Origens oligárquicas de Eduardo Campos

Patricia Faermann
Jornalista, pós-graduada em Estudos Internacionais pela Universidade do Chile, repórter de Política, Justiça e América Latina do GGN há 10 anos.
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Por Severino Fernandes

Comentário ao post “Sociólogo diz que Dilma foi punida por conluio da classe média e setor de serviços
 
A análise do sociólogo Adalberto Moreira é perfeita. Ele só se equivoca quando fala das origens oligárquicas de Eduardo Campos (PSB).
 
Eduardo é neto do falecido ex-governador (de Pernambuco) Miguel Arraes de Alencar. Arraes e Pelópidas da Silveira (ex-prefeito do Recife,também já falecido) lideraram a chamada “Frente do Recife”, através da qual (na década de 1950) as esquerdas chegaram à Prefeitura do Recife em aliança com setores liberais ou conservadores moderados, mas com prevalência de uma visão social dos problemas a enfrentar como governantes e de políticas públicas para solucioná-los ou pelo menos minimizá-los.
 
Essa frente ampliou-se e se transformou na “Frente Popular de Pernambuco”. Uma das primeiras e mais bem sucedidas alianças de centro-esquerda que acabou chegando ao Governo de Pernambuco (em 1962) com a vitória de Miguel Arraes (PTB) sobre o candidato da direita, João Cleofas (UDN), apoiado pelos poderosos usineiros da Zona da Mata Pernambucana.

Arraes, advogado e funcionário de carreira do extinto IAA (Instituto do Açúcar e do Álcool) iniciou sua carreira política como secretário da Fazenda do governo Agamenon Magalhães (PSD), que apesar de ser um político conservador (à direita) fez um governo de viés social, ao estilo getulista (construindo vilas operárias no Programa Social contra o Mocambo, para operários de fábricas da Região Metropolitana do Recife, porém sem incomodar os usineiros de açúcar e sua tradicional forma semi-feudal de conduzir seus negócios).

Acostumados a tratar seus trabalhadores rurais (cortadores de cana) com extrema brutalidade e incomum desumanidade, os poderosos usineiros se viram fortemente contrariados com a chegada de Arraes ao governo (com apoio de comunistas, socialistas, cristãos progressistas  e liberais da direita moderada).

No Sertão e no Agreste, onde não menos poderosos fazendeiros também comandavam com mão de ferro suas propriedades e onde os mais fortes economicamente via de regra se tornavam os coronéis (ou chefes políticos) de municípios de pequeno e grande porte, tampouco se agradaram com os ventos liberalizantes que a vitória de Arraes representava.

Arraes seguiu à risca seu programa social de governo, que previa reformas em benefício dos trabalhadores rurais, que prometia tirá-los da condição de semi-escravidão em que encontravam. Sob seu governo foi assinado o histórico e emblemático “Acordo do Campo”, em que os “garbosos” e arrogantes usineiros e senhores de engenho, a contragosto sentaram-se lado a lado com as lideranças dos trabalhadores rurais e tiveram que pagar salário mínimo e garantir direitos até então negados a esses camponeses.

Antes de Arraes era comum as questões sociais serem tratadas como caso de polícia em Pernambuco. O livro do ex-deputado estadual e promotor de Justiça Paulo Cavalcanti narra como, por exemplo, no município de Goiana, era comum trabalhadores rurais ligados aos sindicatos rurais serem perseguidos, torturados e em alguns casos até assassinados por usineiros e senhores de engenho da região canavieira.

Muitos desses trabalhadores violentados em sessões de tortura eram “socorridos”, já mortos, em unidades hospitalares públicas e posteriormente encaminhados para o necrotério do Cemitério Público de Goiana com papéis amarrados a um dos dedos dos seus pés, dando conta da  suposta causa da morte: “morte por problemas de baço”.

Nada era investigado, porque as lideranças políticas e as forças policiais, em geral, serviam como aparelho paramilitar dos usineiros e senhores de engenho. E usavam dessa condição para perseguir trabalhadores sindicalizados que se organizassem para reivindicar direitos trabalhistas.

Também era comum os trabalhadores rurais e cortadores de cana das usinas e engenhos de açúcar serem obrigados a comprar nos chamados “barracões de usina” os gêneros de primeira necessidade que precisavam para se alimentar e sobreviver. O problema é que esses produtos eram vendidos a preços extorsivos, muitas vezes duas ou três vezes mais caros em relação ao preço em que eram vendidos nos “armazéns de secos e molhados” e nos mercados públicos das cidades da Zona da Mata.

