Novo corte orçamentário do MEC pode afetar programas de Educação Integral

Governo não se pronunciou sobre os impactos na educação básica, mas especialistas indicam que áreas também serão afetadas

Por Suzanna Ferreira do, Centro de Referências em Educação Integral

“A formação de professores na educação básica é uma das principais prioridades do governo”. A afirmação foi feita pelo Ministro da Educação, durante audiência pública que ocorreu na terça (9/6), na Comissão de Educação, Esporte e Cultura do Senado Federal, em Brasília. A fala faz parte de outros recentes pronunciamentos públicos do ministro, a respeito do último corte orçamentário promovido pelo Ministério da Educação (MEC).

Entretanto, ainda há um clima de incerteza em relação ao compromisso do Ministério com a educação básica. O Centro de Referência em Educação Integral procurou a Subsecretaria de Orçamento do MEC, por meio da assessoria de imprensa, para obter mais esclarecimentos, mas não obteve sucesso. A resposta, por meio de uma nota oficial, apenas afirma que o MEC assegura a manutenção das ações voltadas para a educação básica: “o governo federal preserva os programas e ações estruturantes e essenciais do MEC, e Programas como Programa Dinheiro Direto na Escola (PDDE), Merenda e Transporte não receberam cortes”. O PDDE é essencial para a execução do Mais Educação, principal política pública do MEC voltada para a educação integral.

Entretanto, para os especialistas ouvidos pela reportagem, há, sim, riscos de cortes que afetem a educação básica. “O MEC deveria se posicionar com mais transparência e não de forma evasiva. Não tem como pensar que a educação básica e fundamental não serão afetadas diante um corte tão grande”, diz Salomão Ximenes, coordenador da Ação Educativa.

Educação Integral se configura como despesa não obrigatória

No orçamento para a educação no ano de 2014, de R$102 bilhões, 40% refere-se à despesas discricionárias, também chamadas de voluntárias: são aquelas que não demandam obrigatoriedade de execução pelo gestor. No valor disposto para a educação básica no mesmo ano é constatado que de R$9 bilhões, R$8 bilhões foram para despesas dessa natureza.

Parte significativa desses gastos correspondem à educação básica, envolvendo programas como Pró Infância e o Mais Educação. De acordo com José Marcelino, presidente da Associação Nacional de Pesquisa em Financiamento da Educação (Fineduca), é mais fácil aplicar o corte nesses programas cujas despesas não são fixas e o investimento é considerado voluntário, portanto, são investimentos “frágeis” na medida que podem ser suspendidos sem nenhum impedimento legal.

Para Marcelino, que também é professor da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São Paulo, observa-se nos últimos anos uma tendência no aumento de despesas de configuração voluntária; a solução para esse impasse seria uma política ministerial norteada pelo Custo Aluno Qualidade Inicial (CAQi), viaFundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb). “Nesse caso, esses imensos cortes seriam inviáveis, pois tirar dinheiro do Fundeb é inconstitucional”, diz.

Leia + : Financiamento na Educação deve contemplar expansão e qualidade como elementos indissociáveis

A falta de um acordo mais consistente já pode ser vista no momento em que a escola se inscreve no programa Mais Educação: não há um contrato, mas apenas um termo de adesão, “que eventualmente pode ser quebrado sem problemas jurídicos”, levanta Salomão.

O programa Mais Educação já estava sendo afetado desde o início do ano por conta de atrasos em pagamentos. “Isso aconteceu porque o MEC esperava a aprovação do orçamento, já neste momento, o corte é definido”, afirma.

Formação Docente

Segundo Salomão, os efeitos também podem recair na diminuição de vagas de concursos para docentes, além da possibilidade de cancelamento dos contratos que ainda não foram assinados. Já no corte determinado em programas como Ciências sem Fronteiras, os efeitos poderão ser medidos no final do ano. Especialistas entrevistados pela reportagem acreditam que haverá um aumento nos critérios e exigências para o estudante participar do programa; consequentemente, o número de bolsistas e pesquisadores será reduzido, diminuindo, assim, a verba destinada.

Execução orçamentária: o que realmente se gasta

No ano de 2013, o MEC anunciou um crescimento exponencial de 200% no orçamento destinado a educação.

De acordo com Salomão Ximenes, é possível vislumbrar esse crescimento. “Em 2010 o orçamento foi de R$53 bilhões e em 2014 o orçamento nominal foi de R$102 bilhões. Praticamente dobrou o nominal e aumentou em 80% o real”.

Mas a execução orçamentária – ou seja, quanto da verba destinada foi realmente gasta – apresenta uma contradição. Segundo Rodrigo Ávila, economista da Auditoria Cidadã da Dívida Pública, em 2014, o orçamento efetivamente executado pelo governo federal foi de 3,73%. Enquanto 45,11% do orçamento foi para juros e negociações de dívida. “A dívida pública consome mais de 10 vezes tudo que o governo federal gasta com a educação”, levanta.

