Ocupar e resistir: entre o político e o pedagógico, por Camila Itikawa Gimenes

Serão as ocupações de escolas, além dos acampamentos em praças no centro das cidades, a forma atual de insurgir-se contra o capital? Tendo em vista o fim do pacto de conciliação de classes, explicitado pelo impeachment de Dilma Rousseff, e com a primavera estudantil e o novo campo de lutas que se abre, haverá estabilidade política nos próximos anos? Qual será a resposta do neoliberalismo no Brasil e no mundo? Mais repressão e violência?
 
 
Boitempo
 
Ocupar e resistir: entre o político e o pedagógico nas escolas ocupadas
 
Por Camila Itikawa Gimenes.*
 
“As mãos de vocês estão sujas de sangue.”
 
Discurso de Ana Julia Ribeiro, estudante da escola ocupada Senador Manuel Alencar Guimarães, na Assembleia Legistativa do Paraná, referindo-se aos deputados estaduais. (Assista aqui)
 
1. As ocupas pelo mundo
 
No último dia de ditadura, em 10 de março de 1990, Pinochet promulgou, entre outras, a Lei Orgânica Constitucional da Educação, que privatizou a educação chilena, restando ao Estado apenas o financiamento desta, não controlando sequer os fundos que repassa. Assim, além de possuir escolas públicas próprias, o governo também subvenciona o estudo de crianças e de jovens de menor renda em escolas privadas, as chamadas escolas charters. Além disso, as universidades públicas também são pagas, de modo que os alunos formam-se com uma dívida que marca o início da vida profissional. Como resposta a esse processo de estratificação e mercantilização da educação, o Chile vivenciou sucessivas ondas de manifestações estudantis com estopins em 2006 e 2011, com grandes marchas e ocupações de escolas, num amplo movimento de luta pela gratuidade da educação, sendo aquela a primeira explosão estudantil pós-ditadura, e batizada de “Revolta dos Pinguins”, devido ao típico uniforme escolar chileno.
 
A rebeldia das classes populares, que teve no Chile um marco na luta pela educação, toma corpo com a crise de 2008, visto que esta explicitou não apenas a virulência do sistema financeiro, como também abre um novo campo de luta social, questão que o neoliberalismo, crescente na década de 1990 em diante, tentou sepultar. Em 2011, a rebelião voltou à ordem do dia! Esses movimentos sociais de protesto – com reivindicações próprias de cada região – “[c]omeçou no norte da África, derrubando ditaduras na Tunísia, no Egito e no Iêmen; estendeu-se à Europa, com ocupações e greves na Espanha e Grécia e revolta nos subúrbios de Londres; eclodiu no Chile e ocupou Wall Street, nos EUA, alcançando no final do ano até mesmo a Rússia” (CARNEIRO, 2012, p. 7). Em 2013, eclode no Brasil as Jornadas de Junho, que tem na luta pelo transporte público sua bandeira central.
 
O movimento de ocupação do espaço público tem sido crescentemente reconhecido como estratégia de mobilização dos subalternos a fim de manifestarem seu descontentamento diante da precarização e mercantilização da vida. Há características comuns entre esses movimentos, compostos em sua maioria por jovens estudantes e/ou com trabalhos precários ou desempregados que se mobilizaram por meio das redes sociais, mas que as extrapolam e ganham a cidade, no que David Harvey (2012, p. 60-1) chama de união dos corpos no espaço público, “o poder coletivo de corpos no espaço público continua sendo o instrumento mais efetivo de oposição quando o acesso a todos os outros meios está bloqueado”.
 
Entre suas principais bandeiras está a crítica à desigualdade econômica, havendo um profundo sentimento de mal-estar e desencanto. Apresentam-se como movimentos praticamente espontâneos, sem uma articulação orgânica, sem medo de explorar a plasticidade do novo, de novas formas de organização e de mobilização. Reivindicam características de maior horizontalidade, sem indicar porta-vozes e representantes, evitando a ligação com partidos, sindicatos e organizações estudantis tradicionais.
 
