O fundamentalismo religioso na debate do Plano Nacional de Educação

Enviado por alfeu

Do Brasil de Fato

O fundamentalismo nosso de cada dia e a política de Educação

Por Cleomar Manhas, Brasil de Fato

Um deputado, cuja profissão é definida como “Ministro do Evangelho”, apresentou um voto em separado dizendo que as pessoas que defendem o que eles chamam de “ideologia de gênero” (sic) são antidemocráticos por não reconhecerem a heterossexualidade normativa.

O Plano Nacional de Educação está no Congresso Nacional desde dezembro de 2010, quando o ainda presidente Lula o enviou para apreciação e processo de votação. Passados três anos e alguns meses e muita discussão, ele foi votado na Câmara e no Senado, onde sofreu alterações e voltou à Câmara que acatará ou não o que foi modificado.

As entidades defensoras da política de educação, especialmente aquelas que lutam por educação de qualidade, estão acompanhando o processo desde então. E agora, no retorno à Câmara, foram surpreendidas pela oposição de vários grupos religiosos evangélicos neopentecostais e católicos conservadores, que se intitulam Pró-Vida.

O projeto apresentado à Câmara tinha no artigo segundo, inciso III a seguinte orientação: “Superação das desigualdades educacionais”. O relator, deputado Ângelo Vanhoni PT/PR, acrescentou o seguinte texto : “(..) com ênfase na promoção da igualdade racial, regional, de gênero e orientação sexual”. Além disso, ele inovou adotando em seu texto a linguagem de gênero em detrimento do masculino genérico. E esses dois pontos são a causa da oposição, com direito a manifestações grosseiras e pouco democráticas.
Há alguns problemas no PNE que precisam ser sanados para que de fato se tenha uma política de educação que resolva as desigualdades e promova educação de qualidade. Como, por exemplo, o que se entende por educação pública, pois do jeito como está cabe até mesmo os tais “cheques educação”, bolsas de estudos, convênios com instituições que não são fiscalizadas. Além do comprometimento da União com a necessária complementação orçamentária aos estados e municípios com base no Custo Aluno Qualidade Inicial (CAQi) e Custo Aluno Qualidade (CAQ), composto por insumos essenciais à universalização da educação de qualidade, com a garantia da aprendizagem.

Os mecanismos CAQi e CAQ foram criados pela Campanha Nacional pelo Direito à Educação, para calcular quanto custa ter escolas com insumos tais como salários dignos aos/as profissionais da educação, número adequado de alunos/as por turma, insumos infraestruturais, ou seja, bibliotecas, quadras poliesportivas, laboratórios de ciências e informática etc. O CAQi já foi aprovado pelo Conselho Nacional de Educação, no entanto, como a maior parte dos municípios brasileiros são pequenos e com baixíssima arrecadação, se não houver a devida complementação da União isso não se realizará e não haverá aprendizado universalizado e educação de qualidade para os próximos dez anos.

Pesquisa realizada em 2010 pelo Unicef em parceria com a Campanha Nacional pelo Direito à Educação detectou que há no Brasil 8,8 milhões de estudantes das séries iniciais e finais do ensino fundamental em risco de exclusão escolar por estarem em idade superior a recomendada para a série que frequentam. Além de já se ter 3,7 milhões de crianças e adolescentes fora da escola, sendo que 1,6 milhão encontram-se na faixa etária entre 15 e 17 anos, deveriam estar no ensino médio, mas abandonaram a escola antes disso, por inúmeras razões, que podem ser explicadas pelas diferentes desigualdades existentes, tais como: racial, de gênero, regional, de renda, ou ainda por preconceitos devido à orientação sexual, ou falta de acessibilidade para pessoas com deficiência nas escolas.

O que se poderia imaginar: que a sociedade como um todo se unisse para garantir recursos para a educação pública se realizar como educação de qualidade. E que os/as excluídos/as da escola ou em risco de exclusão fossem acolhidos/as e respeitados/as para que, ou retornassem, ou não evadissem da escola. Além disso, que se conseguisse, de fato, universalizar a aprendizagem que hoje é um grande problema, especialmente, entre a população de baixa renda.

