Algumas considerações táticas sobre a disputa entre Haddad e Bolsonaro, por Erick Kayser

Algumas considerações táticas sobre a disputa entre Haddad e Bolsonaro

por Erick Kayser

Findado o 1º turno da mais dramática e anormal eleição brasileira de sua história democrática, se estabeleceu uma importante reconfiguração das forças políticas. A centro-direita e a direita “tradicional”, de partidos como PSDB e MDB foram atropelados pela extrema-direita, que passa a deter a hegemonia deste campo. A esquerda, mesmo sofrendo algumas duras derrotas, conseguiu manter posições e obter algumas vitórias pontuais significativas e com isso manter-se viva. Em um quadro de profunda fragmentação partidária, a coesão em temas centrais de partidos como PT, PSB, PDT, PSOL e PCdoB, será fundamental para o próximo período, onde se antevê a continuidade – e até mesmo aprofundamento – da atual polarização, tendo o bolsonarismo, com seu extremismo, liderando a direita.

Teremos um 2º turno onde este quadro se definirá. A extrema-direita já alcançou um inesperado protagonismo político na institucionalidade, onde suas bancadas na Câmara, Senado e Legislativos estaduais, turbinada pelo neófito PSL e seus campeões de votos, mas também pulverizada em parlamentares extremistas em outras siglas menores e médias, por si, colocará um desafio a democracia.

A disputa presidencial entre Fernando Haddad e Jair Bolsonaro selará o rumo entre um aprofundamento de uma virada autoritária ou a persistência da democracia. Os números do primeiro turno, ainda que contraditórios, apontam que, mesmo que a democracia esteja fragilizada, ela ainda é a opção majoritária da população brasileira. Se é verdade que a maioria dos eleitores votaram em Bolsonaro no 1º turno, conferindo-lhe 46% dos votos válidos, por exclusão, os demais 54% de eleitores que votaram nas outras candidaturas, não apoiam uma virada ditatorial. Seguramente, mesmo entre eleitores de Bolsonaro existe uma parcela expressiva que não apoiariam um golpe militar, mas, momentaneamente ludibriados, não percebem os riscos envolvidos em seu apoio a esta candidatura.

A polarização entre democracia e autoritarismo que está estabelecida nacionalmente deverá pairar sobre a disputa, ainda que, não necessariamente, será o tema da defesa ou não da democracia que definirá as eleições. Em um cenário complexo, são múltiplos os fatores que definirão a equação da vitória eleitoral e o resultado, seja ele qual for, não encerrará a disputa. É bastante improvável que haja uma disparada de votos em direção a um dos candidatos. Tudo indica que teremos uma disputa acirrada, com estreita margem de vantagem entre as candidaturas, onde a definição e busca de apoios em setores específicos, no conjunto, será decisivo para a definição do vencedor.

Um exemplo: não será o apelo a democracia (ou apenas ele) que fará eleitores que nas últimas eleições votaram em Lula ou em seus candidatos, mas que, no 1º turno das eleições de 2018, votaram em Bolsonaro, migrem para Haddad. Alguns destes eleitores identificavam em Lula uma autoridade política por sua capacidade de liderança, e talvez por ainda não conhecerem suficientemente a Haddad ou fatores outros, não votaram no candidato petista. Estimado em 15% a 20% dos votantes de Bolsonaro, a partir de levantamentos pré-eleitorais, estes eleitores potencialmente, poderiam retornar ao campo do lulismo. Um deslocamento deste contingente poderia garantir a vitória da candidatura petista.

Mas, como definir uma tática acertada para uma disputa com a natureza desta eleição?

Como já referi, estas são eleições anormais, onde talvez táticas comumente utilizadas não surtem o efeito esperado. Por exemplo, o apelo óbvio que tradicionalmente se fazia em disputas polarizadas entre esquerda e direita, era pela busca do eleitor de centro, onde, invariavelmente se traduzia num abrandamento de discurso. Não faltam agora apelos para que, tanto Bolsonaro quanto Haddad, adotem esta estratégia, assumindo compromissos que possam amenizar ou mesmo descaracterizá-los, os tornando mais palatável para eleitores refratários a seus nomes. Esta talvez não seja a melhor saída, pelo menos não de forma absoluta. Recuos podem fragilizar o apelo e fidelização dos eleitores já conquistados, e entre aqueles indecisos, podem soar como pouco confiável um candidato que promova viradas políticas súbitas ou contraditórias.

No caso de Haddad, um recuo excessivo poderá ser fatal. Uma parcela importante de eleitores de Lula ainda não migraram para sua candidatura e a busca destes eleitores certamente não se fará escondendo a presença de Lula na campanha. Nas entrevistas ao Jornal Nacional da TV Globo na segunda-feira pós-eleição, Bolsonaro foi mais Bolsonaro do que nunca, enquanto Haddad foi menos Lula do que sempre. O candidato do PT em nenhum momento citou o nome de Lula em sua fala, dando um indicativo de uma virada na estratégia que, caso seja adota para o restante da campanha, poderá ser fatal para suas chances de vitória.

Um outro tema espinhoso é a busca de apoios políticos. Com a derrocada do antigo equilíbrio político existente antes do golpe de 2016, não parece que seria muito eficaz para Haddad buscar o apoio público de velhos caciques da política derrotados nas urnas. O falso apelo antissistêmico de Bolsonaro precisa ser desmascarado e parte deste combate passa pela candidatura de Haddad não associar-se ao “velho sistema” que está ruindo. O desafio será equilibrar a necessária busca por ampliação política e a firmeza em não se associar a nomes “tóxicos” que poderiam causar símbolos negativos.

A comparação de projetos e o apelo a uma mensagem de esperança e inclusão contra o discurso de ódio e autoritarismo se apresenta como um dos melhores caminhos para a campanha de Haddad. Poderia facilitar a transferência de votos de outras candidaturas de esquerda ou de centro, e ampliar para setores ainda sensíveis a um apelo por mudanças democráticas ou para barrar uma escalada de retrocessos. Será este apelo quase plebiscitário que poderia, por exemplo, atingir aos quase 30 milhões de pessoas aptas a votar e que não compareceram. A ausência no 1º turno não impede o voto no 2º turno. Uma parte destas pessoas poderiam vir a votar em Haddad se sentirem-se estimuladas a isto.

Ampliar sem se descaracterizar será a chave para a vitória eleitoral.

Redação

2 Comentários

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  1. Olha, ele já se
    Olha, ele já se descaracterizou totalmente. Apagou Lula da campanha, mudou as cores, está defendendo bandeiras bem diferentes.

  2. um combustível muito comum do ódio é a frustração

    e é certo que uma possível vitória eleitoral da direita excludente irá acelerar a pauperização das pessoas e a precarização do trabalho e rendas, levando a economia para o pior nível: descrédito, carestia, inflação. Primeiro (economicamente) o Brasil vira uma Argentina e depois uma Venezuela. Instala-se a miséria. Portas abertas para frustrações e caos. Ali sim, a profecia do Mario Amato valerá: 800.000 empresários sairão do país.

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