Pensamentos sobre o Datafolha. No que a prisão atrapalha Lula. E no que o ajuda a ser o kingmaker, por Alon Feuerwerker

Lourdes Nassif
Redatora-chefe no GGN
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Pensamentos sobre o Datafolha. No que a prisão atrapalha Lula. E no que o ajuda a ser o kingmaker

por Alon Feuerwerker

O Datafolha deste domingo confirma que vem diminuindo o voto espontâneo em Lula. Pesquisas devem ser olhadas no conjunto, reduz a chance de errar a análise, mas essa erosão é consistente com a realidade. É provável que a ficha esteja caindo na parte lulista do eleitorado. A chance de Lula concorrer até o fim e chegar elegível à urna é hoje residual.

Os demais dados na pesquisa não são ruins, ou são bons, para o ainda pré-candidato do PT. Ele recolhe entre 57 e 60% dos votos válidos num segundo turno contra Bolsonaro, Marina ou Alckmin. É o desempenho clássico de um petista entre 2002 e 2010. Em 2014 Aécio Neves apertou dramaticamente a margem, mas ela parece estar em recomposição.
E 47% dizem que votam com certeza (30%) ou admitem votar (17%) num nome indicado por Lula, caso não possa concorrer. Aqui os números mantêm consistência: por volta de 30% é a intenção de voto em Lula no primeiro turno, e 47% é uma ordem de grandeza compatível com o desempenho dele no segundo turno, que oscila de 46 a 49%.

51% dizem que não votam de jeito nenhum no candidato de Lula, mas para o anti-Lula ser competitivo num segundo turno precisará atrair com grande força o eleitor que hoje pensa em não ir votar, ou escolher branco ou nulo. Se o desafio do PT é fazer o lulista votar num outro nome, o problema dos adversários é trazer com força o voto inútil anti-PT e antilulista.

Outra constatação é inexistir herdeiro natural, ou inercial, do voto de Lula. Sem alternativa eleitoral explícita e apoiada pelo ex-presidente, a tendência é dispersar, com a maioria indo para o voto inútil. Por enquanto, os números não autorizam otimismo a quem imagina impor uma solução a Lula e ao PT. Ambos ainda jogam com as brancas no tabuleiro eleitoral.

Em síntese, estamos a menos de quatro meses do primeiro turno e Lula mantém o protagonismo, mesmo preso. A cadeia desidratou apenas marginalmente sua liderança, e ele permanece, como se diz em inglês, o principal kingmaker, fazedor de rei, da eleição. Em parte pela própria força, em parte pela frustração com o governo nascido do impeachment.

A cadeia impõe sofrimento pessoal a Lula. Mas política e eleitoralmente os efeitos são contraditórios. Preso, ele não pode fazer comícios, participar de debates ou entrevistas. Tampouco oferece aos adversários a oportunidade de o perseguirem nas aparições externas e questionarem-no diretamente em debates. E tira do jornalismo a chance de apertá-lo em entrevistas.

Se Lula está excluído da campanha eleitoral no mundo exterior, também está momentaneamente protegido da exposição direta aos ataques adversários e aos naturais questionamentos da imprensa. E quem permanece em campanha não é um Lula de carne e osso, mas a memória de seu governo. Que leva vantagem em relação aos demais governos.

Claro que isso não pode ser indefinidamente esticado. Uma hora, o “candidato do Lula” vai ter de aparecer, e começará a apanhar. E a substituição precisará ser a tempo de poder comunicar e convencer o eleitor lulista. A execução não vai ser fácil. Mas por enquanto a resultante ajuda o PT: Lula está protegido e também protege o possível sucessor.
 

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Na outra metade do campo, o quadro está à espera do final da Copa do Mundo, do início da campanha e dos debates entre os candidatos na TV. A principal variável a monitorar é a resiliência de Jair Bolsonaro, que será mais testada quanto menos alianças, e portanto menos tempo de TV, ele conseguir reunir antes da largada oficial do primeiro turno.

A esta altura, parece bem enfraquecida a hipótese de Bolsonaro desidratar naturalmente. Seu eleitor tem uma lógica parecida com o de Lula: é ideologicamente identificado com o líder e disposto a relevar seus defeitos. Mas será um erro desprezar a hipótese de, alguma hora, o establishment tentar de tudo para levar um nome “de centro” para a decisão.

Alon Feuerwerker – é jornalista e analista político/FSB Comunicação

Lourdes Nassif

Redatora-chefe no GGN

4 Comentários

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  1. Dançando à beira do abismo

    “Claro que isso não pode ser indefinidamente esticado. Uma hora, o “candidato do Lula” vai ter de aparecer, e começará a apanhar. E a substituição precisará ser a tempo de poder comunicar e convencer o eleitor lulista. A execução não vai ser fácil. Mas por enquanto a resultante ajuda o PT: Lula está protegido e também protege o possível sucessor.”

  2. é melhor jair se acostumando..

    eu acho que existe um probleminha aí na avaliação, veja: os votos brancos, nulos e a abstenção não são problema para os candidatos de direita, especialmente bolsonaro, pelo contrário, são esses votos que vão elegê-los..

    .. porque o perfil de quem vai abster ou anular é majoritariamente de “esquerda”, porque votou na Dilma e teve o voto rasgado.. é um cara que não acredita em eleições (que de fato é uma grande farsa)..

    Foi exatamente isso que aconteceu nas eleições de 2016 e recentemente tivemos uma prévia no Tocantins e outros municípios do país onde a soma dos brancos, nulos e abstenção foi enorme e a direita ganhou.

    Sem falar, anota aí, a grande possibilidade de eleitores que votariam no Lula, na sua ausência votarem no bolsonaro só de sacanagem..

    Não há a menor dúvida que o bolsonaro vai nos levar a uma guerra..

    .. e é isso aí, se a gente não consegue construir o país na conversa, vai ter que ser no pau mesmo..

    PS1.: a estratégia do Lula (acho que o PT não apita mais nada) agora está correta.. não devia ter se entregado, mas, já que se entregou, tem que vender caro sua prisão.. deixa o pau quebrar.. esses safados que estão destruindo o país ainda virão pedir pelo amor de deus para o Lula ajudá-los.. é 100% garantido.. e não serão atendidos.. até porque, mais prá frente, nem o Lula conseguirá resolver esse problema.

    PS2.: todo esse tensionamento em torno da candidatura de Lula é um engodo.. porque os caras estão de olho mesmo é no legislativo.. controle o legislativo e o judiciário, que se dane quem ocupe a presidência..

  3. “É provável que a ficha

    “É provável que a ficha esteja caindo na parte lulista do eleitorado. A chance de Lula concorrer até o fim e chegar elegível à urna é hoje residual.” Profecia auto-realizável. Se ninguém lutar, Lula não concorre mesmo. Aliás, se ninguém lutar, nada acontece nunca. Se por Lula, que é uma das figuras mais populares que nós tivemos, foi presidente, lidera pesquisas mesmo com toda a mídia em uníssono destruindo-o por anos, não lutamos, então não lutamos por mais nada. Deixa o país aí para os estrangeiros explorarem, para a ladroada fazer o que quiser, para os ricos explorarem o povo até a miséria e a fome, não tem problema, não vamos fazer nada contra isso. Eles derrubam presidentes, fazem prisões políticas, cospem na lei e na Constituição, fazem o que quiser. Este é um raciocínio anti-producente e anti-luta. Se todos pensassem assim, a humanidade hoje estaria na Idade da Pedra. Tudo o que se conquistou na História foi com muita luta, sempre foi assim, nada nunca caiu do céu.

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