A repressão policial é outro ponto em comum, constituindo-se como resposta padrão dos governos às ocupações. Aqueles se valem do monopólio da violência para excluir o público do espaço público, bem como para atormentar, vigiar e, se necessário, criminalizar e prender quem ousa não se calar e resistir as suas ordens arbitrárias. O uso da força policial, entretanto, é um fator que, haja vista sua desproporção e arbitrariedade, estimulou ainda mais revolta e aumentou as mobilizações. Tal fato explicita que o “sistema não está só quebrado e exposto, mas também é incapaz de qualquer outra resposta que não a repressão” (HARVEY, 2012, p. 64).
 
Todas essas insurreições populares do oriente ao ocidente, de norte a sul, guardam uma ligação entre si, constituindo uma totalidade de disputas contra um sistema global de dominação e opressão e que se comunicam, ainda que imperceptivelmente. Por todo o lado se lê a mesma inquietação; não são revoltas erráticas, nem isoladas, como busca nos fazer crer a grande mídia, em sua gestão calculada das percepções. Esses eventos constituem uma sequência histórica que se desenrola numa estrita unidade de espaço e de tempo, do Chile ao Egito, Grécia, Nova Iorque, Brasil (COMITÊ INVISÍVEL, 2016).       
Há de se ressaltar, ainda, os limites que tais movimentos vêm encontrando. Tratam-se de protestos que estão num processo inicial de construção de um caminho para expressar um descontentamento geral com o sistema global capitalista, com diferentes formas aqui e ali, sem que se possa construir ainda uma alternativa concreta. Contudo, esses processos estão longe de terminar.
 
2. Os secundas brasileiros
 
A crise de 2008 explicita o cenário econômico e social em que a juventude insere-se e terá que buscar inserir-se profissionalmente; no Brasil, intensifica-se a crise econômica e política que tomam corpo em 2015, de modo que os jovens percebem que as promessas de ascensão social não poderão ser cumpridas, que o horizonte é de desemprego e precarização, em que o futuro parece sombrio. As possibilidades que timidamente surgiam, como acesso ao ensino superior público ou bolsa para o ensino privado, desmoronam e a representatividade dos partidos políticos e sindicatos na disputa por justiça social é crescentemente questionada e até mesmo negada, chegando a uma recusa absoluta de sua participação na mobilização estudantil.
 
As Jornadas de Junho de 2013 são um marco na história recente de lutas sociais, não só abrem um novo campo de disputa como também uma possibilidade de vitória: 70% da população urbana teve redução no aumento da passagem do transporte público naquele ano. Outros aprendizados foram conquistados com essas mobilizações de massa: a importância da ação direta e não apenas o ativismo virtual, a desobediência civil como tática de resistência, bem como o enfrentamento com a polícia militar.
 
Entramos na primavera de 2016 com novos ares de luta, em especial com a insurreição dos estudantes secundaristas em todo Brasil a frente do movimento contra a MP 746 que altera o Ensino Médio e a PEC do “Fim do Mundo” (agora, PEC 55/2016 que tramita no Senado) de um governo ilegítimo. Esse movimento se inicia com a ocupação de escolas no Paraná, mais especificamente na cidade de São José dos Pinhais, região metropolitana de Curitiba, e irradia-se por todo o país, com ocupações também em institutos federais e universidades. Nesse momento, são mais de 1.200 instituições de ensino ocupadas. O levante estudantil secundarista pode ser considerado o movimento social de maior expressão político-simbólica no Brasil de hoje.
 
Essa forma de mobilização estudantil ganhou relevância nacional no final de 2015 com as ocupações de escolas estaduais em São Paulo contra a intitulada eufemisticamente “reforma dos ciclos” – na verdade, uma completa reorganização do Ensino Fundamental II e Ensino Médio, anunciado pela mídia, sem qualquer negociação com professores, alunos e seus familiares. Uma nova onda de protestos é realizada no Estado de São Paulo no primeiro semestre de 2016 promovida pelos estudantes das escolas técnicas de nível médio, inclusive, com a ocupação da Assembleia Legislativa de São Paulo. Desta vez, a mobilização teve como pauta central a falta ou a precariedade da merenda oferecida nas escolas técnicas, ao mesmo tempo em que se divulgava o desvio da verba destinada para a sua compra. Nessas duas fases de ocupações, a mobilização foi vitoriosa e teve suas reivindicações atendidas.
 
