Guerra contra a educação, por Vladimir Safatle

Jornal GGN – Em sua coluna na Folha de S. Paulo, Vladimir Safatle acusa Geraldo Alckmin (PSDB) de governar o Estado de São Paulo como se fosse “um imenso cafezal adquirido por herança”, criticando a maneira como o governador vem conduzindo a questão da reestruturação do ensino estadual e das escolas ocupadas.

Para o professor da USP, Alckmin se beneficia da “manemolência midiática”, e, ao invés de tentar melhorar o sistema de ensino, o governador decide reduzi-lo para caber em um orçamento reduzido. Leia mais abaixo:

Enviado por anarquista sério

Da Folha

Guerra contra a educação
 
Vladimir Safatle
 
O governador Geraldo Alckmin governa São Paulo como se aqui fosse um imenso cafezal adquirido por herança. Sua lógica não é muito diferente daquela própria aos antigos barões do café que tomavam decisões sobre a província de São Paulo em salões fechados, viam manifestações e greves como crime produzido por “arruaceiros” a quem a única resposta era o porrete da polícia e estavam mais preocupados sobre o que saia nos jornais do que como a população, de fato, recebia suas “medidas administrativas”.
 
O governador pode vestir trajes de barão do café porque é beneficiário da “manemolência midiática” vinda de certos setores da imprensa. Isso significa que seu governo poderá ser julgado em processos no exterior por casos de corrupção no metrô, sua incompetência poderá produzir crises hídricas e racionamentos de água, seu governo poderá criar uma situação educacional classificada por seu próprio secretário da Educação como vergonhosa, mas nada disso se transformará em investigação implacável, como vimos várias vezes quando se trata dos desmandos do governo federal. Como um grande barão, ele irá pairar acima de suas próprias catástrofes.

 
Neste exato momento, seu governo aprova decretos que lhe permitirão fechar escolas, deslocando alunos para salas superlotadas e eliminando “salas ociosas”, resultantes da fuga de professores e alunos do sistema estadual com sua qualidade falimentar. Há anos os profissionais de ensino público procuram denunciar os resultados de uma política que afugenta bons professores devido aos baixos salários, que não garante condições mínimas de ensino em escolas sucateadas, sem bibliotecas e infraestrutura. Ao invés de melhorar o sistema, ouvindo seus professores e alunos, ele resolveu diminui-lo para que ele caiba em um orçamento em queda. Em outros lugares do mundo, os governos lutam para abrir escolas. Aqui, o governo briga para fechá-las.
 
Como nosso barão do café assustou-se com o fato de os alunos não agirem passivamente como gado, sua Secretaria da Educação declarou preparar-se, vejam só vocês, para uma “guerra”. Esta guerra envolveria, entre outras coisas, o esforço estatal em reverter o quadro negativo de notícias. Assim, enquanto decide o futuro de centenas de milhares de alunos soberanamente por decreto saído da cabeça de seus tecnocratas, sem sequer enviar seu projeto à Assembleia Estadual, o governo diz que são os alunos que “não querem dialogar”. Enquanto manda sua polícia prender alunos, espancar professores e receber adolescentes com spray de pimenta, ele afirma que os manifestantes são violentos. Neste exato momento em que você lê este jornal, há alunos sendo tratados pela polícia como criminosos por se recusarem a aceitar a “reformulação” de suas escolas. Mas temo que nada disso irá realmente sensibilizar muita gente. Para um certo setor da população paulistana, como bem disse Jean Wyllys, fechar a Paulista é mais preocupante do que fechar escolas.
 
Como não poderia deixar de faltar, sobrou também para as universidades paulistas: “Não há nada mais corporativo do que a USP, Unicamp e Unesp”, disse nosso governador nesta semana, talvez com medo dos professores universitários começarem campanhas para se solidarizar com os estudantes. Ou seja, se a situação das universidades de São Paulo é deplorável, não é porque elas triplicaram de tamanho com a mesma dotação orçamentária, nem porque seu partido impôs um reitor à USP que foi capaz de produzir déficits bilionários. A culpa, é claro, só poderia ser do “corporativismo” que não enxerga o maravilhoso trabalho de melhoria da educação pública feito por seus tecnocratas no Tucanistão. O filósofo dinamarquês Søren Kierkegaard costumava dizer que o pior defeito do ser humano é a transferência de responsabilidade. Meditemos.
 
Se me permitirem, gostaria apenas de lembrar ao governador que há sim algo mais corporativo do que nossas universidades. Basta que ele olhe para dentro de seu palácio de governo. Afinal, não seria seu partido algo mais parecido a uma corporação que acredita ter o direito censitário e eterno de nos governar sem nunca ter que ouvir, abrir a circulação efetiva de informações, responder por suas decisões equivocadas e rever processos a partir da pressão da população? Bem, mas para quem vê o Estado de São Paulo como um cafezal, as práticas de governo são outras. 
Redação

13 Comentários

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  1. O que esta imprensa podre fez com este senhor!

