Relatório da USP analisa propostas de parlamentares para o novo fundo da educação básica

O fundo é responsável pelo financiamento de 60% da educação no Brasil. Caso não seja votado urgentemente, até dezembro, a educação básica ficará sem os recursos a partir de 2021.

Relatório de pesquisadores da USP analisou as propostas dos parlamentares para o novo Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb), cujo texto precisa ser votado até dezembro no Congresso Nacional. Se não for votado, a educação básica ficará sem recursos a partir de 2021. Foto: divulgação/Fundeb em Foco

Está em tramitação no Congresso Nacional, há mais de quatro anos, a proposta do novo Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb). O fundo é responsável pelo financiamento de 60% da educação no Brasil. Caso não seja votado urgentemente, até dezembro, a educação básica ficará sem os recursos a partir de 2021. Para aprofundar o debate sobre educação e oferecer subsídios aos parlamentares, um grupo de pesquisa da USP elaborou  um amplo estudo intitulado Fundeb em Foco.

Elaborado pelo Observatório Interdisciplinar de Políticas Públicas Prof. Dr. José Renato de Campos Araujo (OIPP) e pelo Grupo de Estudos em Tecnologias e Inovações na Gestão Pública (Getip), da Escola de Artes, Ciências e Humanidades (EACH) da USP, o estudo cruzou 36 variáveis de 197 propostas legislativas do período 2004 a 2019, relacionadas ao Fundeb. A orientação do trabalho foi do professor José Carlos Vaz, do curso de Gestão de Políticas Públicas da EACH.

Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica – Fundeb

O Fundeb é composto de um conjunto de 26 fundos estaduais e de um fundo do Distrito Federal. Os recursos arrecadados são redistribuídos para estados e municípios para serem investidos na educação básica (creches, educação infantil, ensino fundamental e médio, Educação de Jovens Adultos-EJA, educação especial, ensino profissional integrado, escolas urbanas e rurais). A distribuição é calculada a partir da quantidade de alunos matriculados no ensino público e em redes conveniadas.

 “Sem o fundo, algumas escolas podem não conseguir sequer pagar os profissionais da educação ou mesmo manter a estrutura física, fazer manutenção e comprar insumos”, alerta Pamela Quevedo, uma das pesquisadoras que participaram da elaboração do relatório. Segundo ela, algumas escolas dependem quase que integralmente dos recursos arrecadados pelo Fundeb. “Se o novo Fundeb não for votado até dezembro e for extinto, a educação entraria em colapso”, afirma a pesquisadora ao Jornal da USP.

Atualmente, o fundo corresponde a cerca de 6% do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro, aproximadamente 1,8 trilhão de dólares. Pamela ainda destaca que o Fundeb é responsável por 60% do financiamento do ensino básico e  evita que hoje, por exemplo, haja um cenário maior de desigualdade nas escolas. Alguns estudos sugerem que, com o fundo, as desigualdades na distribuição de recursos entre as escolas públicas seriam de 564%. “Sem ele, a desigualdade passaria para 10.000%”, diz.

Equipe de pesquisadores que participaram do relatório
Equipe de pesquisadores que participaram do relatório “Fundeb em Foco” – Foto: Divulgação/EACH-USP

Algumas propostas que estão tramitando no Congresso Nacional propõem que o Fundeb seja permanente, outras, que seja mais redistributivo. Há, ainda, as que propõem que a participação de recursos da União seja aumentada, indo além dos 6% do PIB. Segundo o relatório da USP, é necessário desmistificar comparações com outros países na área da educação. “Investir percentualmente acima da média dos países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE)  não significa que o Brasil já dispõe de recursos suficientes para a manutenção do ensino básico”, diz a pesquisadora. O Brasil investe cerca de 6% de seu PIB, o que corresponde a 1,8 trilhão de dólares, enquanto os Estados Unidos investem 5%, aproximadamente 20,5 trilhões de dólares.

Uma das propostas mais avançadas no Congresso trata do aumento da participação da União em 40%, de forma escalonada, e de tornar o Fundeb permanente, sem prazo para expirar, o que estaria em oposição ao Executivo. Quando era ministro da Educação, Abraham Weintraub explicitou disposição de repasse de 15% e propôs  que o processo de “redesenho do Fundeb voltasse à estaca zero”.