As ocupações de escolas brasileiras se inspiram nas experiências chilena e argentina, divulgadas, em especial, pelo coletivo “O Mal Educado”, que traduziu a cartilha dos estudantes argentinos Cómo Tomar un Colegio (ou “Como Ocupar um Colégio”, em tradução livre) e alcançaram o patamar de maior ocupação de escolas do mundo. Segundo esse mesmo coletivo, o Chile tem 12.116 escolas (da pré-escola ao ensino médio, públicas e privadas) e 3,5 milhões de estudantes. Em 2011, foram mais de 600 escolas ocupadas. O estado do Paraná tem 9.511 escolas e 2,5 milhões de alunos. Em 21 de outubro de 2016, 850 escolas estavam ocupadas nesse estado. Assim, tanto em números absolutos, como proporcionais, os estudantes secundaristas do Paraná constituem o maior movimento de ocupações de escolas do planeta! E não para por aí, pois há ocupações em 20 estados e no Distrito Federal, totalizando mais de mil e cem escolas ocupadas pelo país, num movimento que se expande para as universidades, com mais de 130 campi ocupados.
 
Um movimento dessas proporções não se dá sem represália daqueles a quem ameaça. As ocupações de São Paulo foram duramente reprimidas pela PM, além das perseguições aos alunos e professores apoiadores das ocupas. O governador do Paraná, Beto Richa (PSDB), não tem recorrido ostensivamente à PM, pois ainda é muito presente a lembrança do massacre do dia 29 de abril de 2015 contra os professores da rede estadual. Porém, isso não significa que os estudantes secundaristas não venham sofrendo intimidações e agressões. O Movimento Brasil Livre (MBL) vem agindo como milícia informal contra as escolas ocupadas não só de Beto Richa, como também em outros estados, disseminando boatos, instigando a violência da comunidade escolar contra as ocupações, tentando reiteradamente desocupar as escolas à base da força. Tudo isso tem acontecido com a omissão dos agentes públicos encarregados em coibir a violência, bem como o silenciamento da grande mídia em relação às ocupações e suas reivindicações.
 
Serão as ocupações de escolas, além dos acampamentos em praças no centro das cidades, a forma atual de insurgir-se contra o capital? Tendo em vista o fim do pacto de conciliação de classes, explicitado pelo impeachment de Dilma Rousseff, e com a primavera estudantil e o novo campo de lutas que se abre, haverá estabilidade política nos próximos anos? Qual será a resposta do neoliberalismo no Brasil e no mundo? Mais repressão e violência?
 
3. Entre o político e o pedagógico nas escolas ocupadas pelos estudantes secundaristas no Paraná
 
Há um amplo reconhecimento que o movimento de ocupações de escolas produz aprendizagens para aqueles que dele participam. Para além dessa constatação, talvez seja interessante buscarmos compreender como se apresenta o pedagógico nesse contexto. Nessa direção, é de grande contribuição a discussão do educador Miguel Arroyo (2003, p. 31-2) sobre as relações entre os movimentos sociais e a educação, de modo que o autor assevera que “[a] luta pela vida educa por ser o direito mais radical da condição humana”. A luta por melhores condições de vida e pela garantia de que as necessidades básicas sejam atendidas é educativa porque humanizadora, nos relembra quão determinantes são as condições de sobrevivência na nossa constituição como humanos.
 
Nesse processo, um componente que os movimentos trazem para o pensar e fazer educativos é o foco nos sujeitos sociais em formação, em movimento, em ação coletiva: “A teoria pedagógica se revitaliza sempre que se reencontra com os sujeitos da própria ação educativa. Quando está atenta aos processos de sua própria formação humana” (ARROYO, 2003, p. 32).
 
O processo de humanização produzido pela aprendizagem da vivência da mobilização é decorrente, dentre outras possibilidades, de seu envolvimento totalizante; os sujeitos vivendo em carências existenciais no limite se colocam com todas as dimensões de sua condição existencial, produzindo vivências existenciais totais, como sujeitos políticos, cognitivos, éticos, sociais, culturais, emocionais, de memória coletiva, de indignação, sujeitos de presente e de futuro. Os movimentos sociais mexem com tudo porque neles os coletivos arriscam tudo; frequentemente suas vidas são postas à prova em situações de risco (ARROYO, 2003).
 
