O parlamento e a reforma política

• Cezar Britto é ex-presidente nacional da OAB e presidente da Comissão Especial pela Reforma Política da OAB
 
A não cassação do deputado federal Natan Donadon por seus pares,  independentemente do debate sobre a natureza democrática do voto secreto, evidenciou algo perigoso: o divórcio entre a Câmara dos Deputados e o povo que entende  representar. A mesma dicotomia apresentada pelo Senado -instância parlamentar que representa a Federação- e a sociedade que habita essa Federação, quando da apresentação de um periférico projeto de Reforma Política.
 
Quando entre representantes e representados se estabelece tal desarranjo, a ponto de já não falarem a mesma língua, é a política que está enferma -e é ela que necessita de cuidados. Urgentes cuidados. Afinal, é a política a única via civilizada que o ser humano concebeu para dirimir pacificamente seus conflitos.
 
Não pode, pois, uma sociedade, seja qual for, prescindir, em hipótese nenhuma, da política se pretende viver em ambiente civilizado, dentro dos fundamentos do Estado democrático de Direito. Dito isso, tratemos do Brasil neste delicado momento histórico.
 
Desde a redemocratização -e lá se vão duas décadas e meia-, o país ainda não ajustou sua política à expectativa e às necessidades de sua sociedade. Para que a política exerça sua missão, é preciso que concilie ética, funcionalidade e representatividade. Quando um desses fatores falha, a política também falha. Torna-se impotente.
Imagine, então, quando todos esses fatores entram em colapso. É o caso presente, que resulta em descrédito das instituições políticas, ameaçando o próprio Estado democrático de Direito. É preciso que a classe política pense mais nas próximas gerações do que nas próximas eleições.
 
Urge, pois, reformá-las, para regenerá-las – enquanto é tempo. Atenta a esse quadro, a OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) não se limita a diagnosticar a debilidade institucional do país. Indica soluções. E assim o faz coletivamente, através do que se denominou Coalização Democrática pela Reforma Política.
Nossa proposta de reforma política, aprovada pela unanimidade da Coalização, foi encaminhada à Câmara dos Deputados no início deste mês. Inclui, entre outras medidas saneadoras, o cerne das distorções: a proibição das empresas transformarem financiamento eleitoral em investimento econômico. Afinal, empresa não é povo -e como tal não foi constitucionalmente convidada para o banquete eleitoral.
 
É indispensável que se estabeleça um novo critério -transparente e equânime- em relação ao financiamento de candidaturas. Nos termos atuais, é o capital privado que as financia, cobrando depois em moeda política -isto é, em atos governativos- as doações, parte expressiva delas em caixa dois. Os grandes conglomerados financeiros dão-se ao luxo de financiar indistintamente todos os candidatos, tornando-se previamente os verdadeiros vencedores das eleições.
 
Disso resulta, além das numerosas transgressões éticas que temos visto, a privatização do Estado, que passa a ter suas políticas revertidas em benefício dos que financiaram os eleitos, e não do contribuinte que o sustenta com seus impostos.
 
São aspectos tópicos da reforma, que trata ainda de fidelidade partidária, inelegibilidades, dois turnos para as eleições proporcionais, valorização dos partidos políticos de conteúdo ideológico, proibição do caixa dois, democracia direta, listas partidárias etc.
 
Não pretende a Coalizão Democrática ter o monopólio da verdade. Mas quer ver o tema em discussão, já que não pertence apenas aos políticos. É de todo o povo, pois, como diz a Constituição (artigo 1º, parágrafo único), é dele, afinal, que “todo o poder emana”. É ele o soberano e, como tal, não pode estar -como tem absurdamente estado ao longo de toda a nossa história- ausente do processo que, em suma, decide e define o seu destino.
 
Nesse sentido, a nossa proposta de iniciativa popular.
 
• Cezar Britto é ex-presidente nacional da OAB e presidente da Comissão Especial pela Reforma Política da OAB
 
Redação

7 Comentários

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  1. …… tao cedo nao teremos

    …… tao cedo nao teremos reforma politica, pois os politicos nao a querrem.

    pra valer, a Constituiçao de 88 previa consulta popular – q foi feita e o PARLAMENTARISMO nao vingou. afora o povo q nao sabe do q se trata, os mais retrogrados – inclusive a midia, fizeream de tudo para enterra-la e conseguiram.

    estamos como barco a deriva, com o PRESIDENCIALISMO tentando se erguer da queda de popularidade.

    uma coisa eh certa: sem um grande plano nao sairemos do chao. sem um grande LIDER nao entraremos numa via sem volta.   e o povo curte as migalhas (bolsas) q vao ganhando. 

