Aldo Fornazieri
Cientista político e professor da Fundação Escola de Sociologia e Política.
[email protected]

O velho discurso do novo, por Aldo Fornazieri

Hannah Arendt, em A Condição Humana, nos diz que a ação e o discurso (proferimento de palavras) são os modos pelos quais os seres humanos se manifestam uns aos outros. A relação entre ação e discurso expressa a revelação – quem a pessoa é. Mas, dado o caráter problemático da ação, sendo ela de natureza imprevisível, mais do que ela, o discurso tem mais afinidade com a revelação. Em sendo a ação humana imprevisível, o futuro também vem sempre recoberto de incertezas e imprevisibilidade. A palavra tem o papel de reduzir essa imprevisibilidade não só porque ela é o elemento que estabelece a confiabilidade entre os seres humanos, mas também porque através dela, é possível fazer promessas em relação ao próprio futuro.

Neste momento em que as três principais candidaturas à presidência da República estão definidas é importante acompanhar a construção dos discursos que as mesmas promovem, seja através dos próprios candidatos, seja através de seus prepostos – os marqueteiros. Os três candidatos – Dilma, Aécio e Eduardo Campos – estão levando em conta um dado importante da conjuntura para definir seus discursos: o anseio de mudança do eleitorado, que estaria acima de 70% de acordo com as pesquisas. Quando na oposição, o PT fez o discurso da mudança e da renovação da política. No poder, mudou e renovou menos do que se esperava. Recentemente, Lula afirmou que “o dinheiro fez do PT um partido convencional”. Dilma continua pregando a mudança precisando defender a continuidade. Resta ver se dará certo.

A História não imputa a Aécio e Campos o Papel de Reformadores Políticos

Aécio Neves e Eduardo Campos buscam trabalhar o anseio de mudança com a afirmação do conceito em seus respectivos discursos. Assim, convém examinar até que ponto tais discursos podem ou não gerar confiabilidade e revelar efetivamente quem os candidatos são. Antes de tudo, cabe dizer que os dois candidatos, principalmente por serem oposicionistas, têm o direito de empunhar o discurso da mudança. Mas é também um direito que assiste qualquer cidadão submeter os discursos ao crivo do debate público e ao exame de seus conteúdos.

À primeira vista parecem existir dois critérios para medir os graus de confiabilidade e de revelação de quem efetivamente são os dois candidatos. O primeiro critério diz respeito ao exame das histórias da vida pública de Aécio e de Campos para perquirir até que ponto elas os credencia para que cada um se apresente como um reformador, um refundador da política brasileira. O segundo critério manda examinar a coerência discursiva de ambos.

Pelo critério do exame das histórias da vida pública de Aécio e de Campos não há nenhuma razão, por mais esforço que se faça, de conceder credenciais que os qualifiquem como reformadores, inovadores ou refundadores da prática política. Geneticamente, ambos são netos da velha tradição política. Como os dois já têm um longo histórico político, sendo que foram governadores por dois mandados consecutivos em seus estados, o exame de suas práticas e de suas realizações também diz que não é possível reputá-los como reformadores e refundadores. Ocorreram esforços pontuais de melhorias em Minas Gerais e em Pernambuco, mas nada que transforme esses dois estados em uma excepcionalidade exemplar a ser seguida pelo resto do Brasil. Os indicadores sociais, econômicos e de violência em alguns casos são melhores e em outros são piores do que os indicadores de outros estados brasileiros. Tanto no governo de Aécio, quanto no de Campos existem denúncias de corrupção. Seus governos articularam alianças com partidos que também se aliam ao PT. Os governos de ambos abrigaram velhas raposas que raspam o tacho e que agora Campos tanto as critica.

Falta Coerência a Aécio e Campos

Aécio e Campos têm se esmerado em pregar a renovação da política e a exigência de novas práticas na vida pública nesta véspera de campanha. Ambos condenam a “política rasteira”, a “política do ódio” e a “política da baixaria”, imputada ao PT. Mas a veracidade e a fidedignidade desse discurso não ultrapassa o umbral do locam em que se realizaram as convenções do PSDB e do PSB.

