“Nosso modelo curricular é ultrapassado, enciclopédico e nada flexível”

Ricardo Henriques, superintendente executivo do Instituto Unibanco, defende a flexibilização do currículo no ensino médio como uma das prioridades na educação 

Por Caio Zinet do, Centro de Referências em Educação Integral

Os desafios do ensino médio são muitos, estruturais e começam nas etapas iniciais de ensino. A avaliação é do superintendente executivo do Instituto Unibanco, Ricardo Henriques, em entrevista ao Centro de Referências em Educação Integral, na qual avalia os problemas do ensino médio e a importância da gestão escolar para superá-los.

“Fortalecer a gestão das escolas públicas, de forma articulada com a melhoria da gestão da rede de ensino, tende a gerar impacto significativo na qualidade, aumentando a aprendizagem e reduzindo as desigualdades entre os estudantes”, afirmou.

Ele defendeu mudanças estruturais no currículo do ensino médio por acreditar que existem muitas disciplinas obrigatórias que tornam nosso modelo “ultrapassado, enciclopédico, com excesso de disciplinas obrigatórias, nada flexível e desconectado do mundo do trabalho e das demandas da sociedade contemporânea”. Leia a entrevista na íntegra.

Centro de Referências: Como você avalia o papel do ensino médio na vida de um jovem brasileiro?

Ricardo Henriques: O jovem que cursa o ensino médio, na faixa etária dos 15 a 19 anos, passa por um momento decisivo de definição de seu projeto de vida. Nesse sentido, precisamos de uma escola que dialogue com os interesses, as demandas e as expectativas desses estudantes e que amplie suas possibilidades de escolhas ao final dessa etapa. Ao mesmo tempo, é necessária uma escola que forneça, de forma estruturada, os conhecimentos cognitivos e socioemocionais relevantes, e cumpra sua função de formar as novas gerações para a participação cidadã, crítica e autônoma, possibilitando ao jovem circular e atuar com desenvoltura e competência no mundo contemporâneo.

CR: Como você avalia a qualidade do ensino médio brasileiro? Quais são os principais desafios a serem superados? 

R.H: Os desafios são muitos e estruturais. É bom lembrar que eles começam já antes dessa etapa, pois muitos jovens chegam ao 1º ano com sérias defasagens em relação ao que deveriam ter aprendido no final do fundamental. Isso sem falar nos que abandonam a escola antes mesmo de ingressar no antigo 2º grau e que precisam urgentemente voltar à escola para não comprometer seu futuro. No médio, faltam professores, vagas no diurno, estrutura física e gestão nas escolas. Além disso, o modelo curricular é ultrapassado, enciclopédico, com excesso de disciplinas obrigatórias, nada flexível e desconectado do mundo do trabalho e das demandas da sociedade contemporânea. Essa estrutura do currículo associada a práticas pedagógicas pouco dinâmicas tornam a escola desinteressante para o jovem de hoje.

CR: Então o currículo é uma questão central a ser enfrentada no ensino médio?

RH: Certamente. Diante de um quadro expressivo de evasão escolar, em que pouco mais de 50% dos jovens de 18 anos conseguem concluir essa etapa, o currículo é um elemento-chave para a permanência e conclusão com sucesso. Vale destacar, no entanto, que uma reforma curricular sem garantir as condições mínimas de ensino e aprendizagem – materiais, de formação inicial de professores e de gestão –, não resolverá o problema. Sem uma infraestrutura adequada, sem professores bem formados nas Universidades e preparados para serem os agentes desse currículo, que dialoga com os jovens, esse desafio é ainda maior. Fazer mudanças urgentes é necessário para que o Brasil avance sem desperdiçar o potencial de mais gerações.

Ricardo Henriques, do Instituto Unibanco / Crédito: Lucas Ismael

Ricardo Henriques, do Instituto Unibanco / Crédito: Lucas Ismael

CR: Qual o papel da gestão escolar na superação desses desafios? 

R.HTodo o esforço da gestão deve estar voltado para a melhoria da aprendizagem de todos os estudantes e a redução das desigualdade no interior de cada escola e entre escolas. Questões como a evasão escolar e a defasagem idade-série precisam estar no foco das ações. Faz-se necessário um diagnóstico contextualizado que enfrente, de forma explícita, as causas das taxas de evasão e defasagem e dos níveis críticos de desempenho dos estudantes. Com base nesse diagnóstico, a equipe gestora precisa desenvolver em seu planejamento ações para enfrentar estas questões, estabelecendo metas claras e responsabilidades a serem monitoradas de forma rigorosa e contínua. Nesse sentido, fortalecer a gestão escolar das escolas públicas, de forma articulada com a melhoria da gestão da rede de ensino, tende a gerar impacto significativo na qualidade, aumentando a aprendizagem e reduzindo as desigualdades entre os estudantes.