    O cargo de governador é muito importante e desafiador e este apoio incondicional do pig bandido tira qualquer possibilidade de uma pessoa com o alkimim de fazer um governo pelo menos só ruim. É um apoio corrompedor, impossível de também não corromper. Fizeram o mesmo com o aécio cunha.

    Devemos mais esta ao pig. só não vê quem não quer.

    O mal que este pig bandido e golpista faz a este país é incomensurável.

    1. Revelando os verdadeiros valores

      Alckmin escancarou os seus valores fascistas.

      As grandes empresas de comunicação social (Globo, Folha, Estadão, Abril) constituem a essência do golpe contra o Estado Democrático de Direito.

      A imagem do “cafezal” representa muito bem o autoritário Estado Plutocrático que se pretende implantar.

  2. O barão e o cafezal

    Obrigada, Vladimir. Um intelectual com coragem para dizer, na Folha da velha elite de S. Paulo, a verdade do atual governo paulista e seu sucateamento da educação, em todos os niveis.

     

      1. Tenho que concordar.

        Foi o povão mesmo, embora muito influenciado pela mídia que pertence a essa elite.

        Mas foi o povão, basta dialogar em qualquer lugar e notar como apoia esse partido. 

        Falta muito discernimento para esse pessoal. 

      2. Não, foi a velha elite

        Não, foi a velha elite paulista + os coxinhas + analfabetos políticos, vítimas da péssima educação do PSDB nas últimas décadas…

        1. Não foi a velha elite

          Essas impesandas ou propositais generalizações pecam e fazem indisfarçável injustiça histórica: Tivemos ‘barões’ e “barões” do café, o que os faziam bastante diferentes uns dos outros. Tivemos a ‘velha elite paulistana’ e a “velha elite paulista”, uma bem diferente da outra. Não fosse os bons barões ou a boa elite não teria havido a alforria antecipada, não teria se possibilitado a largada para emprego ou recepção dos imigrantes que com chances venceram por seus méritos, nem sequer a república haveria. Por isso, seria legal se quando se falasse dos velhos barões e das velhas eleites, diferenciasse-as, eis que foi de dentro delas é que sairam as fagulhas de coragem para inciativas e os enfrentamentos (inclusive de seus ”pares” e “parentes”) para a evolução humana e social da sociedade paulista e brasileira 

  3. Discordo.O avô do meu avô

    Discordo.

    O avô do meu avô materno era um homem muito rico, dono de um imenso cafezal que seria herdado pelos descendentes dele. Na virada do século XIX para o XX, durante a primeira grande crise dos preços do café, aquele meu antepassado perdeu tudo. O resultado foi devastador.

    Meu avô dizia que nasceu rico e aos três anos de idade ficou pobre. A situação do avô dele e do pai dele ficou tão ruim, que a fazenda foi abandonada. Décadas depois já havia voltado a ser floresta. Quando eu era criança na década de 1970 meu avô, já idoso, retirava madeira do que fora o cafezal do avô dele. Eu mesmo estive naquela propriedade várias vezes e fiquei assombrado ao saber que naquele mato fechado um dia havia existido um cafezal imenso e lucrativo. Por fim, após retirar a madeira que tinha algum valor comercial meu avô vendeu a gleba de terra a preço de banana.

    Alckmin não cuida do Estado de São Paulo como se fosse um cafezal. Se fizesse isto São Paulo não estaria voltando a ser um floresta abandonada, uma terra de ninguém pobre e palmilhada por jagunços que espancam crianças como se elas fossem indígenas e como se estivéssemos no século XVII.

    Há uma diferença evidente entre meu antepassado e Geraldo Alckmin. O avô do meu avô era fazendeiro de café e faliu por razões alheias à vontade dele. Alckmin está falindo o cafezal paulista deliberadamente. 

  4. Corporativismo dos dois lados

    Vladimir, hedionda é a mecânica tucana, e o corporativismo dentro do Palácio inegável,  mas não menos nojenta é a corporativa pusilanimidade dos intelectuais da Academia, seus colegas, de uma profilaxia atroz, que mais uma vez silenciam, dormem em seus trabalhos acadêmicos,  gabinetes, nas suas bolsinhas capesianas. 

  5. Corporativismo dos dois lados

    E o corporativismo inominável,  asséptico,  de gabinete, de bolsas capesianas, não de hoje, incapaz de recorrer à sociedade – e ir às ruas –  e a eventos terríveis como este de descontrole da polícia do sr Alckmin?

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