural e ponto de encontro do assentamento. Geralmente, a utilizam para ver filmes, debater, participar das apresentações culturais, fazendo da escola um centro de referência cultural dentro dos assentamentos.

Redação

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