O PIB também se configura como uma outra referência de análise comparativa. Ainda de acordo com Rodrigo Ávila, é preciso notar que quando o governo quer dizer que aumentou o valor do orçamento, ele muitas vezes considera os valores nominais, sem descontar inflação, incremento do PIB, ou o crescimento populacional. “Obviamente que houve um aumento, mas quando se considera esse valor em relação ao percentual do PIB ou percentual do orçamento federal, verifica-se uma estagnação”, contextualiza.

Em alguns casos, essa configuração de não execução ocorre por outros motivos. “A não entrega de serviços por fornecedores, como obras públicas, acabam se configurando em orçamento não executado”, explica Salomão Ximenes.

Já na linha histórica do orçamento executado nos últimos 12 anos, vemos que em 2002, último ano da gestão do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB), o valor autorizado nominal naquela época era de R$17,9 bilhões, que, deflacionado pelo IPCA, totaliza R$ 33,5 bilhões em valores atuais. Em contrapartida, no ano de 2014, no último ano da 1ª gestão do Governo Dilma, temos um valor autorizado de R$101 bilhões.

Os dados foram extraídos do Mosaico, uma ferramenta online de transparência orçamentária desenvolvida pela Diretoria de Análises de Políticas públicas (DAPP)da Fundação Getúlio Vargas (FGV), e teve a análise de Wagner Oliveira Monteiro, Pesquisador no Centro de Macroeconomia Aplicada da Instituição.

Investimentos na educação privada

Fundo de Financiamento Estudantil (FIES) teve a segunda edição de 2015 confirmada durante audiência pública com o Ministro, mas também deve sofrer alterações em suas condições de adesão, que deverão ser mais rígidas.

Ainda que o programa também sofra um corte, há uma desproporção visível em relação a outras áreas. De acordo com dados da plataforma Mosaico, em 2014 foi investido R$9 bilhões para a educação básica, já para a educação superior foi destinada a fatia de R$31 bilhões.

Essa parcela relaciona-se a programas como Prouni, FIES, entre outros. Este último pode aumentar a dívida pública, pois o Estado assume uma determinada dívida dos estudantes. Para Salomão Ximenes, há uma demanda legítima que que pede controle desses financiamentos. “Enquanto não havia tanta pressão orçamentária a tendência era expandir o investimento no ensino privado”, levanta.

Para o coordenador da Ação Educativa, a prioridade do governo no investimento do ensino superior privado  impacta a formação dos professores de educação básica, pois essa instituições se expandemsem um controle mais rígido de sua qualidade.

 
Redação

8 Comentários

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  1. E daí?
    Não tem problema não.

    O verdadeiro problema da educação brasileira é modelo.
    Basta sentar, conversar e pronto.

    Dinheiro? Pra que? Educação se faz com amor.

    Dinheiro só para carreiras jurídicas. Por isso temos um judiciário modelo no mundo.

    1. Cacilda! Quer fazer o favor de acrescentar IRONIA ON?

      Dado o seu histórico de comentários vc pode causar dúvidas… Tenho quase certeza de que é ironia, apenas manifestaçao do seu conhecido gosto por chocar, mas vamos e venhamos, nao custa deixar claro…

  2. E a pátria educadora?

    Pelo visto vai se resumir a dinheiro gasto para propaganda na televisão. Tem muito futuro um país que, apesar de ter uma das piores educações do mundo, corta investimentos nessa área e trata seus professores com porrete.

    1. Bola Fora

      Gabi,

      O pátria educadora foi mais uma bola fora, culpa da falta de traquejo político da Dilma.

      É um prato cheio para a oposição se banquetear sem fazer esforço. Falar em pátria educadora em um ano em que o MEC não tem dinheiro para nada é uma piada.

      Do que sei, há vários programas parados e sem fundos. Há estudantes de doutorado com bolsa de sandwich aprovada e que, possivelmente, não vão mais poder viajar para o exterior. Há programas como o Novos Talentos da Capes que não vê um centavo há meses e, provavelmente, não vão ocorrer esse ano. Isso só para citar dois casos específicos em que tenho conhecimento de causa. Isso para não falar na greve das federais, etc.

      Enfim, o Pátria Educadora foi um slogan de muito mal gosto. Já disse em outros posts que teriam se saído melhor com o “pátria fiscalizadora” (tinha mais ressonância com ajuste fiscal e o judiciário marcando em cima).

       

       

       

       

  3. Pre sal

    O que houve com o dinheiro do pre sal, 100% do lucro para educação, o governo brigou com unhas e dentes por isso não deixando ser desvidado para nada, não deu nem 5% para cobrir o deficit do INSS.

    O que houve com esse lucro?, para onde foi,

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