C.R – Quais elementos devem balizar o currículo do ensino médio? 

R.H: O processo de construção da Base Nacional Comum Curricular está em curso. A definição dos conhecimentos que os estudantes do ensino médio devem apresentar ao final de cada ano deve contemplar conteúdos que dialoguem com os interesses e projetos de vida dos jovens e considerar ainda as competências necessárias no século XXI. É imprescindível que seja garantido o direito aos conhecimentos historicamente construídos e que são cruciais, em cada uma das quatro áreas de conhecimento, para o desenvolvimento das diversas competências necessárias para o efetivo exercício da cidadania. Além disso, reconhecer a diversidade dasjuventudes existente no País e garantir que esses jovens sejam ouvidos e façam parte dessa construção. Diante desse contexto, a possibilidade de oferecer aos estudantes a opção de traçar percursos distintos no ensino médio deve ser considerada.

C.R: Como você avalia a ideia de ter um currículo flexível onde o estudante e a escola tenham mais liberdade para escolher as disciplinas?

R.H: Acredito que flexibilizar o currículo do ensino médio é uma urgência. Isso implica uma revisão relevante que comporte, simultaneamente, um conhecimento comum a ser compartilhado por todos estudantes e um conjunto de escolhas, tanto no campo propedêutico como no campo técnico, que permita cada estudante eleger um percurso formativo que completaria seu ciclo de estudos do ensino médio.

Atualmente, temos um currículo, como falado anteriormente, com um volume enorme de matérias obrigatórias, em que todos os estudantes devem estudar todos os conteúdos de todas matérias. Diante de uma Base Curricular Comum Nacional, desdobrada na escola, os estudantes passariam a estudar obrigatoriamente o que é o “comum” e, a partir disso, exercer sua escolha sobre um conjunto finito e estruturado de caminhos que estejam alinhados a suas expectativas individuais e projetos de vida.

CR: Como isso poderia estar sendo organizado concretamente?

RH: Dentre as 2.400 horas (preferencialmente 3.000 horas) que compõem a carga horária do ensino médio, deveríamos dispor de cerca de 50% do tempo dedicado ao que remete ao “comum”. Isso permitiria desenvolver competências associadas a um conhecimento global das chamadas “áreas de conhecimento”, que seria reconhecido como o conhecimento a ser compartilhado de forma universal por todos estudantes. A partir desse núcleo comum, cada estudante, para completar a formação, teria assegurado o direito à escolha de um percurso de aprofundamento de estudos específicos, atendendo os que pretendem seguir trajetórias tanto rumo à universidade como ao ensino técnico.

Essa organização do ensino médio abre, do ponto de vista operacional, vários desafios. Destaco dois para discussão: o sistema de avaliação e certificação e a estruturação da oferta de distintos percursos formativos. A adaptação do sistema de avaliação e certificação implicaria o Enem (ou avaliação externa equivalente) ser modulado de modo a captar, por um lado, o conhecimento global associado ao núcleo comum do currículo e, por outro lado, o conhecimento aprofundado de cada uma das áreas de conhecimento. No que se refere à estruturação da oferta, as redes de ensino necessitariam ter uma visão integrada dos territórios e, sobretudo em regiões com menor densidade demográfica, segmentar a oferta de caminhos a partir da especialização de escolas em alguns dos campos de escolha.

Redação

10 Comentários

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  1. Os institutos empresariais e a privatização por dentro do sistem

    Os institutos empresariais e a privatização por dentro do sistema público.

    Consultorias pedagógicas e administrativas e a produção e venda de kits pedagógicos constituem o que de mais sutil há naprática privatista da educação pública brasileira. Institutos como o INIBANCO, Fundação Airton Sena, Todos pela Educação e vários outros, têm disseminado análises e buscado pautar as políticas públicas educacionais. Sem alarde, os ideais privados têm ivadido as escolas públicas de grandes e pequenos municípios ensinando “boas práticas de gestão” e o conhecimento que deve ser trabalhado com os estudantes para que eles saiam do sistema em “sintonia” com o mercado. 

  2. Querem que os alunos saiam

    Querem que os alunos saiam das escolas “rezando” pela cartilha do “deus” mercado.

