Eleições 2018: duas questões tornadas uma, Bolsonaro agradece, por Daniel Gorte-Dalmoro

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Eleições 2018: duas questões tornadas uma, Bolsonaro agradece

por Daniel Gorte-Dalmoro

Minha primeira aula da minha primeira faculdade – psicologia na USP -, foi de filosofia. Em tese era só apresentação da disciplina, mas o professor já se perdia em seus pensamentos – marca registrada do “filósofo da goiabeira” -, quando entrou uma veterana em busca de calouros voluntários para um trabalho de alguma matéria. Interrompeu a aula gracejando: “uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa, ou é ao contrário, Furlan?”. Quando a veterana saiu, o professor adentrou por essa nova senda e passou a falar da importância em saber distinguir as coisas, que nem sempre conseguimos perceber que uma coisa é uma coisa, e outra coisa é outra coisa.

Me lembrei dessa aula do Reinaldo Furlan ao assistir ao primeiro bloco do debate da Record do golpe (e do Bolsonaro). Com outros afazeres, não assisti aos demais blocos, mas esse foi significativo: bombardeio pesado contra Bolsonaro (sem muita mira, na minha opinião), com artilharia cerrada também contra Haddad e o PT, apresentado como antípoda de extrema-esquerda do fascista. É a estratégia traçada há mais de um ano pela mídia e o PSDB, que até agora não deu resultado (ou melhor, deu, para Bolsonaro), e não sei se dará certo agora – ainda que haja novidades no contexto, como a facada e o #elenão, não acredito.

Não sei se algum analista já comentou isso, eu só tive o insight ontem: nossa elite não é exatamente das mais espertas (mesmo a que posa de intelectual, como atestam, a título de exemplo rápido, os erros primários de português de FHC e Moro), no máximo eficiente para blietzkriegs – não para estratégias de médio e longo prazo que não passem pela porrada pura e direta -, e uma das suas falhas está em notar que Bolsonaro é um problema, o PT é outro. Salvo Boulos e Haddad, por razões óbvias, e Daciolo, por razões que a razão desconhece, todos os demais candidatos seguiram, ao menos nesse primeiro bloco que presenciei, essa toada: bater forte em Bolsonaro e por o PT como a outra face da moeda. Não notaram que essa é uma moeda que está bastante valorizada, em qualquer um dos lados – são 66% dos votos válidos, conforme o último DataFalha [http://bit.ly/cG180717].

Ao tentar pôr o PT como Bolsonaro de esquerda, a estratégia acaba legitimando Bolsonaro como o antipetista autêntico – e depois de trinta e oito anos da grande mídia atacando o PT, com especial ênfase nos últimos dezesseis, parte dos zumbis-fascistas-vestidos-de-patos não querem meio termo, querem a destruição “dessa raça” (como disse um ex-senador catarinense) apresentada como “câncer” da nação. Que Alckmin busque essa linha é o natural, uma vez que o PSDB se tornou herdeiro do ranço antipetista do malufismo, abandonou qualquer projeto de país – de governo, que seja (não estou considerando rapina do Estado e divisão do butim um projeto, talvez devesse) -, e se centrou apenas no antipetismo moralista udenista ou, mais recentemente, num neofascismo de compadrio vestido de cashmere.

Marina e Ciro, por sua vez, possuem outras possibilidades de discurso, poderiam bater em Bolsonaro como fizeram, mas se apresentar como alternativa ao petismo, desvinculando as duas questões: uma é combater o fascismo, outra é superar o petismo (seja lá o que isso signifique). A estratégia, caso vingue agora, tende a favorecer Alckmin. Caso não vingue, tende a tornar ainda mais envenenado o ar do segundo turno, encaminha para um “todos contra o PT”, nem que para isso vingue o fascismo, que está cada vez mais naturalizado como opção política legítima.

Será preciso muita mobilização, na internet, nas conversas ocasionais e nas ruas para vencer as eleições. E será preciso manter essa mobilização pelos próximos anos para garantir que valores democráticos prevaleçam.

01 de outubro de 2018

Redação

4 Comentários

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  1. Pitaco do Ciro

    Ciro diz: “Não se troca de Constituição como quem se muda de roupa” em crítica ao PT e ao PSL (Folha de São Paulo)

    Logo ele, que já passou por sete partidos políticos!!

  2. Abaixo o preconceito linguístico!

    “Erros” de português? Por parte de falantes nativos? Quem fala isso é que nao sabe nada sobre linguagem. Dizer que a linguagem de outros está errada é PRECONCEITO LINGUÍSTICO. Tao grave quanto qualquer outro tipo de preconceito. NAO HÁ NENHUM CRITÉRIO VÁLIDO pelo qual a linguagem de uns seria “correta” e a de outros nao. A “língua” descrita nas gramáticas normativas nao corresponde mais à linguagem de ninguém, nem à das pessoas de nível superior. Como prova aliás o uso dessas formas que vc considerou erradas por FHC e Moro, pessoas de classe alta e nível superior. FHC e Moro sao detestáveis pelo que dizem (e fazem), nao pelas formas usadas quando dizem o que dizem.

    1. de acordo contigo,

      de acordo contigo, inteiramente. apenas sigo a lógica dos doutos citados: para eles, que se dizem letrados e cultos e intelectuais, cheio das pompas e com nojo a cheiro de povo, é de se imaginar que sigam a norma culta, até para marcar distância para o populacho (vale lembrar tb a carmen lúcifer falando m* de presidenta pq dizia “respeitar o português correto” pra depois ser desmentida pelo pasquale). talvez tenha faltado as aspas no “erros”.

      1. Q bom q vc concorda Mas quero acrescentar algo

        É a sua mençao à “norma culta”. Esses professores astromares da vida procuram fazer as pessoas acreditarem que a descriçao contida nas gramáticas normativas coincide com aquilo que os linguistas chamam de “norma culta”. NAO É VERDADE! Mattoso Câmara falava somente de norma, e a definia simplesmente como “conjunto de hábitos linguísticos vigentes no lugar ou na classe social mais prestigiada do país”. O que está em jogo é um valor social, nao linguístico.

        Houve um projeto linguístico importante, o projeto NURC, que adotou o termo “norma culta” para definir a(s) variedade(s) linguística(s) padrao. Adotou-o porque o critério escolhido para definir a escolha dos informantes foi o fato de terem nível superior (o que no Brasil, na época sobretudo, diz mais respeito à classe social dos falantes do que ao nível cultural deles…). Mas o NURC nao dá base para a existência de uma norma única — ele descreveu as normas de várias regioes metropolitanas do país, diferentes entre si — muito menos para a identificaçao entre qualquer uma delas com o tipo de linguagem descrita nas gramáticas normativas, que nao é uma variedade linguística real, é apenas o fruto da descriçao de traços linguísticos arbitrários tirados de escritores de diversos lugares e tempos, nao necessariamente falantes de uma mesma variedade. NINGUÉM FALA AQUELA LINGUAGEM, NEM OS FALANTES DE NÍVEL SUPERIOR. Ela nao é a norma culta, transformou-se antes naquilo que Marcos Bagno chama de norma oculta, um conjunto de prescriçoes que nao têm base no uso efetivo de ninguém, de nenhuma classe social ou nível de escolaridade, e que, salvo meia dúzia de professores astromares, ninguém conhece; é um “saber exotérico”, nao é um conhecimento real.

         

         

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