No entanto, a principal pauta desses grupos agora mobilizados é a linguagem de gênero e a frase que diz que para superar as desigualdades educacionais é preciso enfatizar a promoção da igualdade racial, de gênero e orientação sexual.

Um deputado, cuja profissão é definida como “Ministro do Evangelho”, apresentou um voto em separado dizendo que as pessoas que defendem o que eles chamam de “ideologia de gênero” (sic) são antidemocráticos por não reconhecerem a heterossexualidade normativa. De acordo com suas palavras: “sob o pretexto de valorizar minorias sistemicamente marginalizadas, grupos articulados criam um verdadeiro açodamento na consciência civil, com discurso intransigente, linguagem chula e debates violentamente promovidos com vistas à suplantar quaisquer posições divergentes. A política de gênero sob o manto da diversidade e realização dos interesses da minoria propõe insistentemente uma verdadeira ditadura influenciativa (sic), que quer impor seus valores a todo custo, em todos os extratos sociais, com especial modo de agir sobre a infância.”

Veja-se que os grupos que não reconhecem a diversidade e que a sociedade é algo mais do que dizem os manuais da tal heterossexualidade normativa distorcem os fatos para os seus/suas fiéis, dizendo que os/as defensores/as dos diretos humanos impõem seus princípios a qualquer custo, não reconhecendo que a grande questão que se apresenta, especialmente na educação, é a superação das desigualdades e a construção, de fato, do Estado Laico, que apesar de estar em todas as constituições, desde 1891, ainda não se realizou.

O que se constata é que pensamentos obscurantistas como os dos grupos que se mobilizam contra o respeito às diferenças no Plano Nacional de Educação, ou das pessoas que responderam à pesquisa do Instituto de Políticas Econômicas Aplicadas (IPEA) que a forma de as mulheres se vestirem ou comportarem as fazem sujeitas à violência sexual, contribuem para que as estatísticas de violência contra mulheres, gays, lésbicas, travestis, transexuais aumentem. Além de servir como antídoto à necessidade premente de se construir políticas públicas para todos e todas, sem distinção.

O que se precisa é a defesa intransigente de políticas que sigam o princípio apresentado por Boaventura de Sousa Santos, ou seja, “Temos o direito a ser iguais quando a nossa diferença nos inferioriza; e temos o direito a ser diferentes quando a nossa igualdade nos descaracteriza. Daí a necessidade de uma igualdade que reconheça as diferenças e de uma diferença que não produza, alimente ou reproduza as desigualdades.”

Cleomar Manhas é assessora do Inesc e doutora em educação pela PUC/SP.

Redação

18 Comentários

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    1. Obrigado por dar de graça os

      Obrigado por dar de graça os votos dos evengélicos para a direita.

      A religião é expressão cultural e como tal deve ser respeitado pelo estado.

      A igreja é uma instituição da sociedade civil organizada e portanto ente politico atuante, que tem o direito de defender seus principios e interesses.

      Em uma republica democratica a minoria não pode impor seus interesses a revelia da maioria, assim como a republica não pode se tornar uma ditadura da maioria, a minoria deve ser respeitada.

      O processo democrático deve ter o objetivo de obter o consenso entre maioria e a minoria.

       

        1. Se não estiver de acordo com

          Se não estiver de acordo com a lei deve pagar, mas não seria mais importante fiscalizar quem recebe do governo para dar assistência como as ONGs, MST entre outros que não existem oficialmente.

          Igrejas são faxeis de achar e o que fazem, ONGs não são faceis de fiscalizar, o MST a gente nem sabe onde fica não tem endereço CNPJ, responsavel civil e criminal e são comtemplados com verbas fedrais para roubar assaltar matar invadir. 

          1. Não são excludentes. Se cobra

            Não são excludentes. Se cobra de A tem de fazer o mesmo com B. simples assim. Essa mania de cia o que não é feito com A para também não fazer com B é que leva o país a um estado deprimente. Se A é perdoado pelo crime, vamos perdoar de Ba Z.

    2. Tá podendo, hein, Ivan!

      O Alianssa acha que você comanda sozinho os votos de todos os evangélicos com um único argumento!