Fundeb em Foco

O relatório “Fundeb em Foco” cruzou e analisou o conteúdo das propostas parlamentares de partidos de situação e de oposição. Em linhas gerais, o relatório verificou que a maior quantidade de projetos com relação a mudanças para o Fundeb teve origem na Bahia, seguido por São Paulo e depois, Minas Gerais: 15,2%, 13,9% e 10,1%, respectivamente.

Projetos por Unidade Federativa (UF)

Foto: Reprodução/Fundeb em Foco

Foto: Reprodução/Fundeb em Foco

Participação popular

Poucos deputados se preocuparam com a participação popular no controle e na gestão dos recursos: das 35,8% propostas, apenas 15,8% consideravam envolvimento social. “Não existem previsões legais para a construção participativa do fundo. No entanto, os pesquisadores que elaboraram o relatório afirmam que a participação da sociedade civil poderia impactar diretamente na gestão dos recursos, assegurando não apenas a transparência, mas a alocação das verbas para as maiores demandas da comunidade escolar”, diz Pamela ao Jornal da USP.

Fontes de recursos

Sobre as novas fontes de arrecadação de impostos, a maioria dos deputados, cerca de 60%, considerou que deveria haver novas destinações de recursos, mas apenas 20% destes propuseram alternativas para novas fontes de arrecadação. Dentre os projetos legislativos que apresentaram nova destinação de recursos, 75,9% também não indicaram alternativas para financiamento.

Qualidade de ensino

Dos 79 projetos parlamentares, somente três fizeram menção ao Custo Aluno Qualidade (CAQ) e ao Custo Aluno Qualidade Inicial (CAQi), o que, na visão dos pesquisadores, mostra que a prioridade das propostas era com a destinação de recursos e não com a qualidade do ensino. “O foco da maioria dos projetos é sobre o controle da gestão dos recursos porque prioriza a quantidade de matrículas em detrimento da qualidade do ensino por aluno.”

Os pesquisadores que trabalharam na elaboração do relatório acreditam que a discussão sobre o Fundeb deva ir além da complementação de recursos da União de Estados e municípios e/ou do prazo de vigência do fundo. Deve envolver aspectos econômicos, sociais, demográficos,  pedagógicos, dentre outros.

O “Fundeb em Foco” foi elaborado pelos pesquisadores Ergon Cugler de Moraes Silva, Giovanna Lourenção Macedo, Guilherme Silva Lamana Camargo, Jhonatan Ferreira Alencar, Maria Carolina Santana de Barros, Marina Bergstrom Paredes, Pamela Quevedo Joia Duarte da Costa e Victória Helena Craveiro Marcondes, sob coordenação do professor José Carlos Vaz.

Mais informações: José Carlos Vaz, e-mail [email protected]. Equipe do Fundeb em Foco, e-mail: [email protected]

 

Redação

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  1. Equívoco do texto sobre o relatório da USP sobre Fundeb

    O subtítulo diz que, caso a nova proposta do Fundeb não seja votada até dezembro, a educação básica ficará sem os recursos a partir de 2021.

    Antes de mais nada, é preciso esclarecer que o Fundeb trouxe muito pouco dinheiro novo para o sistema educacional público como um todo, pois consistiu apenas numa conta única, de âmbito estadual, formada por 20% de impostos federais transferidos a estados, DF e municípios e 20% de alguns impostos estaduais transferidos a municípios, repartida entre estados e municípios com base no número de matrículas municipais na educação infantil e no ensino fundamental e matrículas estaduais no ensino fundamental e ensino médio, assim como em pesos diferentes atribuídos aos níveis, modalidades de ensino e estabelecimentos de ensino da educação básica. A consequência disso é que todos os estados perdem recursos nesta repartição e muitas (não todas) prefeituras ganham, ou seja, têm receitas adicionais aos 25% dos impostos que devem constitucionalmente aplicar em educação.
    Por isso, é um equívoco dizer que a educação básica ficará sem os recursos em 2021 se o novo Fundeb não for aprovado. Se ele não for aprovado, a educação básica ficará apenas sem os 10% de complementação federal (o único dinheiro novo do Fundeb), sendo que os 90% restantes são a contribuição de estados, DF e municípios para o Fundeb, que voltará para os entes subnacionais caso o Fundeb não seja aprovado. Por isso, é um equívoco dizer também que a educação entraria em colapso porque esta contribuição voltaria para tais entes subnacionais. A educação básica só enfrentaria dificuldades nas prefeituras que ganham muito com o Fundeb.

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