O que ocorria é que como os produtos eram caros e o salário dos trabalhadores muito baixos, em geral abaixo do mínimo, eles acabavam muitas vezes ao final do mês sem receber salários e ainda por cima devendo a usineiros e senhores de engenho. Dessa forma os seus patrões além de burlarem a legislação trabalhistas ainda os prendiam pela dívida, como se fossem semi-escravos ou servos da gleba do período feudal europeu.

Pouco antes da posse de Arraes, e no apagar das luzes do governo (do também usineiro) Cid Sampaio (PSD) ocorreu o  chamado “Massacre da Usina Estreliana”, no município de Ribeirão, quando o  usineiro José Lopes da Siqueira Santos, proprietário da Usina Estreliana, chacinou com rajadas de metralhadora cinco trabalhadores rurais que foram exigir pagamento de diferença de salários, porque estavam com suas famílias passando fome.

No governo Arraes sempre tentou intermediar acordos trabalhistas e determinou que a polícia fosse retirada das usinas, fazendas e engenhos. Que deixasse de servir como força paramilitar à serviço das elites e dos chefetes políticos dos municípios do interior pernambucano.

Os trabalhadores passaram a receber salários melhores. E o comércio dos municípios polo da Zona da Mata melhorou sensivelmente, vendendo radinhos e pilha, relógios e móveis que os  trabalhadores antes não podiam comprar.

Mas os “coronéis” do interior e a elite canavieira nunca perdoou Arraes. E esses segmentos de direita foram a ponta de lança civil do golpe militar que depôs Arraes em 1964. Preso e deposto pelos militares, e logo após um período de prisão no Arquipélago de Fernando de Noronha, Arraes seguiu para o exílio (parte na França, parte na Argélia) para garantir sua própria segurança e a segurança de sua família.

Voltou em 1979 e recebido por uma multidão no Aeroporto dos Guararapes, no Recife, e posteriormente em um comício no Largo da Feira do bairro de Santo Amaro, no centro do Recife, Arraes disse que estava voltando “não para ser bonzinho para os militares”, mas para continuar sua luta em favor da unidade e libertação do povo brasileiro.

Miguel Arraes de Alencar, que tomou posse em 1963 e foi apeado do governo em 1964, voltou a governar Pernambuco em outras duas oportunidades (1987 a 1990 e 1995 a 1998). Sempre investindo em programas sociais: como o Chapéu de Palha (voltado aos cortadores de cana, vítimas do desemprego sazonal da Zona Mata – e similar ao atual “Bolsa Família”); e como os programas de eletrificação rural e de perfuração de poços artesianos, que levou água e energia elétrica para pequenos municípios e para quase 90% das áreas rurais do interior pernambucano.

Seus programas sociais ajudaram a reduzir as profundas desigualdades sociais no campo e nas pequenas e médias cidades de Pernambuco. Já que em Recife e municípios da Região Metropolitana da capital pernambucana os movimentos sociais e sindicatos de trabalhadores garantiam outros avanços.

Foi dessa linhagem política que surgiu a liderança de Eduardo Campos, neto de Miguel Arraes. E o único do clã Arraes que manifestou interesse em enveredar pela política partidária.

Eduardo (ainda como estudante de Economia) participou do movimento estudantil na Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) na década de 1980. E no segundo governo do avô (1987-1990)foi seu oficial de gabinete.

No terceiro governo de Miguel Arraes (1995-1998), já com experiência parlamentar acumulada como deputado estadual e deputado federal, Eduardo Campos foi nomeado para secretário da Fazenda. E nesse posto foi fiador do polêmico episódio dos “precatórios” que custou a derrota eleitoral de Miguel Arraes (em 1998) para o ex-aliado Jarbas Vasconcelos (PMDB), capitaneando uma aliança de centro-direita, com PFL  e PSDB em seu palanque.

Apesar do baque eleitoral, Arraes ainda chegou a dar a volta por cima, elegendo-se como um dos deputados federais mais votados, pelo PSB, em 2002, praticamente sem fazer campanha, e apenas fazendo pequenas caminhadas em feiras livres das cidades da Zona da Mata, Agreste e Sertão. Eduardo também se elegeu deputado federal na mesma eleição. E depois foi nomeado por Lula para ministro da Ciência e Tecnologia.

Já ex-ministro, Eduardo lançou-se ao Governo de Pernambuco em 2006, derrotando Mendonça Filho (PFL), vice de Jarbas Vasconcelos, e vingando a derrota eleitoral do avô em 1998.

No governo, embora mantendo alguns programas sociais do avô, como o Chapéu de Palha, a pretexto de “modernizar” o “arraesismo” Eduardo adotou experiências privadas de gestão. O que o aproximou do meio empresarial e lhe rendeu críticas dos antigos aliados dos sindicatos rurais e dos movimentos sociais contra essa sua lógica, tida como conservadora (de direita), de “choque de gestão” e “governo de resultados gerenciais”.