Acerca dos xingamentos a Dilma, Aécio os validou em declarações e tentou condená-los no Facebook. Na convenção partidária pregou a extirpação do PT no poder pela força de um tsunami. Ataques à corrupção petista foram disparados com fúria por líderes de um partido que tem um largo histórico de denúncias de corrupção que pesam sobre seus ombros. Para um líder que quer renovar a política, a coerência discursiva exige que ele reconheça que a corrupção é uma prática de todos os partidos, inclusive no seu, e que ela é estrutural o Brasil.

Mais do que isto: na última semana, Aécio pregou, sem pudor ou rubor, o oportunismo político, a traição e a falta de fidelidade. Várias reportagens trouxeram a seguinte declaração do candidato tucano acerca de deserções de governistas em favor da sua candidatura: “Muito mais gente já desembarcou e o governo ainda não percebeu. Vão sugar um pouco mais. E eu digo para eles: façam isso mesmo, suguem mais um pouquinho e depois venham para o nosso lado”. Todo discurso de renovação da política desmorona diante de tal pregação e se tal discurso persistir deve ser entendido como manipulação eleitoral. Ao quebrar a autenticidade de seu discurso, Aécio quebra a possibilidade de que se confira confiabilidade e fé na sua palavra.

No discurso da convenção do PSB, Campos fez a seguinte afirmação: “Os que se revezam no poder no Brasil ao longo desses 20 anos pensam e tentam convencer o povo que agora vão fazer diferente. Mas todos nós sabemos que eles já perderam a energia renovadora, pois se entregaram aos encantos, se deixaram dominar pelo cerco das velhas elites, das práticas mofadas, antigas, ultrapassadas, que já não servem”. Qualquer leitor que saiba que Campos foi duas vezes governador, que ocupou vários cargos públicos, inclusive, que foi ministro do governo Lula, há de ficar perplexo ante tal afirmativa. Campos e muitos dos seus pares também estão se revezando no poder nos últimos 20 anos.

Note-se que na nova política de Campos também cabe validar os xingamentos à Dilma na abertura da Copa. Na convenção do PSB, Marina Silva pregou uma campanha “limpa”, sem “eliminar ninguém”. Os convencionais, as bases militantes do PSB e da Rede Sustentabilidade, que irão elevar a política à santidade da pureza, simplesmente entoaram os seguintes cânticos: “A Dilma no governo o povo não quer mais, xô satanás, xô satanás”. Isto pode ser válido, é um direito, mas não é nova política. O fato é que nem Campos e nem Aécio representam a chamada nova política. Eles fazem parte da política real que está aí, andam junto com sanguessugas, com velhas raposas, com gente que raspa o tacho. A nova política tem pontas soltas aqui e ali, em vários partidos, nos movimentos sociais. Mas enquanto projeto de governo, ela não existe, não está no verbo em nem na carne. O verbo que vem sendo proferido é incoerente e não merece fé. A carne que poderia ser a encarnação da potência de um novo verbo político não nasceu, não é esperança.

Aldo Fornazieri – Cientista Político e Professor da Escola de Sociologia e Política.

 

Aldo Fornazieri

Cientista político e professor da Fundação Escola de Sociologia e Política.

8 Comentários

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

  1. ” … o anseio de mudança do

    ” … o anseio de mudança do eleitorado, que estaria acima de 70% de acordo com as pesquisas.”

    Vamos ver o congresso que vai sair desse “desejo de mudança”. Se for parecido com o atual esse desejo é invenção ou wishful thinking

    Quando na oposição, o PT fez o discurso da mudança e da renovação da política. No poder, mudou e renovou menos do que se esperava.”

    Desde quando o PT está no poder?

    Fica difícil entender como a academia produz textos tão dissociados da realidade.

