Racionais SP, por Maria Cristina Fernandes

Lourdes Nassif
Redatora-chefe no GGN
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do Valor

Racionais SP, por Maria Cristina Fernandes

Vêm do Estado que deu a mais retundante vitória à oposição, os ventos de racionalidade surgidos neste momento de histeria política.

A mesma presidente definida por Aécio como líder de uma organização criminosa, recebeu ontem do governador Geraldo Alckmin deferência pelo “esforço republicano e louvável” na parceria entre os dois governos para obras de abastecimento de água e mobilidade urbana.

Além dos recursos da União, Alckmin conseguiu arrancar do Supremo o acordo que reuniu os governos de São Paulo, Minas e Rio de Janeiro para a divisão das águas do rio Paraíba do Sul, passo para uma solução mais perene ao desabastecimento paulista.

Alckmin e Haddad disputam rumos do PSDB e do PT

Num gesto de quem pretende escapar das armadilhas de extrema direita que ameaçam enredar Aécio, não mobilizou sua base na Assembleia Legislativa para barrar projeto de lei petista que proibiu uso de bala de borracha pela Polícia Militar em manifestações.

Numa outra sinalização do rumo que pretende seguir, enviou à Assembleia projeto de lei que reajusta em 11,75% o salário mínimo regional, que passará a R$ 905. Não é o maior valor entre os cinco Estados que o adotam. O Paraná vai pagar R$ 948 e o Rio Grande do Sul, R$ 1.006. Mas é um reajuste superior ao do salário mínimo nacional (8,8%) que vai levar o valor a R$ 788 em 2015.

Alckmin mantém azeitados seus canais com o movimento sindical no momento em que a queda de braço com a indústria já sinaliza os novos ventos da economia. O sindicato dos metalúrgicos de São Bernardo do Campo, berço lulista e cutista, rejeitou proposta da Volkswagen para revogar acordo que previa ganhos reais para os trabalhadores em 2015 e 2016.

É no Estado governado por Alckmin que ameaça ruir a corda entre os trabalhadores mais organizados, que tiveram sucessivos aumentos reais ao longo da última década, e uma indústria a ser afetada pela redução de desonerações e do crédito em bancos públicos.

Ao abrir diálogo com sindicalistas, negociar soluções com o Judiciário e firmar parcerias com o governo federal, Alckmin lança sua estratégia para a longa travessia até 2018. Aposta que na crise busca-se rumo. O seu é de franca oposição – a Aécio.

A despeito de inevitáveis embates eleitorais futuros, tem convergido com o prefeito da capital, Fernando Haddad. Prefeitura e governo estadual fecharam mais parcerias, nos últimos dois anos, do que na era José Serra e Gilberto Kassab. Na última delas, reformularam projetos para abrigar num único terreno estação de metrô e hospital municipal.

As incursões de Haddad junto à oposição não se restringem a Alckmin. Têm como porta de entrada o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, com quem janta, conversa ao telefone e troca mútuos elogios.

A cruzada por quebrar resistências desde que a prefeitura foi cercada em junho de 2013 é mais bem sucedida fora do que dentro do seu partido. Em plena campanha, quando fervilhava a queda de braço do PT com o mercado, foi ao Centro de Debates de Políticas Públicas, espécie de “Casa das Garças” paulistana congênere do instituto de liberais cariocas.

O centro congrega o virtual ministro da Fazenda, Joaquim Levy, o economista-chefe do Itaú, Ilan Goldfajn e o ex-secretário de Política Econômica, Marcos Lisboa. Dois dos principais assessores da oposição, André Lara Resende e Samuel Pessoa, também foram ao encontro do prefeito que pretendia convencê-los da renegociação da dívida paulistana, vista como carro-chefe da farra fiscal.

A preleção de Haddad incluiu ainda o ex-ministro Delfim Netto, convidado ao quinto andar do Edifício Matarazzo. A catequese funcionou. Os ditos mercados nem piscaram quando o projeto foi aprovado.