    Quando se ouve muito a palavra “gestão” e pouco a palavra “conhecimento” nessas cantilenas, há que se ficar preocupado.

    O sonho desse povo é transformar as escolas públicas em “OSs” a serem administradas, lógico, por todos eles (Fundação Ayrton Senna, Instituto Unibanco, Itaú-Neca Setúbal, Fundação Bradesco, Fundação Roberto Marinho, etc, etc).

    Reformar currículo = menos matérias de humanas na grade curricular. Intenção de afastar os jovens dos conteúdos e pensadores de esquerda.

  3. Vou aproveitar o tema.

    Não querendo discutir a validade das propostas, que, como professor, considero pertinentes, mas gostaria de acrescentar algumas observações originárias de minha experiência em sala de aula. 

    Acredito sinceramente que hoje, ao ser matriculado aos seis anos em uma escola, está assegurado aos alunos a sua saída aos dezoito ao final do ensino médio. O que aprendeu – ou se aprendeu – não está sendo levado em conta. Não quero entrar no mérito das exceções, mas algo vem acontecendo, e trágico.

    Como professor da área de exatas, era de se esperar que os alunos não só possuissem conhecimentos básicos de matemática e das disciplinas científicas, bem como curiosidade e interesse. Vã ilusão. Procedimentos algébricos que deveriam ter sido  aprendidas até mesmo no primeiro grau são desconhecidas. Conceitos elementares de Física e Química igualmente. Sem entrar no mérito da falência – ou não – das escolas públicas (falo por que possuo alunos delas provenientes) me impressiona que um grande número vêm de escolas particulares e a bem da verdade estão na Faculdade não por vontade de estudar mas simplesmente por que acabaram um ciclo e têm outro a cumprir.

    A sensação é que os pais delegaram a obrigação de ensinar, e verificar se os filhos estão estudando, ou não,  às escolas. Estas por sua vez parecem estar com receio de reprovar os alunos que não assimilaram um conteúdo mínimo. E pior, uma vez que passam e julgam possuir afinidade com alguma área específica, partem com toda boa vontade para fazer os cursos dos sonhos ( estou exagerando). Evidentemente que as Faculdades os recebem de braços abertos. E assistimos aos ciclos básicos cheios e poucos alunos nos anos seguintes, e não só por questão financeira.

    Enquanto a estrutura do ensino for pensada em o que ensinar para o indivíduo fazer um curso universitário, como acredito vem sendo feito, enquanto ser professor for considerado uma profissão menor, enquanto os pais continuarem ignorando que a eles cabem cobrar dos filhos o empenho, vamos assistir nossa derrocada ao quarto mundo.

  4. livro?

    Não se falou em “livro” em nenhum, nenhum momento! (batam um ctrl-F aí; o resultado é 0)

    É a galera que quer melhorar a educação sem livro, sem biblioteca, sem leitura, sem leitor, só gestão.

     

     

  5. Isso vai criar uma geração de adultos frustados!

    Como você pode dizer pra um guri de 11, 12 ou mesmo 15 anos que ele vai abrir mão de conhecimentos genéricos pra escolher entre humanas ou exatas? Isso é absurdo!  Em muitos casos, acho absurdo exigir que um garoto de 18 anos escolha o que vai fazer pelos próximos 45 ou 50 anos.  A maioria simplesmente não estã pronta!

    Se for flexibilizado, certamente vai ter desinvestimento nesse currículo.

    A gurizada vai ser pressionada a escolher aquilo que “dá emprego”.  Entenda-se por isso: trabalhar em uma mega corporação.

    Nem vou falar sobre criar jovens que não têm a inútil matéria de Filosofia ou Sociologia que não vão pensar ou questionar a própria realidade.  Vão ser os que dirão “sim, senhor!” a tudo.

    Talvez aí esteja a questão.

  6. Maravilha! Só seriam dadas as disciplinas p/ q há professores

    Ironia on, claro. Já faltam professores de diversas disciplinas, os outros estao sendo pressionados a ensinar conteúdos que nao dominam, se é tornado nao obrigatório, entao…

    Até acho que o currículo é engessado e precisaria mudar. Mas nao sob a ótica que interessa ao Instituto Unibanco.

  7. não é possível

    Em que pese a formação e o currículo do Ricardo Henriques, suas reflexões já não são importantes nesse setor (educação), considerando o seu vínculo empregatício. Jamais os interesses sociais serão coincidentes com os interesses de banqueiros. Existem milhares de estudiosos isentos e mais qualificados para opinar acerca do sistema de educação no Brasil.

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