      (Não escrevi o nome do “Alianssa” desavisado não, sei que o certo é “Aliança”. Escrevi assim de propósito, pra combinar com o estilo usual dele…)

  1. Fundamentalismo LGBT

    O que esse pessoal do fundamentalismo LGBT não gosta de falar é que o casamento legal é apenas o heterossexual, ou pelo menos é isso o que a Constituição diz.  O STF, ao querer legalizar o casamento gay, está passando por cima da Constituição.  Pode até ser que legalizem o casamento gay no futuro, mas para isso seria necessária uma emenda constitucional primeiro, e não fazer tudo pela porta dos fundos como o STF/CNJ está fazendo.

    Esse artigo é de uma esquerdista típica: muito vitimismo, muita manipulação.  Com governos de esquerda, todo mundo tenta obter privilégios para o seu grupinho (ou grupão) e arranja um jeito de mamar nas tetas do governo.  Os esquerdistas dizem que são a favor da diversidade, mas não toleram ninguém que tenham opiniões diferentes das deles.

    Essa separação entre  estado e igreja que a autora menciona já existe há décadas no Brasil.  Mal dá pra acreditar que tenha gente que defenda bizarrices como o transexualismo e o homossexualismo como se fossem coisas boas e positivas, querendo forçar que toda a população goste de uma nojeira dessas.  Querer que todo mundo goste de homossexualismo é parecido com querer obrigar que todo mundo goste de ficar bêbado todos os dias.  E quem ousar falar mal dos bêbados é um preconceituoso, e pode ser acusado por crime de “Bebadofobia”.

    E ainda querem tornar o incentivo ao gayzismo oficial, ensinando às crianças nas escolas que ser gay é normal, num verdadeiro processo de Surubatização do ensino público.  Mas ao contrário do que a esquerda tanto prega, libertinagem não é uma qualidade.

    E quanto à crítica velada ao movimento Pró-vida, aí a coisa fica pior ainda.  Todos têm direito à vida, não é preciso ser religioso para defender isto.  O que essas feministas como a autora fazem é incentivar que mães matem os seus filhos, coisa que com certeza nem a Rachel Sheherazade ousaria fazer.  E só pra constar: fazer apologia ao homicídio, como essas Feminazzis fazem, é crime.  E lugar de mães assassinas é na cadeia.  Sem mais.

    1. “acreditar que tenha gente

      “acreditar que tenha gente que defenda bizarrices como o transexualismo e o homossexualismo como se fossem coisas boas e positivas, querendo forçar que toda a população goste de uma nojeira dessas.”

      Vou retificar seu texto:

      “acreditar que tenha gente que defenda o transexualismo e o homossexualismo como se fossem somente coisas boas e positivas, querendo forçar que toda a população aceite o gaysismo que é uma nojeira dessas.”

      Foca no movimento “nazi”gaysista e não no homossexualismo, um é problema da coletividade,  o outro é privado.

      1. É…  Embora eu nunca serei a

        É…  Embora eu nunca serei a favor do homossexualismo, até que eu sou relativamente indiferente a quem resolve entrar numa relação desse tipo, como escolha privada.  Pra mim o pior é quando querem transformar um comportamento em ideologia política.  Eu sou a favor da separação entre religião e estado, mas igualmente não acho que casamento deva ser uma questão de estado e de leis, incluindo relações heterossexuais.  Sou bem liberal neste ponto.  

        Relações afetivas são uma questão privada, e de qualquer jeito, qualquer casal poderia regulamentar sua relação “no papel” através de um contrato civil, mesmo que não existissem leis sobre o assunto.  Na minha opinião, querer regulamentar relações afetivas é um aumento de tamanho desnecessário nas atribuições do Estado.  Pra mim o fundamento da sociedade são os indivíduos, e não necessariamente a família, como está na Constituição.

        Mas não sou a favor de impor por lei que se proíbam as críticas ao homossexualismo, como forma de comportamento.  Acho que todos devem ser livres para criticar o homossexuallismo, assim como todos devem ser livres para criticar, por exemplo, um homem que resolva transar com três mulheres na mesma noite.  E assim como devem ter o direito de criticar qualquer religião também, se quiserem.