Embora aliado do “lulismo”, Eduardo rompe aliança com o PT nas eleições para a Prefeitura do Recife. Profundamente rachado o PT lança o senador Humberto Costa para a sucessão do prefeito João da Costa (que não conseguiu encaminhar seu próprio processo de reeleição dentro do PT). E aproveitando dessa divisão o governador Eduardo Campos acabou emplacando seu aliado Geraldo Júlio (PSB), elegendo-o prefeito do Recife.

A patranha fez Eduardo Campos sonhar com voos mais altos, rumo ao Palácio do Planalto. E é a partir daí que exercita certa “dissidência” em relação ao governo Dilma e ao chamado “lulo-petismo” (com o qual os conservadores desdenham dos governos trabalhistas do PT). Dissidência essa que logo se transforma em oposição frontal, que leva Eduardo a postular uma candidatura presidencial em aliança com a ex-petista Marina Silva (que não conseguiu oficializar o registro de seu partio – Rede).

Eduardo tem feito acordos e conjecturas heterodoxas e perigosamente contraditórias para a biografia de seu avô. Mas dizer que ele vem de linhagem oligárquica é no mínimo um grave equívoco ou desconhecimento contextual da dinâmica da política pernambucana. Pois embora fazendo alianças pontuais com poucas dissidências de oligarquias interioranas, Arraes jamais foi um oligarca, ao contrário, ajudou e muito para enfraquecer o poder das oligarquias mais reacionárias e à direita, que sempre fizeram política clientelista para se firmar no governo. Mas sem jamais avançar socialmente em nenhum aspecto.

O problema é que ideologicamente Eduardo está a se movimentar como barata tonta. Critica Dilma de um lado, mas está tendo dificuldade de dizer a que veio e que propostas diferentes teria para “fazer mais” do que fez e vem fazendo a líder petista. O que se vê é uma perigosa aproximação dele com proeminentes lideranças da direita mais reacionária (como o catarinense Jorge Bornhausen) e com economistas e pensadores neoliberais contemporâneos, o que faria corar o seu avô (Miguel Arraes).

Na verdade esse camaleonismo de Eduardo está mais confundindo do que propriamente definindo um norte de governo. E em certa medida o afasta de segmentos de esquerda dos quais sempre foi aliado. O caso do escritor Ariano Suassuna (um histórico eleitor do “arraesismo” e apoiador de primeira hora de Eduardo) que já sinalizou apoio à reeleição da presidente Dilma é emblemático neste sentido. O renomado escritor diz que vota “a favor do Brasil” e não contra Eduardo, e que o jovem líder do PSB ainda terá sua chance de chegar  à Presidência.

 

Patricia Faermann

Jornalista, pós-graduada em Estudos Internacionais pela Universidade do Chile, repórter de Política, Justiça e América Latina do GGN há 10 anos.

23 Comentários

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  1. “Na verdade esse camaleonismo

    “Na verdade esse camaleonismo de Eduardo está mais confundindo do que propriamente definindo um norte de governo. E em certa medida o afasta de segmentos de esquerda dos quais sempre foi aliado”:

    O Brasil nao tem duas esquerdas eleitoral e programaticamente viaveis -coisa que pouquissimos paises do mundo ja possuiram!

    Nao era obrigacao dele pensar sobre isso ANTES de sair do PT?

  2. Um bom motivo para votar em Campos

    De minha parte, seria ele ser do Nordeste. Isso conta muito a seu favor, do meu ponto de vista. É um diferencial. O problema é que ele realmente não diz a que veio, é confuso, não parece ainda ter a maturidade necessária para assumir a presidência da república e, principalmente, não conheço o seu trabalho na política de perto para criar uma confiança. Só conheço o que sai na cada vez menos digna de credibilidade grande imprensa brasileira. Se ele fosse mais transparente, mais conhecido, não fosse um político ainda em construção em termos nacionais, e tivesse qualidades claras, seria um nome forte. Mas nada disso se concretizou. Ainda.

    Portanto, Dilma ainda é a melhor opção.

  3. Eu acho ridículo esse preconceito

    Os caras não conhecem nada do Nordeste do Brasil, absolutamente nada, a não ser o que aprenderam, a duras penas, lendo de intelectuais do Nordeste, mas acham que podem chamar todo mundo da política do Nordeste de “oligarca”, “coronel” etc.

    Curioso que fazem isso muitas vezes usando o critério da pouca variação nos nomes dos que estão no poder. Se é assim, o sujeito político em questão, que já assumiu o poder, vira um “oligarca”. E assim, jogando palavras ao vento, eles acham que estão fazendo análise política séria…

    Mas esses mesmos ignorantes sobre o Nordeste que falam isso não usam o mesmo critério quando se trata de analisar o paupérrimo e cada vez mais insignificante cenário político sulista e sudestino, permeado por corruptos, picaretas e fraudes intelectuais de todas as sortes e qualidades.

