STF pode por fim ao voto impresso e expor a riscos: relembre histórico

Patricia Faermann
Jornalista, pós-graduada em Estudos Internacionais pela Universidade do Chile, repórter de Política, Justiça e América Latina do GGN há 10 anos.
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Jornal GGN – O Supremo Tribunal Federal (STF) julga hoje ação que questiona se o voto impresso é constitucional. Aprovado pelo Congresso em 2015, a minirreforma política estabeleceu a impressão do voto como medida de segurança. Já com a implantação gradual das impressoras preparada para este ano, os ministros decidem sobre o tema às vésperas da eleição.
A Corte analisará o questionamento da Procuradoria-Geral da República (PGR), que defende o fim da impressão do voto por considerá-lo ilegal. Em 2013, o STF já havia trazido o tema a pauta e concluído que as impressões são inconstitucionais. O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) também se mostrou contrário, em parecer emitido em março.
A ação direta de inconstitucionalidade (ADI) 5889 da PGR foi ingressada em fevereiro deste ano e somente agora, a poucos meses das eleições no país, o Supremo irá se posicionar. Se adotar a jurisprudência usada até agora, há muitas chances de a Corte proibir a medida.
Entre outros argumentos, são levantados o cenário que implica a quebra do sigilo garantido aos eleitores, a lentidão no processo eleitoral e também a confusão que poderá provocar nas urnas no momento de votar. Foi Cármen Lúcia, hoje presidente do STF, que relatou o tema em 2013 e considerou a medida ilegal, sendo seguida por unanimidade.
“O segredo do voto foi conquista impossível de retroação. (…) A quebra desse direito fundamental – posto no sistema constitucional a partir da liberdade de escolha feita pelo cidadão, a partir do artigo 14 – configura afronta à Constituição, e a impressão do voto fere, exatamente, esse direito”, havia defendido Cármen Lúcia.
Passados cinco anos daquela decisão e outros três da aprovação da minirreforma eleitoral pelo Congresso, em ano de eleições presidenciais o STF decide retomar o assunto.
Entre os parlamentares, o assunto dividiu opiniões em 2015, mas prevaleceu a do senador João Capiberibe (PSB-AP), que ressaltou o mecanismo como via de segurança. “Caso haja necessidade de auditoria na eleição, por meio do impresso, isso pode ser comprovado”, destacava.
Tema recheado de polêmicas, a possibilidade de fraudar os resultados das urnas eletrônicas foi debatido amplamente pelo GGN em 2014, quando entrevistamos diversos especialistas para entender os riscos do sistema de votações realizado no Brasil.
Entre eles, Pedro Rezende, um dos maiores especialistas em urnas eletrônicas, PHD em Matemática Aplicada, professor do Departamento de Ciência da Computação da UNB e que integrou o CMind (Comitê Multidisciplinar Independente) que investigou o voto eletrônico em 2014, nos ajudou a entender a complexidade e fragilidade do sistem de segurança e computação dos votos.
Concluiu que se tratava de “um sistema excessivamente vulnerável a falhas ou erros – involuntários ou não – de programação” e, ainda, que a própria apuração em caso de fraudes seria manipulável: “As possíveis provas materiais podem ser blindadas pelo dono do sistema, contando com a virtualização completa do registro individual de votos, e se os meios possíveis para a fraude forem descobertos, eles podem ser rearranjados como se fossem meros erros ingênuos de programação”.
Á época, destacava que para combater ou prevenir tal situação não tinha como obstáculo a falta de ferramentas “disponíveis a especialistas em segurança computacional, para detectar contaminações em programas capazes de produzir fraudes automáticas durante o funcionamento da urna ou outros componentes do sistema”.
Mas que “o problema é a concentração de poderes no dono do sistema, que até hoje impediu, e poderá continuar impedindo, qualquer investigação que seja independente o suficiente para ter ao mesmo tempo eficácia e legalidade” [Leia o artigo, a entrevista completa e comentário adicional de Pedro Rezende].
A menção do especialista dizia respeito a reportagens publicadas em uma série especial preparada pelo GGN, que revelou o histórico de favorecimento e irregularidades nas licitações das urnas eletrônicas. Levanamos o histórico de licitações e contratos com o TSE e descobrimos que os serviços de manutenção e segurança das urnas estavam, há pelo menos 14 anos, nas mãos de dois únicos consórcios.