Os estudantes secundaristas que ocupam suas escolas negam as visões tão pontuais, metodológicas e gerenciais que tanto têm distraído e esterilizado o pensamento e a prática escolar e extraescolar: “Alargar esse foco supõe ver os educandos para além de sua condição de aluno, de alfabetizandos, de escolarizandos… para vê-los como sujeitos de processos sociais, culturais, educativos mais totalizantes, onde todos estão imersos seja na tensa reprodução de suas existências tão precárias, seja na tensa inserção em lutas tão arriscadas onde tudo está em jogo” (ARROYO, 2003, p. 37).
 
Ou seja, no processo político-pedagógico das ocupações explicita-se a concepção de educação que fundamenta a proposta do governo e aquela da própria práxis do movimento estudantil. Paulo Freire (1997, p. 23) sistematizou essa posição: “a educação não pode senão aspirar ou à domesticação, ou à libertação. Não há terceiro caminho”. Com diferentes graus de sistematização, a juventude coloca em discussão justamente os fins da educação, questão muitas vezes esquecida até mesmo pelo próprio campo da Pedagogia.
 
Nessa direção, há questões interessantes que podem ser apreendidas das ocupas. Uma delas, relacionada à própria noção de estudante como sujeito citada acima, diz respeito a sua voz, há algo que eles querem e têm a dizer, mas ninguém os ouvia. É comum encontrar nas ocupações cartazes com os dizeres “O jovem no Brasil nunca é levado a sério”, de uma música do grupo de rock Charlie Brown Jr. Isso coloca uma questão a ser enfrentada pelas escolas, inclusive, no próprio processo de retorno às aulas pós-ocupações. Quem retorna não são aqueles mesmos alunos que iniciaram as ocupações; nessa produção de si mesmos, eles já são outros, são estudantes que tomaram para si seus processos educativos e de construção de suas vidas. Uma secundarista diz: “Agora, eu sou aquela escola”.
 
O protagonismo das mulheres e LGBT`s também tem marcado esse processo; as oprimidas e os oprimidos ganham voz na mobilização e assumem a frente do processo. Alguns exemplos: a organização da comissão de segurança e limpeza, que costumam ser funções com divisão sexista dos afazeres é compartilhada entre as e os estudantes; em algumas escolas, o banheiro é unissex – em uma dada escola, as alunas e os alunos retiraram as placas que identificavam os banheiros dos professores, estudantes e funcionários de modo que todos usam os mesmos banheiros agora.
 
Por último, mas não menos importante, ganha materialidade a sensação de que não estamos sozinhos. Entre os estudantes secundaristas em luta, mas também na rede de apoiadores composta por professores e funcionários das escolas ocupadas, pais e responsáveis, comunidade escolar (e mais ampla), além de professores, funcionários e alunos de outras instituições, todos constroem um coletivo que possibilita o contato, a troca, a solidariedade entre pessoas que dificilmente teriam a oportunidade de conviverem. A alteridade circula como afeto central nas ocupações. Por exemplo, uma fala frequente entre os estudantes é em relação aos motivos de por que ocupam as escolas; rebelam-se contra a MP 746 e a PEC 55 não por eles especificamente – pois aqueles que estão no ensino médio não a vivenciarão –, mas pelos alunos que virão. Mobilizam-se também pela garantia dos direitos daqueles colegas que não se mobilizam. Constroem o nós. “É aí que ‘nós’ nos encontramos, é aí que se fazem os verdadeiros amigos, dispersos pelos quatro cantos do globo, mas que caminhamos juntos” (COMITÊ INVISÍVEL, 2016, p. 18).
 
Alteridade, coletividade, solidariedade, protagonismo das mulheres, LGBT`s e movimento negro, subjetivação, humanização do humano são dimensões fundamentais de qualquer perspectiva pedagógica que postula ser emancipatória e crítica. Os estudantes secundaristas estão dando vida a esse currículo.
 
Admiro profundamente a coragem de todas e todos estudantes que têm ocupado suas escolas, institutos federais e universidades por todo o Brasil. Com a força da luta que travam pela educação pública e pelo direito a uma vida digna constroem um novo campo de lutas, reabrem possibilidades de disputas e nos mostram que um outro mundo é possível.
 