    Dou logo o exemplo de São Paulo, a mais provinciana, em termos políticos, metrópole do mundo. Há anos que é dominada por uma autêntica OLIGARQUIA, no sentido clássico do termo, inclusive se formos usar o critério dos poucos nomes. São sempre os mesmos. São Paulo, neste sentido, é praticamente e em tudo um curral eleitoral, repleto de coronéis políticos. É a mesma coisa que existe em alguns lugares do Nordeste. Mas eles acham que coronelismo, oligarquia etc, só existem no Nordeste. Piada pronta.

    Não vou nem falar de Minas Gerais, porque não é preciso. Ali é que tem mesmo. E no sul maravilha também tem. O coronelismo, a oligarquia, fazem parte do jeito brasileiro de ser na política.

    1. Concordo com você em relação

      Concordo com você em relação a São Paulo, sem dúvida alguma controlado pela política clientelista do coronelismo tucano, iniciado ainda enquanto facção paulista do PMDB, liderada por Montoro. Mas São Paulo é também o berço do sindicalismo, de movimentos sociais representativos, do próprio PT, único partido de massas do país. Nesse ponto, discordo completamente de seu comentário sobre a insignificância política do sudeste. São Paulo, por seu tamanho, concentra todas as contadições da sociedade brasileira. Alimenta seus movimentos mais progressivos ao mesmo tempo em que protege e perpetua seus aspectos mais atrasados.

      Mas, em relação ao cenário político nacional, as lideranças políticas nordestinas são mais retrógradas que as lideranças do sudeste. O Senado Federal é, por excelência, uma instituição controlada pelas lideranças políticas do nordeste. E o que temos ali?Sarney, Calheiros, Agripino Maia, Jarbas Vasconcellos, Collor e afins(as lideranças são mais dinâmicas que os demais, há senadores da laia de um Ciro Nogueira, Cássio Cunha Lima, e daí pra pior).

      Que outro Estado brasileiro conseguiu produzir um Lula?

      Pois é, I rest my case!

  4. Excelente texto.

    Excelente texto, que esclarece a trajetória de Eduardo Campos.

    Mas a critica são sobre as mudanças de lado. Aa opção de Campos de traçar outro caminho e suas manifestações e escolha de assessores, candidatos à ministros, defendem teses que se assemelham  às do PSDB e demais setores conservadores e neoliberais.

    Campos ao se credenciar como candidatura alternativa escolheu o caminho da confrontação direta com o governo atacando o ciclo progressista que o Brasil vive há 12 anos, afastando-se do campo democrático, popular e de esquerda. Até o momento Campos não  foi capaz de traçar o que pretende o seu governo e o seu discurso tem se limitado a criticar a presidenta da República.

    Tanto Campos quanto Aécio têm feito movimentos para firmar compromissos com as classes dominantes, sobretudo o setor financeiro.

    A diferença é que enquanto Aécio se mantém restrito a setores da direita, Campos tenta abrir o seu espectro para englobar essa direita der Aécio e a esquerda mais radical, casamento que por óbvio não dará certo.

  5. combinações de DNA

    Ok, neto do grande Arraes, filho de Ana Arraes, para quem ele conseguiu um cargo vitalicio de Conselheira do Tribunal de Contas da União (recentemente, sim, no governo petista, não sei de de Lula ou de Dilma).  Porém pelo lado paterno, alguem saberia dizer quais são suas credenciais “hereditárias”? Então, por que motivo devemos homenagear o rapaz? Queremos prestar homenagem póstuma e tardia ao avô, de quem ele poderia ter 1/4 dos genes? Por suas atitudes recentes, o Dudu não merece minha admiração. Além disso, li ontem que sua prima, também neta de Arraes, desistiu de concorrer ao cargo de deputada pelo mesmo partido (PSB) devido às alianças nocivas do primo, a principal das quais seria se aliar ao eterno inimigo do avô, Jarbas Vanconcellos, do PMDB. Vai ver, a prima ficou com a melhor parte do DNA do avô.

  6. Como sempre acontece no

    Como sempre acontece no Brasil, onde não há nenhuma especialista de décima primeira categoria da China, primeiro parceiro comercial do país. Onde na USP, a principal do universidade nacional, não tem nenhum professor fluente em mandarim. Onde as relações internacionais são referidas como coisas de « lá fora », expressão que a presidenta Dilma utilizou na sua única e singualar referência às relações internacionais na sua fala de fim ano, o autor do texto de elogio a Arraes omite o papel importante que ele teve junto ao PAIGC, MPLA e ao FRELIMO, na luta pela independência das ex-colônias portuguesas. Arraes um busto em sua homenagem na rua de Argel, caso único nos 200 anos de história do Brasil mas, como no caso de Celso Furtado, parece que ele só viveu e agiu em Pindorama que, como se sabe, é o centro do mundo.

