Que renovação é essa?; por Paulo Moreira Leite

Lourdes Nassif
Redatora-chefe no GGN
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Da Revista IstoÉ

Marina e Eduardo Campos formaram um condomínio político que constitui um enigma da campanha de 2014

Paulo Moreira Leite

No mesmo dia em que a VEJA dava uma contribuição específica ao culto à personalidade de  Marina Silva, dizendo que na véspera ela fora dormir com a esperança de “ter um sonho” que pudesse ajudar a decidir o rumo na campanha presidencial, a líder da Rede  deu provas de que passou os últimos dias acordadíssima.

Numa união destinada a garantir a Marina um espaço na campanha que a Rede não foi capaz de obter, e a Eduardo Campos, uma projeção que ele dificilmente teria como 4º colocado nas pesquisas de intenção de voto, os dois formaram um condomínio político que constitui um enigma da campanha de 2014.
 
Filiando-se ao PSB, Marina assegurou um palanque para seguir em sua verdadeira prioridade,  cada vez mais semelhante a plataforma básica dos vencidos por Lula e Dilma em 2002, 2006 e 2010: impedir de qualquer maneira e por todos os meios uma quarta  vitória do PT e seus aliados em 2014.
 
Dramatizando a própria situação, ela chegou a dizer que o Rede era primeiro partido “clandestino” da democratização – afirmação de caráter retórico, que não faz sentido para quem levou a sério a luta clandestina contra o regime militar de 64 e reconhece o valor da democracia conquistada depois.
 
Vamos combinar: se acredita, de fato, que o Rede foi perseguido por adversários políticos, que teriam boicotado o apoio dos 50 000 eleitores que poderiam ter legalizado seu partido, Marina faria um favor ao país se divulgasse indícios e provas para sustentar o que diz. Sabemos que a Justiça eleitoral abriga cidadãos indicados pelos principais partidos políticos, que devem ser substituídos de 5 em 5 anos. É razoável até imaginar uma imensa  má vontade aqui, outra mais adiante. É assim, no Brasil e em outros países.
 
Mas é um universo com tantas surpresas e imprevistos que ninguém consegue adivinhar o que acontece sem uma apuração real. No caso mais avançado que conheço até aqui, um advogado do Rede chegou a dizer de forma vaga, para uma repórter, que “certamente” ocorreram boicotes em algumas prefeituras. Onde? Em  Minas Gerais. E agora?
 
Ironicamente, Marina e Eduardo Campos se comprometeram ontem, justamente, a  enterrar a República Velha e  a renovar os métodos tradicionais da política. Também falaram do esgotamento do nosso sistema como seu maior compromisso político. Mas não disseram com clareza o que pretendem fazer nem como. Até porque estas são verdades tão fáceis de anunciar mas difíceis de explicar.
 
Quem tem o direito de dizer que o sistema político está esgotado é o eleitor. Ele fez isso em 1984, quando foi as ruas para pedir eleições diretas em pleno regime militar. Como o Congresso rejeitou as diretas naquele ano, o eleitor repetiu a dose cinco anos depois, em 1989, no primeiro pleito em urna após ao regime militar. Destruídos pelos fracassos de sucessivos planos econômicos, os dois herdeiros do governo Sarney não conseguiram somar 6% dos votos. E foi neste cemitério que nasceu Fernando Collor: sem partido, com ideário confuso, vagas promessas moralizantes e absoluto suporte dos meios de comunicação, tornou-se presidente da República. Seu programa era eliminar privilégios e favores do Estado, sintetizados na palavra marajá, usada para definir altos burocratas do serviço público. Parecia uma causa nacional, capaz de unir ricos e pobres, irmanados pelo infortúnio de sustentar privilegiados com dinheiro do contribuinte.
 
Falar que o sistema político está esgotado, hoje, é enxergar o mundo pelo olhar dos desejos, de quem não aprova determinado governo mas é duvidoso que seja expressão do pensamento do  conjunto da população. É um diagnóstico exagerado, no mínimo,  quando o governo federal tem aprovação superior a 50% e a presidente lidera as pesquisas de opinião com 38% das intenções de voto. Quando seu padrinho, Lula, é o mais popular político brasileiro da história. Quando o PT, alvo indiscutível da “publicidade opressiva” praticada pela maioria dos meios de comunicação na ação penal 470, segue o mais popular partido político do país, com  25 ou mesmo 30% da simpatia dos eleitores.
 
