Com Marina Silva, terceira via faz lembrar Tony Blair

Jornal GGN – A terceira via política já esteve presente em outros países. Na Inglaterra, foi personificada por Tony Blair, que em campanha rompeu tanto com a socialdemocracia quanto com o “thatcherismo”.  Na teoria, não havia mais conflitos de classes. Na prática, começaram a faltar alternativas à economia de mercado e a desigualdade social passou a ser aceitável, desde que baseada na meritocracia. Ao assumir o governo, Blair manteve as principais diretrizes políticas do thatcherismo. Desmontou o sindicalismo britânico, reviu direitos previdenciários, realizou privatizações e desregulamentou o sistema financeiro, sob a gerência independente do Bank of England. No Brasil, tem gente querendo ressuscitar essa carcaça político-ideológica, apresentando-a como uma grande novidade.

Enviado por Daniele

O modelo de Marina é a via Tony Blair

Marcelo Zero

Do Blog Paulo Moreira Leite

Origem da mistura programática do PSB encontra-se em Tony Blair, ministro britânico que trocou trabalhismo pela subordinação a George W Bush

A primeira grande medida que Tony Blair adotou quando chegou ao poder foi dar independência ao Bank of England, o banco central inglês.

A medida não estava no programa de governo, mas Blair a adotou assim mesmo. Era uma forma de demonstrar que o New Labour, por ele representado, estava rompendo definitivamente com o “velho trabalhismo” e com a “antiga socialdemocracia”.

Essa ruptura não era apresentada, contudo, como uma adesão ao “thatcherismo” e à direita. Na realidade, Blair se apresentava como uma espécie de personificação da Terceira Via, teorizada principalmente por Anthony Giddens, sociólogo britânico.

A Terceira Via, segundo Giddens e Blair, não era nem de esquerda e nem de direita. Estava, na visão deles, “além da esquerda e da direita”. Rompia com a socialdemocracia tradicional e com o velho trabalhismo, mas também representava uma ruptura com o neoliberalismo. Era algo profundamente novo, um “centralismo radical” que prometia, num grande esforço modernizador, adaptar a economia e a sociedade britânicas aos “novos desafios impostos pela globalização”, mantendo, no entanto, os valores permanentes da justiça social.

Em economia, Blair dizia que a abordagem da Terceira Via não era “nem o laissez faire, nem a interferência estatal”. Ao “Estado necessário”, nem mínimo, nem máximo, caberia o simples papel de sustentar o equilíbrio macroeconômico e promover a atividade empresarial, particularmente as “indústrias do futuro baseadas no conhecimento”. No que tange à esfera social, a Terceira Via faria revolução do Welfare State, adaptando-o às novas necessidades da economia globalizada. Em vez de investir em redes de proteção “excessivas”, era preciso dar “empregabilidade” às pessoas, investindo em Educação e no empreendedorismo.

Com isso, asseguravam Blair e Giddens, a economia britânica aumentaria muito a sua produtividade, beneficiando igualmente empresários e trabalhadores.

No Brave New World proposto pela Terceira Via, não havia mais conflitos de classes e nem a vinculação orgânica da socialdemocracia e do trabalhismo aos sindicatos e aos movimentos sociais. Não havia também alternativas à “economia de mercado globalizada”; e a desigualdade passou a ser algo aceitável, desde que baseada na “meritocracia”.

Completava esse novo mundo sem conflitos, livre das “velhas ideologias”, uma preocupação com as questões ambientais, que haviam sido relegadas a um segundo plano, segundo Giddens, tanto pela antiga socialdemocracia quanto pelo neoliberalismo thatcherista.

Entretanto, o que se viu, na prática, foi a adesão de Blair a todas as principais diretrizes políticas do thatcherismo. Seu governo persistiu no desmonte do sindicalismo britânico, na “flexibilização” do mercado de trabalho, na revisão de alguns direitos previdenciários, nas privatizações e, sobretudo, na crescente desregulamentação do sistema financeiro, já sob a gerência “independente” do Bank of England.
Assim, o New Labour saiu do colo trabalhista dos sindicatos britânicos para o colo financeiro da City londrina.

Os resultados não foram bons. O índice de Gini do Reino Unido que, no início do thatcherismo, era de 0,240, aumentou para 0, 340, um dos maiores crescimentos da desigualdade nos países desenvolvidos. Embora a maior parte desse aumento tenha se dado na era Thatcher, a Terceira Via de Blair não conseguiu revertê-lo, e até propiciou um novo incremento. Na realidade, foi durante o período Blair que aumentou mais a renda do 1% mais rico e, particularmente, do 0,1 % mais afluente, renda essa muito vinculada à desregulamentação financeira.

Ao longo do período do New Labour, os que fazem parte do 0,1 % mais rico do Reino Unido aumentaram seus rendimentos 4 vezes mais que 90% da população britânica. Hoje, apenas as cinco famílias mais ricas do Reino Unido têm renda superior aos 20% mais pobres da população.