  2. Reforma Política.

    Entendo que as propostas para a reforma política apresentadas estão muito tímidas.

    Deveria ser feito algo de peso, como dois itens que proponho abaixo:

    a) Redução do numero de partidos polícos para dois ou três no máximo.

    b) Redução no numero de parlamentares em 50% (vereadores, deputados estaduais, deputados federais e senadores).

    Além da enorme economia que seria para o Brasil, reduziria em muito o tarmite de leis e negociações. Haveria uma maior agilidade nas reais necessidades do Brasil.

    Fica ai minha sugestão e estou disposto a contribuir para que esse sonho se concretize.

     

    Att., 

     

    Paulo Ayres

  3. O artigo tangência alguns dos

    O artigo tangência alguns dos problemas, e deve ser aplaudido, mas também ampliado.

    Temas a serem incluídos:

    1) Os parlamentares terão força suficiente e disposição para modificar situações que lhes são favoráveis como beneficiários “ad quo”?

    2) Qual a força das demais instituições, aqui incluindo a própria OAB e o povo em suas manifestações de junho, democráticas para impelir o Congresso Nacional para as reformas?

    3) Os altos índices de impopularidade do parlamento cientificamente comprovados pelos altíssimos índices de votos brancos, nulos e eleitores que não comparecem às urnas, a renovação em torno de 50% do parlamento nas últimas eleições foram suficientes para a realização das reformas?

    4) A luta do governo para que as reformas se realizassem via constituinte específica deu em nada, por quê?

    5) Vários projetos de reforma política de maior amplitude foram engavetados, outros “amarrados” e o Câmara cria uma comissão no calor das manifestações a qual apresenta um remendo de péssima qualidade, por quê?

    6) O divórcio entre a Câmara dos deputados e povo pode ser ampliado para incluir o divórcio entre a justiça e o povo?

    7) Por que o país ainda não ajustou sua política à expectativa e às necessidades de sua sociedade?

    8) A OAB tem exercido  com resultado satisfatório as suas funções expressas no  art. 44 da Lei 8.906/94 (Estatuto), tais como a disciplina e defesa da atuação dos advogados; a defesa da Constituição, da ordem jurídica, dos direitos humanos e da justiça social?

    9) Qual a responsabilidade da OAB na formação do sentimento da população de que a justiça só funciona para os PPP e na sua afirmação de que o país ainda não ajustou sua política à expectativa e às necessidades de sua sociedade?

    Ou, como brilhantemente diz Luiz Gonzaga Belluzzo:

    “Os brasileiros – alguns hoje se manifestam nas ruas – foram submetidos a um processo de “esquecimento coletivo” promovido por uma conspiração de silêncio. A conspirata envolve não só os governantes esbirros do conservadorismo, os senhores da mídia, mas também o sistema educacional – do ensino básico ao superior – empenhado em formar analfabetos funcionais ou, na melhor das hipóteses, especialistas incapazes de compreender o mundo em que vivem.

    A estrutura de classes no Brasil é muito original: na cúspide, os predadores que disputam os despojos da riqueza velha; no meio, os trouxas e os espertalhões ideológicos das camadas falantes semi-ilustradas; lá embaixo, os “ferrados” que tentam desesperadamente emergir da miséria.”

    Concluindo,

    O avanço da sociedade  não se dará apenas com a difícil aprovação de uma reforma política ampla, mas é preciso que as outras instituições do país de reformulem, resgatem a confiabilidade de outrora neste mundo de pouca ética e respeito ao direito de todos;

    Constituinte já.

     

     

  4. Voto obrigatório

    Fico com uma profunda frustração por que todo mundo fala de reforma política e ninguém – nem o representante da OAB – se manifesta pela extinção do voto obrigatório.

    Sempre reafirmo que defenderei o voto forçado, se alguém me disser que gosta de fazer algo pela imposição, pela obrigação.

    Para mim, é basilar de todas as demais discussões sobre cidadania e política. Só para reafirmar, defendo a ideia de que não existe democracia onde o voto é obrigatório.

     

     

  5. PQP…

    Se você é descendente indireto das sacanagens proporcionadas  na colonização do Brasil, então  você é nosso convidado especial para fazer parte  do maior  e  mais representativo da nação:  o PQP !!

    Seja  bem vindo  e fique à vontade, nosso slogan é: “Na casa da mãe Joana, a putaria  é diferente da casa dos 3 poderes” !!

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