REFERÊNCIAS
 
ARROYO, Miguel G. PEDAGOGIAS EM MOVIMENTO – o que temos a aprender dos Movimentos Sociais? Currículo sem Fronteiras, v.3, n.1, pp. 28-49, Jan/Jun 2003.
CARNEIRO, Henrique Soares. Apresentação – Rebeliões e ocupações de 2011. In: HARVEY, David et al. Occupy!: movimentos de protesto que tomaram as ruas. São Paulo: Boitempo : Carta Maior, 2012.
COMITÊ INVISÍVEL. Aos nossos amigos: crise e insurreição. São Paulo: N-1 Edições, 2016.
FREIRE, P. Papel da educação na humanização. Rev. da FAEEBA, Salvador, n. 7, p. 9 – 17, jan./junho, 1997.
HARVEY, David. “Os rebeldes na rua: o Partido de Wall Street encontra sua nêmesis”. In: ______ et al. Occupy!: movimentos de protesto que tomaram as ruas. São Paulo: Boitempo : Carta Maior, 2012.
 
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Camila Itikawa Gimenes é doutora em educação pela Faculdade de Educação da USP e professora do Setor de Educação da Universidade Federal do Paraná.
 
Redação

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  1. A EXALTAÇÃO IMAGINATIVA.

    «A exaltação imaginativa é um estado em que a mente, embevecida com o seu ideal, se identifica mais ou menos inconscientemente com ele e atribui a si as perfeições que a ele pertencem, como se já as tivesse realizado. Para Diel, o símbolo por excelência da exaltação imaginativa é o vôo de Ícaro. As asas de cera representam a força da imaginação, que só pode elevar aos ares um corpo imaginário. O exaltado toma o potencial por atual, imaginando possuir as perfeições a que aspira. Por isto mesmo, sua alma experimenta, como num choque de retorno, um sentimento de estranheza e de impotência perante o mundo, que não cede, como ele esperava, aos seus encantos ou poderes. Acuado pelas exigências da realidade, ele exacerba ainda mais sua adoração de si mesmo diante de um mundo que ele julga vil, mesquinho e incompreensivo, quando na verdade é ele mesmo quem não compreende o mundo e, por não compreendê-lo, está impotente para agir nele.

    É a síndrome do “jovem incompreendido”, que, pela simples razão de ter aspirações elevadas — ou que lhe pareçam elevadas — já se sente ipso facto superior ao seu ambiente e, portanto, limitado ou coagido pela mesquinhez real ou aparente dos pais, da escola, da sociedade, etc. Nem sempre ele declara seu sentimento em voz alta; pois uma vaga intuição do caráter anormal do seu estado pode envolver este sentimento numa complexa rede de disfarces, atenuações e racionalizações muito difícil de deslindar. Também é certo que seu diagnóstico depreciativo sobre o mundo em torno pode ser, em si mesmo, objetivamente verdadeiro, sendo falso apenas o lugar e a função que ocupa na sua alma, já que a degradação do mundo lhe aparece, por vezes ao menos, como uma espécie de contraprova de suas próprias qualidades excelsas.

    Não raro o “jovem incompreendido” alia-se a outros jovens imbuídos do mesmo sentimento, em busca de apoio e confirmação de suas queixas contra o mundo. A comunidade de sentimentos e a repetição das queixas, criando uma atmosfera de comprovação intersubjetiva, parece dar consistência real ao diagnóstico distorcido e subjetivista que cada um dos membros do grupo faz quanto ao estado do mundo, legitimando seu discurso contra a mediocridade e grosseria das pessoas “de fora”. “Estar dentro” do grupo é então sinal de uma espécie de eleição, a prova de uma qualidade excelsa e incomunicável. O sentimento de ter acesso a algo misterioso, profundo, especial, pode exacerbar a exaltação imaginativa ao ponto de provocar uma verdadeira ruptura com a realidade ambiente, incapacitando o indivíduo para a compreensão dos problemas sociais mais elementares.»