Quem está esgotada, até agora, é a oposição. Se é possível falar em algo perto de esgotamento, fim de linha, o problema encontra-se aí e é mais localizado. E é tão grave que ela procura alimentar-se, na verdade, de músculos e cérebros extraviados do governo, como Marina e Eduardo Campos.
 
As ruas de junho deixaram claro que nem  todo mundo pensa a mesma coisa dos nossos políticos. Os milhões de brasileiros que não querem Dilma também recusam personalidades, nomes e ideias que lhes são oferecidas como alternativa. Esses cidadãos Dizem que querem livrar-se de políticos tradicionais quando, na verdade, querem outros políticos – sejam direitistas, revolucionários, reacionários ou simples camelôs ideológicos. Aqueles manifestantes que tinham pontos específicos a reivindicar – como transportes – voltaram para casa depois que a reivindicação foi atendida. Os outros,  permaneceram. Tinham mais a cobrar. Alguns mais quebraram vidros, fizeram provocações. Denunciam o sistema político em nome do fascismo, do anarquismo ou lá o que for.  
 
Em qualquer caso, e é constrangedor lembrar, Dilma ficou sem aliados em seu empenho para aprovar uma reforma política que, bem ou mal, poderia dar uma resposta à nova situação. Não inventou nada. Apoiou um projeto que reúne o apoio de entidades representativas. Não lembro de qualquer manifestação de apoio dos aliados de Marina Silva. O PSB foi explícito. Divulgou nota a favor das reformas – desde que elas não valessem para 2014.  
 
O empenho de Marina para falar do “novo” ajuda a encobrir que, entre seus assessores econômicos, encontra-se André Lara Rezende, banqueiro  e profeta da decrescimento econômico, advogado da  teoria primeiro-mundista de que os recursos da Terra se esgotaram e que quem não ficou rico até agora deve desistir até de chegar a classe média baixa. Foi padrinho do Plano Cruzado – que ajudou Sarney a tornar-se imperador do país por um semestre, em 1986  – e do Plano Real, berço de tantas heranças, inclusive da privatização das teles, joia da coroa do governo FHC. Seu homem na Justiça é Gilmar Mendes, capaz de dar dois habeas corpus, em apenas 48 horas, a um dos banqueiros aliados de FHC. Seu maior patrocinador financeiro é a herdeira de um banco  que esteve ao lado de todos, absolutamente todos os governos brasileiros nas ultimas décadas, sem distinção de cor, credo, religião ou traje  – podia ser fardado ou à paisana.
 
“Novo”?  
 
Falar da velhice alheia é um dos atalhos mais conhecidos para uma pessoa fingir-se de jovem e seduzir os menos atentos naquela hora da festa em que a maioria dos seres vivos parece parda. Não vamos falar do PSB de Eduardo Campos. O governador  admite que nem estava pensando em termos politicamente geriátricos até a noite de sexta-feira, dedicando-se  a recolher, no laço, quem pudesse reforçar suas fileiras de qualquer maneira. Chegou a trazer para sua casa conservadores notórios, inclusive com ligações diretas com o regime militar. Estranho? Nem um pouco. A política brasileira é feita assim.
 
O errado é querer tingir o cabelo, fazer uma lipo, tomar um banho de butique e  pensar que ninguém enxerga os sinais da plástica.  Para quem é adversaria assumida das usinas hidroelétricas, é que Marina Silva tenha ingressado no mesmo partido do ex-ministro Roberto Amaral, um dos poucos políticos brasileiros que é partidário declarado de pesquisas nucleares, seja para fins pacíficos, e mesmo para conhecimento da fissão atômica, necessário para a produção de artefatos militares. (Estou 100% de acordo com o ministro nesse ponto).  
 
Que renovação é essa, meus amigos?
 
Simples. É a renovação de quem procura um palanque, confunde a  memória e quer nos fazer acreditar que não houve história. Eduardo Campos é um dos melhores políticos de sua geração. Tem luz própria, formação e  capacidade de articulação real.
 
Mas não vamos esquecer que é produto direto do Brasil envelhecido de repente que agora  denuncia. Talvez seja o grande filhote daquilo que a oposição chama de lulismo. Alimento maior de sua popularidade, o crescimento econômico de Pernambuco,  muito superior a média brasileira, foi irrigado por verbas preferenciais de Brasília, com tanto empenho que levou os conservadores preconceituosos do Sul-Sudeste a denunciar em 2010 o favorecimento “aos nordestinos” por parte de Lula.
 