Uma delas, a Módulo Security Solutions S/A prestava serviços de informática ao Tribunal Superior Eleitoral desde 1996, quando o sistema eletrônico foi implantado no Brasil, e que por treze anos (de 2000 a 2013) um único contrato foi firmado com infindáveis prorrogações. Diversas irregularidades relacionadas à empresa foram divulgadas pelo GGN [relembre aqui].
No quadro de sócios da Módulo Security, o empresário Sergio Thompson-Flores, que chegou a comprar oito usinas entre 2006 e 2007, fechando parcerias com Henri Phillipe Reichstul, então fundador da Brenco e ex-presidente da Petrobras durante o governo de Fernando Henrique Cardoso.
Outra empresas que teve contratos intermináveis com o TSE foi a Probank, que de 2006 a 2011 teve prorrogações sucessivas em contratos, sem direito a concorrência por outras empresas. Um dos donos da Probank, Paulo Camarão era, até um ano antes, Secretário de Informática do TSE. Ele criou o serviço de totalização dos votos (E-VOTE) e ampliou a influência em acordos comerciais.
Uma terceira empresa assumiu as contratações do TSE desde então, a Engetec, que foi caracterizada pela Justiça como parte de um mesmo grupo econômico da Probank. No ramo, a Engetec integra o Consórcio ESF, com a parceria de outras empresas favorecidas em contratos e licitações, como a Smartmatic Brasil Ltda.
Pedro Rezende, o mesmo especialista que nos concedeu entrevista auxiliou o Congresso no ano seguinte, em 2015, com artigos publicados, para defender a impressão do voto, em conjunto com a urna eletrônica e, assim, garantir mais transparências nas eleições.
A partir dessas constatações, o GGN tentou entender como se poderia manipular os resultados eleitorais de urnas eletrônicas. Para isso, conversamos com a advogada Maria Aparecida Cortiz, outra integrante do CMind (Comitê Multidisciplinar Independente), formado por especialistas em tecnologia.
O grupo passou a investigar o caso com a ajuda de um jovem hacker da UNB recém formado que, em menos de três meses, conseguiu acessar o sistema de urnas do TSE e descobriu um arquivo que possibilita a instação de programas fraudados, o “Inserator CPT” [relembre aqui].
Além disso, o Comitê também identificou que o programa de segurança então comandado pela empresa Módulo Security S/A era transmitido de Brasília a outros estados por meio da insegura rede de Internet. As conclusões do CMindo foram enviadas ao TSE na forma de petição, que foi arquivada por um juiz da Secretaria de Informática.
O caso foi inicialmente criticado pelo PSDB, que disputava as eleições com Dilma Rousseff e havia sido apontado como possível favorecido em fraude nas urnas. Mas após o resultado eleitoral, de pouca diferença garantindo a vitória a Dilma no segundo turno, a Executiva Nacional do PSDB decidiu querer investigar o resultado.
“Eu acho triste, agora, depois que perdeu, colocar a culpa na urna eletrônica”, havia comentado o presidente da Comissão de Direito Eleitoral da OAB-SP, Alberto Lopes Mendes Rollo. “Avaliando com suavidade, profundamente lamentável essa iniciativa do PSDB”, exclamou o jurista brasileiro Dalmo Dallari ao GGN [Leia mais aqui].
De lá para cá, o caso foi levantado para o debate do Congresso, gerando a aprovação da impressão dos votos. Mas a procuradora-geral da República, Raquel Dodge, usou os mesmos argumentos sustentados pelo TSE, de que a impressão prejudicaria o direito ao voto secreto.
Em março, a assessoria jurídica do Tribunal Eleitoral pediu a anulação da medida imposta pelo minirreforma eleitoral, ainda que já tenha dado início à implantação gradual das impressoras em algumas seções eleitorais, que contariam com o equipamento.
Para este ano, a Justiça Eleitoral já está providenciando 30 mil impressoras que serão acopladas às urnas, em uma compra já autorizada no valor de R$ 57,4 milhões. Mesmo assim, a assessoria jurídica do TSE encaminhou um parecer à ação direta de inconstitucionalidade, defendendo o fim da medida e classificando-a como “inegável retrocesso no processo de apuração das eleições”.
“A reunião de todas as escolhas do eleitor em um único documento impresso facilita a identificação e quebra do segredo constitucional do voto”, diz o texto, que segue a mesma linha sustentada pela PGR, Raquel Dodge.
Faltando quatro meses para os brasileiros irem às urnas, se o STF colocar fim ao voto impresso, os ministros também podem estabelecer o prazo para a decisão começar a valer, ou seja, a anulação da impressão para eleições a partir de 2020, por exemplo.
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Patricia Faermann