    Para dar uma idéia dessa dimensão internacionalista do grande Miguel, copio em anexo o texto publicado pelo Le Monde, principal jornal da Europa, na data de sua morte. Preste-se atenção sobretudo ao segundo parágrafo

     

    Atenciosamente

    Luiz Felipe de Alencastro

     

     

    DISPARITION

    Miguel Arraes

    Article paru dans l’édition du 17.08.05

    Dirigeant historique de la gauche brésilienne

    MIGUEL ARRAES, dirigeant historique de la gauche brésilienne, est mort des suites d’une infection pulmonaire, samedi 13 août, à Recife (Pernambouc). Il était âgé de 88 ans. Né le 15 décembre 1916, à Araripe (Etat du Ceara), dans une vieille famille du Nordeste du Brésil, Miguel Arraes grandit au coeur du sertão. Dans son enfance, il voit passer des paysans chassés par la sécheresse et des cangaceiros, des bandits d’honneur. Parti faire son droit à Rio de Janeiro, il s’installe ensuite à Recife et, en 1950, il est élu à l’Assemblée de l’Etat du Pernambouc. En 1959, il devient maire de Recife. Trois ans plus tard, à la tête d’un front de gauche, il est élu gouverneur du Pernambouc. Il est à l’origine du mouvement d’alphabétisation populaire et de l’instauration, pour la première fois au Brésil, d’un salaire minimum pour les travailleurs ruraux. Miguel Arraes gagne alors une renommée nationale. A l’approche de l’élection présidentielle de 1965, il apparaît comme un des candidats de la gauche. Mais l’irruption du coup d’Etat militaire de 1964 brise l’ordre constitutionnel et installe une dictature qui se prolonge jusqu’en 1985. Miguel Arraes est alors incarcéré dans une caserne de l’archipel Fernando de Noronha, en plein océan Atlantique. A la suite d’un arrêt de la Cour suprême, qui résistait encore aux militaires, et d’une campagne internationale de solidarité à laquelle participent François Mauriac et Graham Greene, il est libéré en 1965 et quitte le Brésil pour l’Algérie, qui lui accorde l’asile politique.

     

    Commence alors la seconde vie de Miguel Arraes. Reçu à Alger avec tous les égards, il se lie aux dirigeants des mouvements indépendantistes de l’Afrique lusophone, divisés en factions rivales se livrant à une âpre dispute auprès du gouvernement algérien et de l’Organisation de l’unité africaine (OUA). Il est un de ceux qui aident le MPLA (Mouvement pour la libération de l’Angola) et le Frelimo (Front pour la libération du Mozambique) à monter en puissance à Alger. Après l’indépendance du Mozambique (1974) et de l’Angola (1975), il est reçu à Luanda et à Maputo avec les honneurs d’un chef d’Etat. A l’époque, il est bien en cour également à Lisbonne, participant à des réunions avec les militaires de gauche qui dirigent le Portugal après la « révolution des oeillets ».

     

    Entre-temps, la situation politique brésilienne évolue, à la suite de la retentissante victoire obtenue, lors des élections législatives de 1974, par l’opposition tolérée sous la dictature. Miguel Arraes séjourne alors souvent à Paris, s’employant à tisser des liens entre la gauche française et la nouvelle gauche qui émerge au Brésil. Grâce à l’amnistie de 1979, il retourne à Recife, où il est accueilli par un grand rassemblement populaire. Elu député fédéral, puis gouverneur du Pernambouc à deux reprises (1986 et 1990), Arraes dirige le Parti socialiste brésilien (PSB), un allié du Parti des travailleurs (PT). A ce titre, il participera aux quatre campagnes présidentielles de Luiz Inacio Lula da Silva (1989, 1994, 1998 et 2002) et restera un proche conseiller de l’actuel président. Avec la mort de Miguel Arraes, la gauche brésilienne perd un de ses leaders les plus prestigieux et un de ses rares dirigeants à avoir participé au mouvement d’indépendance

    des colonies portugaises en Afrique.

    1. Deixe  eu adivinhar… Você é

      Deixe  eu adivinhar… Você é pernambucano?

      Se não for, parece. Pois esta forma deselegante de se referir à presidente, usando termos chulos e argumentos bobocas como este do mandarim (os chineses falam inglês, pois não?) totalmente desnecessários, para simplesmente apresentar mais um feito digno e nobre do grande Miguel Arraes. É típico.