A herança política  de Marina é familiar, também. Segundo o Ibope, a segunda opção de 50% de seus eleitores é Dilma.  Em função do receio de explicitar a estes cidadãos  o enorme grau de sua ruptura do Lula, Dilma e o PT, referencias que fazem parte de sua identidade política essencial, na visão de  tantos brasileiros, Marina Silva tem sido  bastante cuidadosa em suas declarações. Evita afirmar, em público, os chavões reacionários, inspirados no golpismo venezuelano, que o conservadorismo nativo utiliza para comparar o Brasil de Lula-Dilma com o país de Chávez-Maduro.
 
Cada eleitor tem o direito de imaginar que tipo de renovação é essa.

 

Lourdes Nassif

Redatora-chefe no GGN

7 Comentários

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  1. Arrasador, demolidor,

    Arrasador, demolidor, definitivo esse artigo do Paulo Moreira Leite. Conseguiu sintetizar essa verdadeira farsa política e ideológica que é essa chapa “Frankstein” formado pela dupla Eduardo Campos-Marina SIlva.

    Nada contra o direito, e mesmo a pertinência, de ambos pleitearem à presidência, e sim, os discursos hipócritas e vazios. Marina, especialmente, tem se revelado autocentrada. Posa de galo Chantecler, aquele que se auto iludia dizendo que o Sol só raiava todos os dias em função do seu belo canto.

    E o canto de Marina tem se revelado desafinado, agressivo, falso,  e principalmente, hipócrita.  Só os néscios e os de coração remoídos pela raiva contra o PT e o Lula dão crédito a ele. 

  2. Faltou uma coisinha.

    Jogada de mestre do Eduardo Campos. Um movimento pensado da Marina. Depois disso até tenho algumas dúvidas sobre a real vontade  dela criar a REDE. Eles só esqueceram uma coisinha: combinar isso com o povo.

     

    Algum outro governador do PSB falou sobre a entrada da Marina no partido. Não sei o que eles vão achar do discurso de oposição dela ontem.

  3. [ Marina e Eduardo Campos

    [ Marina e Eduardo Campos formaram um condomínio político que constitui um enigma da campanha de 2014 ] Sendo assim, só vai ficar esclarecido quando se abrir as urnas.  Ou seja, esse tá dizendo que se o petismo não providenciar logo Lula para decidir de vez, com Dilma o risco de fracasso é dos mais terríveis

  4. “Evita afirmar, em público,

    “Evita afirmar, em público, os chavões reacionários, inspirados no golpismo venezuelano, que o conservadorismo nativo utiliza para comparar o Brasil de Lula-Dilma com o país de Chávez-Maduro”:

    Ops!

    Tarde demais, Paulo…  ate as 4 virgulas estao erradas tambem.

  5. Marina é problemas simples

    Marina é problemas simples para o petismo, Delúbio deve ter arquivo de todos que financiou campanha com dinheiro sujo. O problema é Lula entrar em Campos e fazer o contrário do futebol, ao invés da bola, furar logo todo o campo

  6. Marina esta tentando

    Marina esta tentando “enganar” com “frases de efeito” , na verdade ela quer somente se vingar do PT e LULA , por te-la preterido na sucessão em favor de Dilma, ela é vingativa e dissimulada, soma contra ela o fato de não ter qualquer conteúdo e fundamentação pra suas idéias (se é que ela as tem) e nenhuma proposta propositiva concreta melhor do que a vigente.

    A imprensa com Marina criou um “idolo oco”  igual a heloisa helena , collor, etc. 

  7. Ofendeu a Madre Teresa, mae dos pobres, e CAIU NA GANDAIA.
    eLA MESMA DISSE QUE NÃO SERÁ UMA mADRE tERESA de Calcutá, ofendeu a madre e CAIU NA GANDAIA.
    -Culpou a Justiça Eleitoral,
    -Elogiou o Gilmar Mendes , o mesmo que ofendeu seus pares e foi TRUCIDADO pela coerente Min. Carmem Lúcia.
    -Xingou o PT de chavismo e, numa reação infantil de justificTIVA DE INCOMPETÊNCIA.
    -iNSINUOU MANIPULAÇÃO POLÍTICA DOS CARTÓRIOS DO ABC. Engraçado! os mesmos locais que a força sindical antigovernista e Aecista conseguiu muitos assinaturas.

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