O ódio como força motriz, por Bruno De Conti

do Brasil Debate

O ódio como força motriz

por Bruno De Conti

O que será de um país cujo chefe de Estado é movido pelo ódio? A resposta é simples: conflitos, perseguições, divisões, destruição. Foi assim na Alemanha, em 1932; no Brasil, em 1964; não será diferente no Brasil de 2019

A indignação é uma poderosa força de transformação. É impossível, em sã consciência, olhar para esse mundo e conformar-se. Nem mesmo os calos da alma, forjados pela visão cotidiana de determinadas atrocidades, podem apagar a indignação. Afinal, ninguém que guarde um mínimo de humanidade pode olhar para moradores de rua sem sentir-se indignado; pensar em crianças com fome, sem sentir-se indignado; ver as imagens do assassinato de um rio, por parte de uma empresa pretensamente útil ao desenvolvimento nacional, sem sentir-se indignado; saber que a corrupção desvia valores imensos de dinheiro público em um país tão carente quanto o nosso, sem sentir-se indignado. A indignação em relação à nossa sociedade deve constituir-nos como seres políticos, como seres capazes de lutar por mudanças, como seres humanos insatisfeitos com tanta desumanidade.

Mas não nos confundamos: indignação não significa ódio. A indignação impulsiona transformações necessárias. O ódio, não. São sentimentos muito distintos e com consequências muito diversas.

Tendo isso em mente, preocupa-me perceber que uma parte da sociedade brasileira vem hoje apostando suas fichas nas possibilidades de salvação da pátria por parte de um candidato que é a síntese máxima do ódio. Achando feio o que não é espelho, o Narciso de nossos tempos odeia todas as mulheres, declarando que elas merecem ganhar menos do que os homens. Odeia todos os negros, dizendo que foram eles que se autoescravizaram e são os responsáveis por suas próprias mazelas. Odeia os homossexuais. Odeia todos aqueles que assumem posições políticas diferentes às suas, dizendo em alto e bom tom que é a favor da tortura e tecendo louvores à ditadura militar e ao General Ustra, um dos representantes máximos dessa forma de governo.

Tenho ouvido de alguns a acusação de que estou exagerando em minhas percepções; de que estou selecionando menções infelizes do sujeito em questão. Ora, se alguém aqui acha que há algo que o move que não seja o ódio, por favor me mostre.

Obviamente, não caio aqui na conclusão idílica de que será o amor puro, transcendental, sacrossanto, o responsável pela nossa salvação. Não é disso que se trata. Mas justamente saindo do campo etéreo das emoções e analisando o terreno concreto das consequências de ações com distintas motivações, é muito fácil perceber as implicações. Até mesmo para as coisas mais triviais, de nosso dia a dia, aquilo que é feito com ódio termina mal. Cozinhar com ódio, dirigir com ódio, educar crianças com ódio, gerir uma empresa com ódio… nada disso tem a mínima chance de dar certo.

Assim, a pergunta que faço é: o que será de um país cujo chefe de Estado é movido pelo ódio? E a resposta é muito simples: conflitos, perseguições, divisões, destruição. A história nos ensina. Foi assim na Alemanha, em 1932; foi assim no Brasil, em 1964; não será diferente no Brasil de 2019.

Aliás, antes mesmo do fim das eleições, o ódio do candidato já tem se refletido em violência política por todos os cantos do país (inclusive contra ele próprio…).

Meu apelo, portanto, é: unamo-nos na indignação contra os profundos problemas da nossa sociedade. Cotidianamente, alimentemo-nos dessa indignação. Que o governo eleito seja sim pautado por essa indignação em relação às profundas contradições e aberrações de nosso país. Mas não nos deixemos conduzir por um sujeito que exala o ódio; que terá no ódio a sua motivação. O ódio como força motriz de uma nação não pode resultar em nada além de tragédias.

Bruno De Conti – É professor do Instituto de Economia da Unicamp e pesquisador do Centro de Estudos de Conjuntura e Política Econômica (CECON/Unicamp)

Crédito da foto da página inicial: Agência Brasil

 

 

Redação

11 Comentários

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  1. Acho que vai além  do ódio.