No PT, a inflexão mais importante buscada por Haddad é na relação com a presidente Dilma Rousseff. Durante a campanha eleitoral, o prefeito assistiu a discussões de grupos de eleitores em que foi testado o discurso da independência do Banco Central, encabeçado pela então candidata do PSB, Marina Silva. Viu que o tema não caía bem. Conversou com a presidente, mas foi voto vencido nos rumos tomados pela campanha que demonizou banqueiros e agora busca sua confiança. Curvou-se, num movimento inverso àquele que, na sua campanha, o levou a ser voto vencedor em embates petistas que queriam a família de Serra exposta em palanque.

Distanciado da presidente desde o entrevero do reajuste da tarifa, Haddad acompanhou-a em eventos de campanha fora da capital. Coroou sua reaproximação com a sanção do projeto que muda o indexador das dívidas de Estados e municípios. Não entrou em seu círculo próximo mas está longe da tensão que marcava o convívio dos ex-ministros da Educação e da Casa Civil.

“Diga aí dr. Haddad”, saudou Dilma antes de abraçá-lo na chegada ao evento do Natal dos catadores em São Paulo. Ao fim da reunião que precedeu evento público, a presidente aludiu à intimidade entre prefeitos e catadores: “Tô percebendo que você está popularíssimo aqui”.

Nenhum interlocutor, no entanto, lhe é mais frequente que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, com quem se encontra semanalmente no Ipiranga. Lula é ainda a principal âncora de Haddad no partido que custa a dobrar – vide a pré-candidatura Marta Suplicy – do que muitos interlocutores de oposição.

Em todos esses encontros, o prefeito testa o discurso com que pretende fisgar a chamada ‘classe média avançada’. Onerados com o IPTU, esses setores teriam como contrapartida ofensivas de mobilidade urbana, iluminação pública com LED e ciclovias.

Essa terceira via, destrinchada no livro “Conversas Políticas”, organizado por Aldo Fornazieri e Carlos Muanis, que reúne entrevistas do prefeito e do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, contrapõe-se a que chama de ‘movimentos emancipatórios’. Herdeiros de 1968 em primaveras mundo afora e no inverno de 2013 no Brasil, esses movimentos, segundo Haddad, não foram capazes de responder às demandas surgidas com a crise financeira de 2008.

Parece mais flexível do que quando assumiu a prefeitura, mas ainda está por se provar um projeto de ‘refundação’ do PT.

Parece apostar no vácuo aberto pela derrota de Marina, seguido pela desagregação do Rede simbolizada na ida do principal articulador político da ex-candidata, Walter Feldman, para a CBF, mausoléu da velha política. Ainda tem pela frente o pedágio da reeleição e as ratoeiras de seu partido se pretende enfrentar seu atual parceiro tucano do Racionais SP quando 2018 chegar.

Maria Cristina Fernandes é editora de Política. Escreve às sextas-feiras

Lourdes Nassif

Redatora-chefe no GGN

9 Comentários

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  1. Ou seja, estamos voltando ao

    Ou seja, estamos voltando ao 1 mandato…Aguaciar os perdedores.

    Os estados que mais deram votos ficam as “moscas”, mas pensando bem, será que é a provavel falta de água em SP, por isso Dilma errou o caminho achando que era o semiarido?.

     

  2. Vamos ver, mas o artigo me

    Vamos ver, mas o artigo me levou a pensar que, se antes vinha achando que a lenha na fogueira aecista que o FHC vem colocando era por inveja doentia, agora estou começando a ver que pode ser estratégia pra queimar o neófito e retomar o controle paulista do partido.

  3. “ratoeiras”??

    “Ainda tem pela frente o pedágio da reeleição e as ratoeiras de seu partido se pretende enfrentar seu atual parceiro tucano do Racionais SP quando 2018 chegar.” parece que p aecim tá fazendo escola..se no PT tem “ratos” o que dizer do DEM e PSDB dona Maria Cristina Fernandes?? kd os petistas para responder a mais essa acusação?