      Ele não precisava disso…

      1. O professor Alencastro está certo

        E ele não é pernambucano. É natural de Itajaí, Santa Catarina. Acabei de consultar na Wikipédia: http://pt.wikipedia.org/wiki/Luiz_Felipe_de_Alencastro.

        Penso que para o que ele quis chamar a atenção foi para a falta de uma visão internacionalista no Brasil, principalmente nos setores onde essa falta não deveria ser uma realidade, como no Governo e nas universidades.

        E, apenas para constar, ainda que admitíssemos que ninguém na China sabe falar inglês ou não se preocupa com o cenário internacional, o que está longe de ser verdadeiro, o fato é que isso não faria do que o professor Alencastro falou algo falso.

        A USP, maior universidade brasileira, continuaria sem alguém fluente em mandarim, o que depõe contra a elite intelectual brasileira, que não tem tino para coisas estratégicas como essa, num cenário econômico e comercial globalizado. O Brasil precisa sim pensar mais em termos internacionais e isso vale principalmente para o Governo. A superação dos desafios que surgem para uma economia cada vez mais importante em termos internacionais dependerá, num grau considerável, disso. E é preciso cortar a hegemonia eurocentrista ocidental, algo cada vez mais ultrapassado em política internacional. O futuro são os BRICs. É preciso aprender russo, chinês, hindu etc.

        Segue o link para a coluna dele no UOL (vale a pena ler o que o professor tem a dizer): http://noticias.uol.com.br/blogs-e-colunas/coluna/luiz-felipe-alencastro/

      2. Não entendi suas colocações.

        Não entendi suas colocações. Sou pernambucano sim, mas antes de tudo sou brasileiro, e o Brasil não se resume a Pernambuco, Rio, São Paulo ou Minas. O Brasil é a Pátria de todos nós.

        Quanto aos termos chulos a que me refiro a presidente Dilma. Que termos chulos são esses? Tenho profundo respeito pela trajetória política da presidente Dilma e guardo a certeza de que o país continuará em boas mãos na eventualidade de sua reeleição. Não sou anti-petista e muito menos um crítico cego e ferrenho da presidente. Embore considere que seu governo poderia ter avançado bem mais se ela não ostentasse esse estilo tão centralizador e travado de governar.

        Creio que até ela deve estar ciente que deve corrigir erros de governabilidade. E seguramente em um segundo mandato o fará.

         

      3. Desconsidere meus comentários

        Desconsidere meus comentários anteriores, percebi que você se referia aos comentários de outra pessoa feitos em relação ao nosso artigo. Desculpe pela confusão.

      4. Mandarim

        Engraçado, assisti na Globo News, um programa sobre os BRICS, e no programa que abordou a China, eu jurava que todos os chineses entrevistados estavam falando inglês. Agora descubro que era mandarim.

    2. Meu caro Luiz Felipe: como um

      Meu caro Luiz Felipe: como um humilde estudioso do arraesismo eu sei sim da importância de Arraes na luta pela libertação da Argélia e de seu papel junto a outros movimentos de libertação e anti-colonialistas na África. Não omiti isso propositalmente no texo, até porque o texto já foi por demais extenso. A questão é que resolvi discorrer mais sobre o Arraes dentro de um viés de política nacional. Por esse grande político brasileiro e internacionalista, tenho (e sempre tive) profundo respeito e admiração.

      Acredito que poucos políticos brasileiros tiveram a lucidez, o compromisso com seu país, com seu povo e com os grandes temas gerais (nacionais e internacionais) de sua geração.

      Refuto Arraes e Leonel Brizola como dois desses desses grandes políticos. Como dois grandes estadistas. E que até não tiveram o reconhecimento que mereciam.

  7. Texto excelente. Primeiro,

    Texto excelente. Primeiro, desfaz o preconceito (que o governismo ajuda a disseminar) sobre a origem “oligárquica” do neto do Arraes. Segundo os mesmos critérios, Lula também seria um oligarca partidário, já que controla todas as instâncias decisórias do PT.

    Segundo, tem uma visão mais realista de Campos, que passa ao largo do cinismo midiático e da demonização governista. Infelizmente Campos não é um herdeiro ideológico a altura de Arraes.

    Parece padecer da mesma doença a que acomete políticos como Aécio e Alckmin: é provinciano, chegou ao poder local e o domina não por ter vencido o debate de ideias, ou por ter articulado setores significantes da sociedade civil em torno de seu projeto (como ocorreu com o PT dos primórdios), mas por ter à disposição uma estrutura pré-existente de poder econômico e social.

    Por isso, quando sai da arena local e entra no embate nacional, fica difícil a articulação de um discurso. Fazendo uma analogia bem tosca, eles (assim como Aécio e Alckmin) são iguais ao rapaz nascido em berço de ouro, filho de pais superprotetores, que não consegue fazer frente aos desafios da vida quando deixao ambiente cor-de-rosa do seu lar.