  2. ocupar…

    De novo com este papo? As esquerdas tomaram um pé na bunda, ou canalhamente abandonaram o barco, como muitos que aderiram ao golpe dos golpes. O primeiro deles foi de não tornar a partir da Constituição de 1988,  o voto livre e facultativo, o único mecanismo de mudança de governo. Todas as esquerdas estavam unidas neste primeiro golpe. E querem insistir nesta ladainha? O que esta rapaziada do PR e todos os outros pelo país querem é liberdade. Ter sua voz ouvida. E não filtrada por “representantes do povo”. Não é bem a idéia de democracia que a esquerda tem. Alias, liberdade no ensino e nas escolas, com maciça participação de alunos e suas famílias, os maiores interessados, nunca agradou aos sindicatos de professores que não querem abrir mão do poder e do 2.o maior orçamento do país. Liberdade? Uma ova. Anti capitalista? Só se o capital não estiver nas nossas mãos. A esquerda pensa que irá enganar esta juventude esperta com a continuaidade deste show de hipocrisias? Adeus, o bonde já passou.

  3. Ocupar espaço público é resistir ao capital? Eu acho que não.

    Eu também admiro a coragem dos estudantes. Eu também acho que essa é a forma atual de lutar contra o que nos anos de 1960 se chamava de alienação – que no texto aparece como a ‘mercantilização da vida’. Eu também acho que as ocupações tem um papel pedagógico, no amplo sentido da palavra. Mas quanto a questão que a autora do post coloca :”Serão as ocupações de escolas, além dos acampamentos em praças no centro das cidades, a forma atual de insurgir-se contra o capital?” Eu acho que não. Ninguém se lembra, mas a praça ocupada em Wall Street não era pública, era privada. Praças públicas e escolas públicas não são o lugar do capital. Ele está lá, mas indiretamente e junto com uma porção de outras coisas que não são capital. Espaço públiico não é o lugar onde se produz lucro. Se insugir contra o capital é se insurgir onde é produzido o lucro, não onde é produzida a força de trabalho (nas escolas, públicas ou privadas) ou onde o lucro é realizado (nas ruas e praças públicas).

  4. PSEUDO PRIMAVERAS SÃO CONTRÁRIAS À COERÊNCIA

    O discurso que defemde pretensas primaveras é equivocado e contraditório, inclusive por que ocupações têm isolado e estigmatizado o movimento estudantil, pois deixam de promover a indispensável ampliação do debate com a sociedade.

    E é dever ressaltar que as pseudo primaveras, com os scripts que envolvem ocupações e repressão absurda por parte do poder público, têm tido o efeito lamentável de provocar espirais de violência, conforme evidenciado no Brasil em 2013, e com maior dimensão nas experiências trágicas vivenciadas na Ucrânia, na Líbia e na Síria.

    Além disso, é essencial ressaltar que a indução de crises de desestabilização em países que ameacem interesses geopolíticos do imperialismo predatório tem sido por vezes denunciada em textos tais como aqueles assinados por Martin Granovski, Paulo Amorim e Eduardo Maretti, cujas referências seguem baixo transcritas.

    Ademais, é indispensável recordar que a utilização de táticas de infiltração e provocação constitui uma realidade inegável, bem como que a resistência democrática não deve ficar limitada à realização de iniciativas de ocupação, pois necessita ser ampliada e fortalecida através do debate entre os diversos setores da população e da mobilização das instituições representativas da sociedade brasileira, conforme destacam os textos apresentados por Marcelo Auler, Conceição Lemes e Luis Nassif, referenciados nos links ao final transcritos.

    Assim, o movimento estudantil e os apoiadores das mobilizações de protesto contra os retrocessos da política educacional devem ser estimulados a substituírem as ocupações de escolas e de outros prédios públicos por iniciativas mais politizadas, com vistas à organização da resistência em moldes democráticos, para desse modo anular as táticas de coerção policialescas e salvaguardar a capacidade de ação coletiva.

    Ao invés de manter ocupações que prejudicam a própria comunidade e expõem os estudantes e simpatizantes a táticas de provocação e à repressão crescente, será mais adequado ampliar a mobilização política, com o apoio das instituições democráticas brasileiras e, assim, adotar iniciativas mais eficazes no sentido de alertar e sensibilizar a sociedade para os efeitos danosos dos retrocessos promovidos pelo poder hegemônico.