  4. Rá! Racionais…Pura armação

    Ha! Racionais…

    Pura armação para transferência de culpa. É sabido que o sistema entrará no próximo período seco em condições ainda piores que as desse ano. Qualquer projeto que venha a ser planejado e implantado virá tarde.

    Ou seja: é mais um elemento pra embolar com o golpismo que já estará em andamento no ano que vem.

    O jogo vai ser: “o governo federal não fez nada!”; “ah, mas eu ajudei!”

    Pra botar “o povo na rua” e precipitar os fatos vai ser fácil.

  5. Por ter sido escrito por Maria Cristina Fernandes ue

    é um grande progresso em relação aos textos pavorosos dos últimos anos.

    Prova que atras da empregada dos Frias e Marinho, há alguma racionalidade.

    Mas quando li “Têm como porta de entrada o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, com quem janta, conversa ao telefone e troca mútuos elogios.” pisquei: ou é uma mentira ou o nosso prefeito gosta de viver perigosamente.

    Por que fhc é mais falso que nota de US$ 3 com a cara do Lula.

  6. umas racionalidades Racionais AC/DC dos Espelhos dos Príncipes y

    umas racionalidades Racionais AC/DC dos “Espelhos dos Príncipes y dos Ogros” quando no Poder, logo ali, da Baixa Idade Média…

    “Na França de 1259, o tempo é ainda da busca de um equilíbrio entre o rei e a Igreja. O rei é o braço secular de Deus e da Igreja, garante a fé, é ele próprio o rei cristianíssimo, mas não se deixa conduzir pela Igreja, sobretudo nos negócios temporais. Para Gilbert de Tournai (doutor teólogo antepassado ilustre de frei Beto e frei Boff, recentemente recebidos em palácio como confessores juramentados e conselheiros magistrais do reino de Dilma a Teimosa…), nessas altas esferas do poder, o pecado mortal número um continua sendo a superbia, a soberba, o orgulho. A avaritia, a cobiça, que tem tendência a suplantá-la na hierarquia dos vícios, apesar da lição sobre o desprezo aos tesouros, não ameaça o rei tanto quanto a soberba. A hipervalorização do fisco real ainda não era insuportável.

    […]

    O rei deve agir como a cabeça em relação aos membros. Dele devem partir as ondas positivas que se espalham pelo corpo todo da monarquia. […] O rei deve ser um investigador do mal, um inquisidor.

    […]

    Esses onze últimos capítulos dessa primeira parte são consagrados às personagens mais execráveis do círculo íntimo real, os curiais, os homens da Cúria, a corte. Não é preciso aqui tomar “cúria” no sentido senhorial e cerimonial que a palavra assumirá a partir do século XVI. A Cúria é o lugar do aparelho governamental e administrativo de um rei feudal no ato de desenvolver a ideia  e os órgãos de um Estado centralizado e burocrático.

    […]

    A origem da boa reputação (bona fama), elemento muito importante na Idade Média, incluindo-se aí o plano jurídico. Esse desejo faz nascer no príncipe a justiça e a disciplina. A justiça aqui é o motivo principal. Gilbert de Tournai lembra que ela deve ser a mesma para todos, que o gládio do juiz está a serviço da justiça. O príncipe justo deve proibir os juramentos ilícitos, reprimir a injustiça dos cidadãos, dos burgueses no trato com o clero e com os fracos (é uma das chaves da política dos reis de França na relação com as cidades, no século XIII). Deve sobretudo fiscalizar e punir, quando for preciso, seus “prefeitos” e seus bailios (é o sentido de numerosos inquéritos ordenados por São Luís para corrigir os erros de seus representantes). Por fim, o rei deve refrear-se a si próprio, evitar os abusos da justiça real no trato com o pobre, assegurar-lhe essa justiça sem deixar a sentença tardar durante anos.