    Campos não possui um discurso nacional, igual tiveram os tucanos algum dia (“fiadores da estabilidade econômica), ou Lula/Dilma (“fiador da estabilidade social”) ou até Marina (“desenvolvimento sustentável”), e dificilmente seria diferente, já que, se você tem apoio de todo o espectro político, econômico e empresarial, a construção de um discurso fica prejudicada com tanto mimo.

    De certa forma, esse é o grande perigo da “gerencialização” do PT, ocorrido em parte no último governo. O PT perdeu em termos de discurso (“anti-privatização”) quando leiloou Libra e operou as concessões, corre o risco de misturar-se aos outros desde que adotou a malfadada estratégia de emplacar a figura da “gerente”, e hoje corre atrás do prejuízo quando Dilma altera seu discurso e pontua mais o lado político, de candidata fiadora das garantias trabalhistas.

    Nesse ponto, a candidatura Campos é uma candidatura “dependente”, como o mesmo já fez questão de ressaltar, já que afirmou que desistiria se Lula se candidatasse: para sua candidatura avançar, depende não só da queda na popularidade da Dilma, mas também no aprofundamento da confusão ideológica a que passa o PT, sob o jugo do governo de coalizão. Como não tem um discurso para se diferenciar, sua estratégia é emular o centro-esquerdismo lulista e colocar-se como alternativa, algo como “se todos são iguais hoje, votem em mim para uma transição lenta, gradual e segura”.

    Não é um candidato a ser desprezado, a despeito de todas as suas limitações pois, além de estarmos até agora observando uma escassez de ideias vindas TAMBÉM do PT, para “mudar” (seja lá o que isso signifique), centrando sua campanha no “medo”, a grande mídia e eleitor anti-petista migrariam facilmente para Campos se ele tiver mais chance que Aécio de bancar o oposicionista.

  8. Correto

    Concordo com o texto em geral, e com os 3 comentaristas anteriores. Também considero injusto combater o EC eleitoralmente utilizando uma inverdade. Origem oligarca até onde sei, ele não tem, e pouco me importa! Sendo assim, deixo registrado que não estou nem aí para a origem familiar dos candidatos, se as ideias, a plataforma e o partido me agradam. Por exemplo, se o candidato for contra instalação da monarquia, e tiver ideias com as quais concordo, lhe dou o voto mesmo sendo filho de nobres (embora não sem uma certa desconfiança, rs).

    Faço também uma correção à favor da história na parte do texto que diz:” Foi dessa linhagem política que surgiu a liderança de Eduardo Campos, neto de Miguel Arraes. E o único do clã Arraes que manifestou interesse em enveredar pela política partidária”. A bem da verdade o clã Arraes já teve na política a mãe de EC, Ana Arraes, ex-deputada federal em 2 mandatos e atualmente juiza no TCU (boquinha?). E atualmente tem Marília Arraes, prima de EC, vereadora em Recife, que acaba de “rachar” com EC ameaçando desistir da candidatura a deputada federal, devido a problemas programáticos e disputa de cargos no partido, pois EC quer emplacar seu filho no comando da juventude do PSB em Pernambuco, cargo que por “antiguidade” (ambos são jovens) seria dela… Li hoje que parece já estarem resolvendo a querela… O pessoal de Pernambuco aqui do blog é que poderia dar um reforço na informação.

    Um abraço.

  9. Eduardo, menos sobre ideias,

    Eduardo, menos sobre ideias, e mais sobre caráteres, aposta que possa suplantar Aécio, embora o PSDB tenha uma certa concentração de votos que pode ser mantida. No entanto, se há procura de um perfil, esse perfil, pela rejeição alta de Aécio, e que vai aumentar ainda mais, só tem Eduardo como possível catalizador, porque o desejo de mudança é difuso, algo como um novo Collor, mesmo que todos estejam escaldados com essa velha, velha história. No entanto, isso não é pra hoje. Eduardo e Aécio sabem que vão perder. Aécio trabalha para perder no segundo turno. Eduardo trabalha para passar Aécio e ser o escohido da centro direita e do centro em 2018. Quem mais lucra nessa eleição é Eduardo, que vai ganhar projeção e já se mudou para São Paulo. Aécio só vai fazer aumentar sua rejeição. Ah, voto em Dilma para presidente, mas acho que o PT está perdendo as raízes, e vai no mesmo caminho eleitoral do PSDB: vai se tornando um partido de gabinetes.

  10. Talvez “oligarquia política”

    Talvez “oligarquia política” fosse um termo mais adequado para descrever políticos que devem suas carreiras a sua família, como Campos, Neves, Bornhausen, Maia, etc. Nota-se o predomínio de políticos de direita nesse processo sucessório hereditário, o qual é essencialmente conservador.