  2. Discordo do colunista em

    Discordo do colunista em relação à atuação do PT como governo; sabem as onças – despintadas – que o PT é só um dos tantos partidos que dão sustentação ao governo federal; assim como nenhum partido, sozinho, faz qualquer dos governos estaduais; são governos de coalizão, onde a ideia inicial de mudança – onde houver – precisa se submeter à realidade do outro (agora) parceiro. Não há como governar por decreto. Não estamos – de certo modo, aqui – ante governos ditatoriais. Nos estados governados por conservadores, fácil fazer, manter e “engordar” as coalizões; no governo federal de timbre petista, a dificuldade é imensurável, pois, para cada aprovação do interesse público, há de ceder em “n” pontos, a ponto de – por vezes – desfigurar e desqualificar a ideia original. Os dois presidentes que tentaram fazer diferente (desconsiderar o legislativo, acertadamente ou não) foram defenestrados do poder (Jânio e Collor). Não há como estabelecer e implantar suas políticas sem passar pelos obstáculos “amigos”. Portanto, mentem ainda mais os tais oposicionistas: é só verificar quem são seus aliados e apaniguados. Talvez o que possa nos dar algum alento seria o PT constituir bancada significativa, diminuindo, assim, o poder de “barganha” dos (seus) aliados e, mais, podendo chamar para si a responsabilidade pela reforma política necessária. Nem Dudu, muito menos Aécio, dizem vírgula sobre a moralização política via alterações constitucionais (cláusula de barreira, por exemplo). Bando é pouco, quadrilha.

  3. Sem mais, nem

    Sem mais, nem menos…

    Preciso e certeiro

    “A História não imputa a Aécio e Campos o Papel de Reformadores Políticos”

    “Falta Coerência a Aécio e Campos”

  4. 1- nunca haverá mundança se

    1- nunca haverá mundança se os partidos continuarem indicando do mesmo jeito. Por isso, os dos primeiros conselhos populares deve ser para indicar que pode ou não ser candidato. um dos critérios é não ter sido eleito para o mesmo cargo e nem ter familiar, parente de qualquer grau,  eleito ou ocupando cargo público para evitar que se formes verdadeiro clã, como os Sarney

    2 – de fato, o petismo nunca foi poder, é apenas a parte menor de uma coalisão

  5. por uma eleição sem “baixaria” será q vai ser possível?

    comparar o passado dos candidatos é algo até ingenuo( mas é o que as redes sociais “infanto-juvenis” estão fazendo …são realidades, situações , circustâncias vivências muito diferentes de cada candidato da mesma forma que é infantil achar q a corrupção vai acabar mudando o governo e o partido isso é coisa de quem quem  não sabe q o país surgiu de uma barganha  ou seja desde os nossos primórdio que a corrupção nos acompanha… é até hilário pensar assim… não sei o q é pior ver as pessoas pedindo p mudar o governo (ter o novo) ou ver os outros candidatos falando q vão fazer a mesma coisa do atual  só querem mudar a liderança… ham? espero mesmo que a honestidade, a etica , o bom senso permeie os debates e que as máscaras caiam … sem o jeitinho brasileiro só não sei se o povo terá a capacidade para entender já que virou modismo ser do contra, revoltado,descolado sem ao menos entender nada, de nada da politica brasileira. será que vão cumprir a ” não baixaria ” ? veremos…

  6. O que é velha política?

    Sei que dossiês em bunkers clandestinos, ou acordos com Sarney e Maluf não são, muito menos neo-geiselismos à lá “Brasil, ame-o ou deixe-o”

  7. Comentario ao artigo de Aldo Fornazieri

    Está ai, professor Aldo Fornazieri, concordo com seu artigo em , coerência, palavras, e escolhas devemos mesmo nos perquirirmos às nossas memorias , e falta de memoria dos candidatos que prometem mudanças e reformas inovadoras , valendo-se da falta de leituras , releituras e analises dos nossos eleitores ao discurso pernicioso e tendencioso dos candidatos à presidência da Republica..encomendado aos publicitários e marqueteiros que se encarregam de fixa-los na mente da população calejada da corrupção e da falta de vergonha que ambos cometem em nosso pais e depois se apresentam com uma legenda nova sendo os mesmos e velhos sem vergonha e inovação alguma ..como um candidato ideal e magico… cheio de saídas e inovações , mas que na verdade são os mesmo. encapados de publicidade e boas intenções

Você pode fazer o Jornal GGN ser cada vez melhor.

Apoie e faça parte desta caminhada para que ele se torne um veículo cada vez mais respeitado e forte.

Seja um apoiador