    Acho que vai além  do ódio. Trata-se de uma visão de mundo, de sociedade. A visão que Bolsonaro tem da dinâmica social talvez seja a de uma luta de box e, mesmo assim, o juíz indicado por ele não aceitaria a vitória de um negro ou de um representante das minorias.  Lembra um tal de Adolf. 

  2. Sentimentos
    Já é hora de nós latino americanos deixar esse excesso de sentimentalismo na política. Esse discurso é simplista, desprovido de lógica, e sem objetivo a não ser manipular pessoas. Vamos aos fatos: o candidato da direita tem um projeto que prejudica a maioria da população, essencialmente empobrecida… ponto. Esse negócio de ódio deixa para as novelas televisivas.

  3. pior é que violência gera mais violência…

    trago de 1993 a chacina da Candelária praticada por milicianos da mesma laia dos que estão surgindo hoje;

    e hoje temos muito mais crianças expostas à mesma barbárie que, ao que parece, pode passar a ser permitida pelo governo fascista

     

    desnecessário acrescentar que um dos meninos que sobreviveu veio a praticar o sequestro do ônibus 174

    1. Quem com ferro fere…

      ……com  ferro  será  ferido !!

      A  sociedade está  ( provavelmente )  cometendo  um  de  seus  maiores  erros  políticos  e  humanos !!

       

      1. também acho…

        pois sou daqueles que gostam de se vestir largadão, roupa comum ou de pobre, pobre da forma que muitos veem, e já fui muito mal recebido em vários locais e estabelecimentos ornamentados e construídos, ao que parece, só para pessoas que concordam com a tal “lavada geral”

         

        quando penso que meu fundo de pensão é dono de vários desses estabelecimentos chiquérrimos, recebendo o aluguel com eles vendendo ou não vendendo, me dá até vontade de rir da desgraça que a todos espera

      1. valeu, companheiro…

        você tem toda razão

        governo que estimula, estimula a todos, qualquer cidadão, não apenas os bárbaros sob seu comando

        grande abraço

         

        apesar de não ter colocado de onde veio o estímulo na chacina da Candelária, pode ter certeza que foi de pessoas muito parecidas com as que estão contribuindo financeiramente e dando maior força para surgimento de um governo que concorde com uma “lavada geral”, digamos assim, para não nos ferir muito só de pensar que pode acontecer, das ruas e do comércio próximo as comunidades

         

        se bobear já foi até mapeado, ruas e bairros, e, pasme, justamente de onde está vindo muitos votos para tanta e tal barbárie

  4. É ASSIM DESDE O BRASIL DE 1930

    Construimos esta realidade. E todas Elites que ascenderam juntamente com o Caudilhismo Fascista se esbaldaram em quase 1 século da Construção e Manutenção da Indústria da Pobreza, Miséria e Atraso que se instalou no Brasil. E toda a vez que tentamos nos livrar desta Cleptocracia Parasitária Esquerdopata veio o golpe. Assim no Fascismo Varguista. Assim com Jânio Quadros. Assim com Collor. Mas a Bipolaridade Tupiniquim é tão Aloprada que conseguiram fazer Dilma cair no próprio golpe. O Brasil é de muito fácil explicação. 

  5. Bolsonaro é o “Deuschhhhhh” do Daciolo para os bolsominions

    A estratégia do Bolsonaro, aproveitando as redes sociais (provavelmente com apoio externo do empresário cervejeiro) é comunicar-se com o eleitor diretamente, sem passar pelos meios convencionais de comunicação, como uma espécie de “protestantismo” ao inverso, que linkou diretamente o povo com Deus na Alemanha do Martin Lutero. Bolsonaro é um Daciolo no sentido contrário, o próprio “Deuschhhhhh” falando ao povo pelas redes. O eleitor do Bolsonaro, que dispensou a comunicação formal da mídia e apenas se orientou pelas redes, fakes e fofocas, terá que ver em breve, pela TV, um novo sujeito que nem conhece. A estratégia do Bolsonaro é ganhar votos como Super-homem e receber a faixa como Clark Kent.

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