    Um ponto interessante nesse caso é o coronalismo paulista, que conseguiu se desenvolver sem as amarras desse personalismo familiar. Há mais de 30 anos, o mesmo grupo político se reveza em São Paulo.

  11. Mas não há nada de tão

    Mas não há nada de tão excludente na adoção de medidas sociais por parte de políticos conservadores. Na verdade, essa sempre foi uma estratégia das elites, de promover certas mudanças.

    Vide o caso brasileiro, todas as medidas modernizantes no século XIX(a abolição do tráfico, da escravidão, etc.), foram promovidas por gabinetes conservadores. A CLT foi aprovada durante a ditadura do Estado Novo, que de maneira alguma pode ser considerada esquerdista. O próprio regime militar implementou várias medidas de cunho social.

    Na verdade, medidas socializantes implementadas por governos esquerdistas é que são a exceção, porque governos de esquerda são a exceção. Lula foi o primeiro presidente esquerdista da história do Brasil, Jango era um oligarca que seguia os princípios do populismo conservador de Vargas.

  12. Começando do começo, qual é o

    Começando do começo, qual é o conceito de oligarquia que estão usando?

    Ao que me parece, o Eduardo Campos se encaixa em pelo menos 2 dos conceitos de oligarca: faz parte de um grupo que controla de modo fechado as estruturas de poder; e faz parte de um grupo tradicional, que está indo para a segunda ou terceira geração de controle das estruturas mais altas do estado. Não faz nem uma semana que apareceu por aqui o nome de uma “fulana” Arraes, que iria desistir da pré-candidatura. Em um país de 200 milhões de pessoas, o fato de 2 primos próximos disputarem um dos cerca de 600 cargos mais altos do estado me parece fechar parte do conceito de oligarquia. E duvido que sejam apenas 2 descendentes do Arraes disputando lugar no Congresso e na presidência. O próprio PT provavelmente vá começar a formar uma oligarquia na próxima geração, quando os fundadores passarem o poder.

    O autor se amarra no terceiro conceito de oligarquia, saído da Grécia Antiga, que é o “governo dos ricos”. Se for pensar que o Eduardo Campos seja um “protetor dos pobres”, dá para escapar de ser oligarca. Mas se for pensar sobre sua origem, duvido que um neto de governador tenha vindo da classe popular, como o Lula, a Marina, a Erundina vieram.

    Os conceitos estão bem resumidos lá pela página 48/49 do artigo abaixo.

    ——

    http://www.scielo.br/pdf/rsocp/v20n44/v20n44a04.pdf

     

  13. Adalberto Moreira Cardoso é

    Adalberto Moreira Cardoso é um craque. Suas pesquisas na área do direito e sociedade e sobre as disputas distributivas em torno dos direitos sociais são certeiras. A perspeciva em que ele insere o eduardo campos também.

    A descrição sociológica da movimentação errática e inconsistente de campos é perfeita. Por isso que me faço a pergunta toda vez que vejo a não resposta do candidato sobre com quem ele pensa governar.

    Com Bornhausen e Caiado ao lado, quem mais vai se juntar a eles? Será que ele acredita que pode “fazer mais” do que o lula quando conseguiu se equilibrar sobre forças tão diferentes (e até contraditórias)?

    Se o objetivo dele é somente fazer mais que a dilma acho que a visão dele está completamente distorcida. O que está ficando claro é que a conjuntura mudou. O conflito distributivo está mais que claro e indissimulável. Nem o Lula operaria hoje a concertação que obteve entre 2002 e 2010.

    Enfim, tenho a certeza que em seis meses de governo a direita reacionária mais o centrão (com o jornal nacional alí em cima) comem o eduardo campos com farinha. E aí… é só contar as perdas de direitos sociais, présal, e, é claro, de tudo que é fundo público… A agenda desse pessoal é mais que clara. Não há porque alguém se surpreender.

    Tudo culpa do pt, é claro, como cortina de fumaça. E ele, eduardo campos, vai fazer o quê depois, posar de vítima? Da Mariina é mais fácil de se esperar isso, mas do eduardo campos ainda temo que ele faria o “serviço” até com gosto.

    Numa palavra: retrocesso.

    Se eu pudesse eu sugeriria aos diretores da campanha do governo o slogan “nenhum passo para trás”.

  14. Eduardo Campos é o

    Eduardo Campos é o coronelismo repaginado, falsamente moderno, urbano.

    Mas se retirar esse verniz de modernidade verá por baixo um oligarca, não por herança familiar, mas por escolha pessoal, pragmática. É um oportunista, não tem convicções.

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