Jornalista, pós-graduada em Estudos Internacionais pela Universidade do Chile, repórter de Política, Justiça e América Latina do GGN há 10 anos.

6 Comentários

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  1. A eleição pertence ao povo, é
    A eleição pertence ao povo, é um direito do povo, não pertence ao tse, uma justiça que nem deveria existir.
    Invasão não é o voto impresso, isso é garantia, invasão é a tal biometria.
    Eleição é direito do povo brasileiro, não de burocratas.

  2. urna mágica

    Nassif,

    Não há dúvida, esta questão é um verdadeiro acinte à inteligência de um gorila retardado.

    Esta ” é coisa nossa” foi oferecida a dezenas de países, e nenhum deles quis saber da porcaria que só tem uma finalidade concreta, a fraude, algo que, para votação de governadores,senadores, deputados e vereadores, já ocorreu por diversas vezes mas nenhum político reclama. Parece existir um acordo tácito sobre a questão, pois antes desta urna mágica as reclamações podiam ser contadas às dezenas e hoje, o silêncio.

    Em todos os testes oferecidos pelo TSE, à exceção do primeiro, quando só tinham pessoas do TCU e outros órgãos da máquina federal, ao menos um dos participantes conseguiu violar a urna. Chega a ser curioso como esta turma de perfeitos caras de pau é capaz de defender esta excrescência, só a completa segurança da impunidade é que pode fazer um PGR se pronunciar como RDodge.

    Cabe acrescentar que a sociedade nunca se manifestou enfaticamente sobre o assunto, demonstrando um misto de ignorância e indiferença que cabe como uma luva para os pilantras. Depois que inês é morta,como no caso do golpe, muitos começam a reclamar, bacana.

  3. Auditoria

    Se estivessemos usando um software de 3° geração, ainda vá lá. Mas esse de 1° geração inauditável, só gente mal intencionada quer manter. Não sei se tem maracutaia, mas só o risco de ter e não saber, vale o custo!

  4. só para lembrar,

    “Entre outros argumentos, são levantados o cenário que implica a quebra do sigilo garantido aos eleitores, a lentidão no processo eleitoral e também a confusão que poderá provocar nas urnas no momento de votar. Foi Cármen Lúcia, hoje presidente do STF, que relatou o tema em 2013 e considerou a medida ilegal, sendo seguida por unanimidade.”

    eu lembro como foi votar a 1ª vez com biometria. mas ela continua e já foi superada. não é motivo a lentidão.

    te esconjuro camen lúcifer!

     

  5. Pro golpe ter sucesso
    Pro golpe ter sucesso imperioso não deixar pistas

    Que segurança se cobra que uma foto no celular não possa burlar ?

    Imprimir é permitir auditoria

    Este STF precisa ser destituído a bem do país

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