Lula, o fenômeno não previsto por Erick Hobsbwam

A imprensa, especialmente a imprensa televisiva, acredita que tem o poder de fazer e desfazer presidentes. Ela ajudou a eleger Fernando Collor e FHC duas vezes. Também foi decisiva para legitimar os processos de Impedimento contra Fernando Collor e Dilma Rousseff. Mas a TV não foi capaz de impedir a eleição e reeleição de Lula e da própria Dilma Rousseff.

O abismo entre a TV e os eleitores cresceu muito nos últimos dois anos. Eleito pelos barões da mídia, Michel Temer se tornou perigosamente impopular e odiado. Dilma Rousseff, a presidenta deposta, recuperou parcialmente sua popularidade. Mesmo condenado e preso a liderança política de Lula não foi destruída. Muito pelo contrário, as intenções de voto no ex-presidente petista continuam crescendo de maneira consistente. Se ele for impedido de disputar as eleições de 2018 o agravamento da crise política e econômica serão inevitáveis. 

Lula foi impedido de dar entrevistas na TV. Essa proibição, interpretada como censura ilegal, não foi capaz de influenciar os eleitores em favor dos produtos eleitorais oferecidos ao respeitável público pelos barões da mídia. Bolsonaro foi isolado do Centrão (eufemismo para o ajuntamento descoordenado dos políticos mafiosos que deram o golpe de 2016 para tentar se proteger doando o Brasil aos estrangeiros) e não consegue nem mesmo indicar um vice. Geraldo Alckmin fechou com o Centrão, mas não tem eleitores fora de São Paulo (onde a candidatura de Lula também cresce de maneira consistente). Ciro Gomes quer ser presidente, quer ser presidente, quer ser presidente… Ele cortejou a direita e foi descartado, corteja a esquerda e não será aceito a menos que desista de sua pretensão pessoa.

Apenas uma coisa é certa neste momento. Lula não precisa mais da TV para entrar nos corações e mentes de dezenas de milhões de eleitores brasileiros. A supremacia política da liderança do ex-presidente preso desafia até mesmo a sofisticada análise de Eric Hobsbawm fez do poder deletério que a mídia havia adquirido no final do século passado:

“Em certo sentido, os meios de comunicação são thatcherianos, pois não acreditam na existência da sociedade, mas apenas dos indivíduos. Eles estabelecem um relacionamento direto com cada pessoa, domicílio por domicílio. Tradicionalmente, o processo eleitoral exigia uma mobilização coletiva de militantes a fim de influenciar os eleitores. Hoje, nada disso é necessário. Teoricamente, é perfeitamente possível para um líder individual dirigir-se a todos por intermédio dos meios de comunicação. Já é tecnicamente possível votar sem sair de casa, usando o controle remoto de sua televisão. No entanto, a importância do processo eleitoral, que mobiliza os cidadãos ao menos um dia, é, na minha opinião, essencial para se manter única a sociedade e proporcionar-lhe o sentimento de ser uma comunidade com direitos e deveres.

Não estou dizendo que tudo isso não poderia ser substituído por algo diferente, mas é extremamente difícil para alguém que foi criado em outra era política prever o que seria tal coisa. Temo que quanto mais a política seja despolitizada e privatizada, mais prejudicado ficará o processo democrático. A política torna-se algo dirigido por minorias e, como na Itália, acaba sendo percebida como algo irrelevante para a vida cotidiana das pessoas. E isso não é bom nem para a esquerda nem para a vida pública.” (Erick Hobsbwam – O novo século – entrevista a Antonio Polito, Companhia de Bolso, São Paulo,  2014, p. 108/109)

Tudo indica que as eleições de 2018 não serão apenas um teste para a esquerda e para Lula. Elas serão, sobretudo, uma prova de fogo para o sistema de domínio do Estado que chegou ao poder em 2016. No centro da disputa eleitoral não estará a presidência e sim o poder da mídia de superar sua incapacidade de destruir o sapo barbudo preso em Curitiba. A estratégia adotada pelo PT desafia a lógica do golpe de 2016 e a crença dos poderosos e dos seus “canetas” de que a televisão será capaz de criar e consolidar o neoliberalismo no Brasil.

Se Lula disputar a eleição e ganhar a faixa presidencial o neoliberalismo será enterrado em menos de um ano em nosso país. Se ele não disputar a eleição, a sobrevida do neoliberalismo não está garantida porque a legitimidade do novo presidente será pequena. Mas o que virá depois de consolidada a nova realidade política não será necessariamente o crescimento econômico, pois o cenário mundial não é tão favorável agora quanto foi durante os dois mandatos de Lula. Será preciso inventar uma nova maneira de distribuir renda. Está correto, portanto, o programa do PT: os bancos e os banqueiros, que lucraram horrores antes e depois do golpe de 2016, terão que pagar a conta.

 

Fábio de Oliveira Ribeiro

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