Além disso, houve “precarização” do mercado de trabalho, ao invés da prometida “empregabilidade”. Afinal, a estrela do crescimento econômico durante o New Labour foi o setor de serviços, particularmente os serviços financeiros, com decréscimo das indústrias.

A recessão, que varreu do mapa político o New Labour em 2010, com a derrota de Gordon Brown, sucessor de Blair, só fez piorar esse quadro social. Hoje, 1 em cada 5 britânicos são pobres e, pela primeira vez na história, a maior parte dos lares em condição de pobreza é habitada por indivíduos economicamente ativos, e não por pessoas que dependem da Seguridade Social. O problema maior está justamente no mercado de trabalho, que não gera empregos na quantidade e, principalmente, na qualidade necessárias para promover a ascensão social dos menos favorecidos. E isso ocorria antes mesmo da crise.

Tal descalabro econômico e social do New Labour e da Terceira Via foi complementado por um submisso alinhamento da política externa britânica aos interesses dos EUA, que levou a o Reino Unido a participar da farsa da invasão Iraque, fato que suscitou a abertura de um inquérito oficial sobre o assunto.
Enfim, a Terceira Via não passou de uma “carapaça ideológica para o neoliberalismo”, como disse o historiador britânico Perry Anderson. Foi assim no Reino Unido; e foi assim também nos EUA de Clinton e na França de Jospin.

Mas essa carapaça ideológica rompeu-se em todos os lugares, revelando a mesmice do pensamento único e a monotonia trágica das políticas conservadoras, associadas à crescente desregulamentação do capital financeiro. As mesmas políticas que provocaram a crise mundial de 2008 e que contribuem, hoje, para manter a recessão na maior parte do mundo industrializado.

Assim, nos países desenvolvidos a carapaça ideológica da Terceira Via atualmente não passa de uma malquista e malcheirosa carcaça política.

No Brasil, no entanto, há gente que quer ressuscitar essa carcaça político-ideológica, apresentando-a como uma grande novidade.

Como no Reino Unido de Blair, a candidatura Marina pretende conciliar políticas econômicas muito ortodoxas e pró-cíclicas com grandes avanços sociais. Pretende também conciliar desregulamentação financeira e econômica e a extinção de mecanismos estatais de estímulo ao crescimento, como o crédito público em áreas estratégicas, com o desenvolvimento.

Como no Reino Unido de Blair, a candidatura Marina pretende alinhar nossa política externa aos interesses dos EUA e aliados. Como lá, doura-se a pílula com um difuso e, por vezes, neomalthusiano ambientalismo. Como lá, afirma-se que a “nova” proposta está além da esquerda e da direita.

Ao contrário de lá, onde o New Labor promoveu grandes avanços, no que tange aos direitos individuais, particularmente dos gays e outras minorias, aqui tais avanços teriam de passar pelo crivo de sumidades teológicas, como a do Pastor Malafaia.

Bastar ler o plano da candidatura Marina para ver o quanto ele se baseia numa leitura anacrônica das teses da finada Terceira Via. Mistura-se essa leitura anacrônica com uma leitura superficial de Manuel Castells e voilá!, temos a “nova política”. A milagrosa política que não é política, o partido que não é partido e as alianças de ocasião que não são “velha política”. A milagrosa política que vai mudar o sistema de representação apenas com a força dos “homens de bem” reunidos em redes, sem a necessidade de um reforma política com participação popular, como propõe a presidenta. Uma milagrosa reforma sem povo, garantida pelos “homens de bem” e pelos “homens de bens” que controlarão o Banco Central.

No plano não há nenhum a pista sobre o porquê que a finada Terceira Via, que fracassou miseravelmente nos países desenvolvidos, num período de bonança econômica, teria sucesso aqui, um país em desenvolvimento, num período de forte e renitente crise mundial.

Afinal, lá era uma aposta nova numa Terceira Via. Aqui é somente a carcaça política de uma fracassada Paleovia.

A resposta talvez esteja em devaneios fora de lugar, e não na razão alicerçada no real conhecimento de um país chamado Brasil. Isso talvez explique porque a candidatura mude de posição constantemente sobre tudo.

Quem é muito “sonhático” acaba ficando muito errático. E sonho anacrônico acaba virando pesadelo.
(*) Marcelo Zero é formado em Ciências Sociais pela UnB e assessor parlamentar do Partido dos Trabalhadores

Redação

10 Comentários

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  1. Faz lembrar Margaret Thatcher

    A diferença é que lá eles escreveram o programa da Thatcher em inglês. Aqui, o programa da Marina foi escrito em um  português obscurantista, mas aos poucos estamos conseguindo destrinchá-lo.

  2. Faltou citar outras coisas no texto

    No New Labor, houve reforma administrativa do Estado? Houve reforma tributária? Houve reforma política? Marina propõe tudo isso, inclusive aumentando a participação popular.