    […]

    A galinha, afinal, é a mãe modelo que se sacrifica por seus pintinhos (!!?!?!!!??). Nesses assuntos, o rei deve ter a virtude da clemência (os lugares-comuns da moderação e da misericórdia ( penso no indulto amigo de Natal ao nobre Genoíno) estão no centro da ética principesca do século XIII), porque a clemência não fragiliza a justiça. Também deve ser mais severo quanto às injustiças feitas aos outros do que àquelas de que é vítima. Se quiser ser bom com o seu povo, o rei nada perderá, ao contrário. A maior fortaleza de um rei é o amor de seu povo. Esse amor é o melhor fiador da mais alta finalidade da política: a paz.

    […]

    A primeira virtude do rei é a justiça. Luís insiste nisso e valoriza o caso em que o rei estaria enfrentando um adversário na justiça. O rei não deve influenciar o conselho que só deverá se pronunciar com base na verdade. Aqui, ainda uma vez, os ideais, os valores estão acima de qualquer pessoa humana, por mais poderosa ou mais amada que ela seja (parágrafo 17). São Luís trabalhou para reforçar o poder real, mas o manteve longe do absolutismo no qual cairão finalmente os reis de França. Não só a verdade (e a lei destinada a fazê-la respeitar) está acima do rei, mas o rei deve aceitar as decisões dos organismos estabelecidos para ditar a justiça, aqueles “membros do [seu] conselho” que constituem o Parlamento que ele acaba de criar.

    […]

    Uma outra obsessão de São Luís aparece sobretudo a partir de 1247: o remorso político, porque a política é negócio de moralidade. O rei deve reparar todo erro feito a seus súditos, em particular toda a apropriação injusta, “de terras ou de dinheiro”. Um dos grandes cuidados da Igreja, no século XIII, é obrigar os mercadores e usurários ou seus herdeiros a restituir benefícios ilícitos, juros proibidos. Numerosos são os manuais que tratam dessas restituições e os testamentos que exprimem, pelo desejo de restituição, o remorso dos beneficiários de aquisições abusivas. Mais rara e mais difícil ainda de conseguir é a restituição desse bem fundamental, a terra. E São Luís sabe bem que essa palavra “devolver” que recomenda ao filho é dura de pronunciar, pois designa uma ação ainda mais dura de se consumar. 

    […]

    Por serem os problemas não poucas vezes muito “espinhosos”, como no caso há pouco citado das restituições, Luís (creio que… está óbvio de que não se trata de Luís Inácio Lula…) recomenda ao filho recorrer nessas matérias a um conselho de magistrados.  Ainda uma vez tem-se aqui um tema essencial dos “Espelhos dos Príncipes” cristãos. O rei deve consultar, escolher bons conselheiros e escutá-los.

    […]

    O rei é responsável pelos homens que nomeou e dos quais faz seus representantes ou seus funcionários domésticos. Deve cuidar para ter bons prepostos, bons membros de seu hôtel, quer dizer, de sua casa. Chamados a fazer reinar a justiça, eles próprios têm de ser justos. 

    […]

    O rei, do qual se dizia estar exclusivamente nas mãos dos dominicanos (frei betos) e franciscanos (frei boffs), recomenda ao filho que se aconselhe tanto com os “bons” leigos (como seu nassif) como com os “bons” religiosos (como bispo edir macedo).

    É a dupla “boca” e “pensamento” , que sublinha a importância da palavra, nesse século de “nova palavra” , mas que lembra a necessária ligação entre o que se diz e o que se pensa. A palavra não deve ter autonomia, deve ser submetida ao pensamento, o que se diz deve vir do coração e da razão, deve traduzir fielmente o coração e a razão.”

    São Luís – Biografia, de Jacques Le Goff. Trad. Marcos de Castro. Ed. Record, 1999.

     

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