  2. Interessante a forma

    Interessante a forma discriminatória adotada ao mencionar a ocupação de dito deputado. Incrível praticarmos aquilo que se está lutando contra. “Ministro do Evangelho” é colocado como algo duvidoso pelo articulista. E a ocupação  é colocada como se não existisse a séculos. Para mim é menos prejudicial do que a enorme quantidade de gays pedófilos que são omitidos da população  por estes ativistas. É só pregar os dados estatísticos da psicologia que se ficará estarrecido em se saber como a maior parte deles ( não todos), foram abusados na infância, e como hoje adoram iniciar jovens de 12, 13, anos. Mas esta informação ninguém da, nem a ONU. Por Que será? Hipócritas.

    1. A coisa fica complicada

      A coisa fica complicada quando até a ONU adota uma postura dessas, tratando homossexualismo como uma questão de direitos humanos.  Direitos Humanos deveria ser alimentação, moradia, segurança.  Agora… ficar fazendo sexo é questão de direitos humanos?  O pessoal perdeu completamente o senso do ridículo.

      Se eu passasse uma cantada no meu chefe, e nós dois fôssemos para o motel hoje à noite, no dia seguinte o pessoal do meu trabalho ia ficar me chamando de várias coisas.  Mas defensor dos direitos humanos não seria uma delas.

      Não tenho como confirmar se é verdade ou não, mas uma vez eu li que o nível de pedofilia entre empregados da ONU é altíssimo.  Eles viajam para países pobres, defendendo alguma causa humanitária, e aproveitam a pouca fiscalização para mandar ver.  As pessoas costumam ter uma consideração tão alta pela ONU, mas esquecem que ela costuma ser um instrumento que os países usam para legitimar os seus próprios interesses a nível internacional.  Do mesmo jeito que os políticos atuam a nível nacional, na ONU temos toda a mesma politicagem, só que a nível internacional.

  3. Qual a diferença entre fundamentalismo gay/lgbt e religioso?

    Acho que o uso da palavra fundamentalismo, em relação aos evangélicos/religiosos, é pejorativo. Todas as ideologias, religiosas ou não, tem seus fundamentos, ou embasamentos, nesse sentido todas são “fundamentalistas” e/ou “fundamentadas”. O mesmo fundamentalismo da esquerda xiita que, ainda, acredita na “revolução” e tece elogios à Cuba, China e Rússia/Putin. E não adianta dizer a esses fundamentalistas da esquerda xiita que o muro de Berlim caiu, que a Rússia atual é corrupta e vive em funçao do capitalismo que tanta odiava/odeia. Quanto à China, e sua ditadura, sem o capitalismo estaria à mingua. No entanto, o esquerdista xiita e fundamentalista não ouve ou vê.

    Quanto ao texto do Plano Nacional de Educação, o mundo não é composto, só, de “genero ou orientação sexual”, mas, sobretudo, de sexo masculino e feminino. Ao contrário do que pensa as apologistas e ativistas fundamentalistas gays, Judith Butler e Camille Paglia para quem o ser humano é bisexual ou o masculino e feminino é só um construto social. Isto é, ser homem  e gostar de mulher e ser mulher e gostar de homem seria, na verdade, um condicionamento social e politico e que, na realidade, homens e mulheres fariam uso da performatividade sexual que, com efeito, é apenas um eufemismo para dizer que todo o ser humano – homens e mulheres – são todos gays/lésbicas e que masculino ou feminino não existe.

     

  4. Radicalismos de todos os

    Radicalismos de todos os tipos são perniciosos.

    Muitos religiosos radicais são péssimos, como esses pastores mercenários incluídos.

    Mas, querer atacar a religião como se ela não pudesse ter voz no parlamento, atravez de seus representantes de vários tipos não é legal, não é o caminho e não vai levar a lugar algum.

  5. Cabe ao Ministro da Educação

    se expor e falar o que pensa a respeito.

    Isso de ficar jogando a responsabilidade nas costas da bancada fundamentalista já não cola mais. Afinal, ela é apenas de 13% e o governo se gaba de conseguir com sua supercoligação o mito da governabilidade.

    Se algo acontece é porque o governo e bancada governista assim o desejam.

    Fui.

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