    A estratégia correta para manter e ampliar o movimento de resistência dos estudantes e trabalhadores é a crescente mobilização política, impulsionada através da realização de atos públicos simbólicos e significativos, organizados com amplo apoio das instituições democráticas da sociedade brasileira. E tais iniciativas democráticas podem e devem ser incrementadas por meio de aulas públicas e debates, com a presença de especialistas em história, política e educação, fiéis aos princípios fundamentais da pluralidade cultural e da formação humanística.

    A força maior do movimento popular consiste exatamente na capacidade de demonstrar para a sociedade efeitos danosos dos retrocessos promovidos pelos setores reacionários do poder hegemônico. Diante dessa percepção, fica patente o acerto da decisão tomada por um número crescente de estudantes no sentido de ceder terreno com a desocupação das escolas e prédios públicos, para assim avançar com firmeza na defesa da democracia através dos meios democráticos, que pressupõem sempre o diálogo amplo com vistas à definição do modelo de sociedade e de educação adequado ao futuro de todos.

    Lembremos que a garantia da preservação e ampliação dos direitos sociais deverá ser obtida pela via democrática, através de vitória sustentável nas eleições presidenciais e legislativas a serem realizadas em 2018. E que, para tornar tal vitória possível, é preciso antes de tudo que as eleições sejam realizadas, e que a vanguarda da nova geração de militantes progressistas esteja habilitada a participar de maneira efetiva. De modo que a prudente perseverança é indispensável, para evitar que o país seja lançado numa espiral de repressão e radicalização, que poderia resultar no incremento do estado de exceção, na supressão das garantias democráticas e no cancelamento das eleições.

    Sigamos unidos e mobilizados, para perseverar na coerente resistência democrática.

     

    REFERÊNCIAS

    NASSIF, Luis. “Pressionados pela justiça estudantes mantêm mobilização no DF”. Jornal GGN, 02/11/2016. https://jornalggn.com.br/noticia/pressionados-pela-justica-estudantes-mantem-mobilizacao-no-df

    AMORIM, Paulo Hebnrique. “Ainda não entendemos o que aconteceu em junho de 2013” Conversa Afiada, 01/11/2016. http://www.conversaafiada.com.br/politica/lula-o-que-derrubou-a-dilma

    MARETTI, Eduardo. “Marco Aurélio Garcia defende autocrítica do PT”. Carta Maior. 21/10/2016. http://cartamaior.com.br/?/Editoria/Politica/Marco-Aurelio-Garcia-defende-autocritica-do-PT-sem-aceitar-agenda-conservadora/4/37052

    GRANOVSKY, Martin. “EUA querem bases em Ushuaia e na Tríplice Fronteira”. Carta Maior, 21/06/2016. http://cartamaior.com.br/?/Editoria/Internacional/-EUA-querem-bases-em-Ushuaia-e-na-Triplice-Fronteira-/6/36313

    NASSIF, Luis. “CNBB se posiciona contra a PEC 241”. Jornal GGN, 28/10/2016. https://jornalggn.com.br/noticia/cnbb-se-posiciona-contra-a-pec-241-e-uma-afronta-a-constituicao-cidada

    AULER, Marcelo. “Ato contra a PEC 241. O risco dos provocadores”. Artigo publicado no Blog do Marcelo Auler, 24/10/2016. http://marceloauler.com.br/ato-contra-a-pec-241-o-risco-dos-provocadores/

    LEBLON, Saul. “Guinada conservadora. O que fazer com os filhos da esperança”. Carta Maior, 01/11/2016. http://cartamaior.com.br/?/Editorial/Guinada-conservadora-o-que-fazer-com-os-filhos-da-esperanca-/37127

    LEMES, Conceição. “Conselho Indigenista denuncia Portaria de ministro de Temer”. VioMundo, 23/10/2016. http://www.viomundo.com.br/denuncias/cimi-denuncia-editada-nas-sombras-portaria-de-ministro-de-temer-golpeia-saude-indigena-pode-aumentar-as-mortes-por-falta-de-assistencia-e-medicamentos.html

    DRUMMOND, Carlos. “Essa garotada do MPF não tem a mínima noção de economia”. Carta Capital, 20/10/2016. http://www.cartacapital.com.br/revista/923/essa-garotada-do-mpf-nao-tem-a-minima-nocao-de-economia

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