    São realidades diferentes. Não dá para comparar o Brasil e o Reino Unido da forma que o texto pretendeu. Inválidas as conclusões. Não sai nada daí que mereça alguma atenção. A Terceira Via de Blair implantada no Reino Unido (apesar do post dizer que o que foi implantado foi outra coisa, não o que havia sido prometido) seguramente é muito diferente do que propõe Marina, isso por motivos óbvios.

    O texto não fez análise séria, rigorosa, e deixou muito a desejar. Completamente descartável.

  3. Desde o ano passado já tinha dito isso

    Terceira via é periférico,

    sex, 11/10/2013

    “Sobre a chapa Marina/Campos e a “terceira via” nada mais claro e objetivo, tal como cópia exata da outrora terceira via inglesa, e sobre isso digo que  não passa de um discurso maquiavélico tal como foi lá na ilha britânica.”

  4. Só faltou o assessor petista

    Só faltou o assessor petista dizer que depois de Blair, os conservadores voltaram ao poder para salvar a ilha da Rainha das mãos da terceira via. KKKKKK

    Aliás, eles tem uma taxa de desemprego de 6% e estão crescendo a 3,5% ao ano.

     

  5. Excelente texto

    Está corretíssimo

     

    Liberação de Banco Central é liberação, em qualquer lugar do mundo. Esta é a essência do neo liberalismo, desregulamentar o sistema financeiro, e o resultado é o mesmo em qualquer lugar. Os Marineiros podem dourar a pilula, passar um verniz acadêmico, mas os números não mentem, a europa está num dos  piores indices de desemprego do planeta.

    Os EUA desregulamentaram o sistema financeiro e também amargam um desemprego semelhante. 

    Vale lembrar que as circunstâncias que levaram tatcher e Tony Blair eram muito piores do que no Brasil, ou seja, eles estavam em uma crise economica desesperadora e votaram em desespero na extrema direita, com resultados terriveis, para uma crise terrivel. A inglaterra antes de tatcher assumir tinha hiper inflação totalmente fora de controle. O Brasil não tem nada disto. por mais que seja a nossa inflação está relativamente sobre controle e baixa.

    Vale lembrar também que nas últimas vezes que o brasileiro reclamou em vão, como na era de Jucelino, e votou em Jânio, a situação piorou mito. Na época se reclamava de uma inflação de 25% ao ano, por isto votaram em Jânio Quadros, que levou ao regime militar de 20 anos. Só que no fim do regime militar tinhamos uma hiper inflação, de mais de mil por cento ao ano. Não teria sido melhor na época votar no Marechal Lot, candidato de Jucelino, aguentar um pouco de inflação e não termos tido o regime militar? Esta é a lição de um povo que não agradeceu pelo que tinha. Perdeu tudo.

    E no Brasil, os eleitores Marineiros brincam com fogo, estamos em uma das raras economias não afetadas pelo desemprego massivo do mundo, temos a menor taxa de desemprego de nossa história, para que arriscar a perder tudo?

  6. A tal da terceira via é conservadorismo … dissimulado …

    Eu prefiro lutar com o visível do que com o invisível, o camuflado…

    Tatcher é uma pessoa bastante odiada no Reino Unido (e no mundo), porque sabemos a que veio. Ela mesma dizia.

    Sua maior sorte (e azar dos britânicos e sua influência residual global ) foi o pinguço do Galtieri salvá-la com a desastrada forma de querer tomar as Malvinas. Antes, Margareth estava a um passo de cair, com o exército recolhendo o lixo…

    Já a terceira via, de Blair e outros, é apenas um aperfeiçoamento tático para assegurar a mesma estratégia conservadora disfarçadamente, para não gerar maiores resistências. Usa vaselina…

    É conservadorismo e neoliberalismo na veia, com ares de “modernismo” socialesco.

    Com exemplos servis na AL, nosso Brasil teve um principe sociólogo que quase aleijou o país a serviço desta “via”, que é apenas mais uma faixa menos seletiva da estrada conservadora, com placas de “me engana que eu gosto”.

    Os marineiros gostam.

  7. Post de sex, 30/05/2014

    A luta política no Brasil e as eleições

    Assis Ribeiro

    O candidato Eduardo Campos chegou a fazer crer, exatamente ele que pretende ser o “novo”, que a “terceira via” faria unir os interesses destes dois polos. Um engodo.

    Tal política não tem nada de novo e foi o que Tony Blair fez com a tentativa da junção da socialdemocracia com as ideias e políticas neoliberais hegemônicas desde a ascensão de Margaret Thatcher e Reagan.(…)

    No Brasil essa política foi tentada por Fernando Henrique Cardoso e igualmente engolida pelos princípios neoliberais, o resultado todos nós sabemos

    Sobre a terceira via a revista francesa Nouvelle Observateur, assim a definiu: “prolongamento vagamente social da revolução thatcherista”.

  8. essa crítica a essa terceira

    essa crítica a essa terceira via é excelente.

    a terceira via,  nova política da marina,

    não quer isso nem aquilo,

    não faz isso nem aquilo,

    isto é,

    no final das contas,

    não é nada,

    o saco  vazio já tão criticado por muitos e excelentes comentaristas daqui.

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