Um pedido, é um pedido, por Samuel Lourenço Filho

Um pedido, é um pedido

por Samuel Lourenço Filho

Presos têm desejos. Presos têm vontades. Uma vez privado de liberdade, e retirada a nossa possibilidade de escolha, tudo aquilo que desejamos fazer, só pode ser feito depois de um pedido.

Só sai da cela se o guardar deixar. Só recebe remédio se pedir ao guarda, só anda na galeria se pedir ao guarda, só progride de regime depois de pedir ao juiz. Tudo é feito através de pedidos. Preso só pode pedir!

No meu aniversário, enquanto preso, pedia ao meu pai, por carta, se pudesse me arrumar capuccino e biscoito de gergelim. Eu comia essa coisas quando estava solto, e como era algo que eu gostava de comer, pedia ao meu pai. Meu pai e minha irmã generosamente me atendiam. Dia de visita, lá estava um saco transparente com um pó marrom, e outro saco transparente com biscoito de gergelim. Algumas vezes o guarda barrou. Mas, valia a tentativa.

Minha irmã, quando podia, levava uns sanduíches da Subway para mim. Ela sabia que eu gostava daquilo. Sempre que possível, tentava entrar com um lanche daquele. Os guardas ficavam putos, falavam besteira, mas deixavam o preso comer um sanduíche.

Já pedi muitas coisas aos meus familiares. Já pedi para não levar nada para comer. Já fui perguntado sobre o que gostaria de comer na semana seguinte de visita. Preso faz pedidos. Preso só pode fazer pedido. Privado de liberdade, de escolhas e de ações, nos resta fazer pedidos.

Já escrevi muitas cartas aos meus amigos. Escrevi para pessoas conhecidas, pedindo desculpas. Pedindo para vir visitar. Já pedi pra fulano ligar pra sicrano. Já escrevi carta pedindo para meu vizinho dar um abraço naquele outro vizinho. Nem um abraço eu podia dar. Mas podia pedir.

Ontem eu li uma carta que foi remetida da prisão. Eu, enquanto povo brasileiro, li. Me emocionei, claro. Li a carta enquanto estava com um adesivo do Ciro no peito. Ontem eu panfletei pro Ciro na faculdade. Distribuí papel, adesivos… Gritei: “É 12!”.

Enquanto lia carta, lembrei das coisas que aqui narrei. Lembrei dos pedidos que fiz enquanto preso. Lembrei da esperança que nutria à medida que a carta, com determinado pedido, era entregue a alguém. Li a carta de uma pessoa que está presa. De alguém que eu faria de tudo para ser solto, inclusive campanha.

Meus amigos advogados e defensores sabem dos trilhões de pedidos que faço em favor dos meus amigos. Toda vez que um amigo preso me pede algo, eu corro pra pedir a alguém. Eu sei o que gera no interior de um preso todas as vezes que ele faz um pedido. Preso fazendo pedido é uma semente lançada, regada com lágrimas. Cultivada na esperança. Já sofri com as cartas não respondidas. Já chorei de emoção com as cartas respondidas. Flavinho, um amigo meu, chorava aos montes com cartas que recebia. Carta de preso faz chorar! Foi por isso que me emocionei ontem. Era a carta de um preso, era a carta do Lula!

Um pedido, é um pedido! Um pedido de preso, pra mim é ordem. É o toque de cadeia, é a “missiva do nove dedos”, é a “epístola do sapo barbudo”, já que adoram usar vulgo para identificar preso, tô aqui fazendo uso da tradição. O cara está preso, se pudesse, faria muitas coisas. Daí o interesse em atender. E não me venha com piadas relacionadas a ordem de traficantes de dentro da cadeia. Aliás, Lula mandou carta pois lá não tem telefone como em outras prisões.

Vou atender o pedido de um querido meu que está preso. Como já atendi outros tantos. Ainda mais atenderei, pois se esse preso estivesse solto, ele faria uma “zona” no Brasil. Se o amigo estivesse solto… Se ele estivesse solto, ele seria Presidente (OUTRA VEZ!). Se ele estivesse solto, pessoas não estariam sendo inseridas no mapa da fome. Se ele estivesse solto, ele daria jeito. É por isso que está preso. E por isso que tentarei corresponder ao pedido do amigo. Um pedido, é um pedido! E este, é O PEDIDO!

Sou aquele meme do cara de mãos dadas com o Ciro, olhando para a carta do Lula. Acatei o pedido por paixão. Acatei o pedido por já ter ficado preso e sentir na pele a convulsão emocional provocada pela ansiedade e expectativas em relação ao escrito. Não deixarei um preso na  mão. Pediu, e dentro das minhas possibilidades, irei atendê-lo.

Agradeço a todos que receberam minhas cartas do meu tempo de prisão,  e responderam. Agradeço por cada retorno. É com essa experiência que me animo com a carta do Lula. Agradeço àqueles que não responderam. A partir da frustração, sei o peso da dor. E por conta disso, não quero ver o meu amigo sofrendo na tranca.

Já o isolaram. Impediram que seu nome seja exposto por aí. Lula enquanto “bandido” é notícia no mundo, mas enquanto candidato, não pode ter sua imagem vinculada. Mó esculacho. Mas sua carta chegou! Recebi o catuque presidente.

Carta escrita dentro da cela, carta escrita sob uma luminosidade precária. Carta escrita num lugar hostil. Recebi a carta que vai agitar o Brasil. Carta de alguém que promete (e cumpre) luz para todos. Pode até ter pouca luz na cadeia. Mas ao teu povo não negaste iluminação. Carta de um lugar hostil para a mesa do trabalhador. Para o seio dos pobres. Carta de um presidiário aos seus solidários e para aqueles que acreditam.

Lula, acredito em tu! Recebo com afeto e esperança tua escrita devido a tudo que passei. Já escrevi cartas da cadeia. Já me responderam as cartas que escrevi na prisão. Aqui não tem “ouvido de mercador”, eu “não irei negar voz pra tu”. Recebo tua carta com carinho e acatarei teu pedido. Pois, para quem experimentou prisão: um pedido, é um pedido!

Samuel Lourenço Filho – Cronista, palestrante, egresso do Sistema Prisional, aluno de Gestão Pública para o Desenvolvimento Econômico e Social -UFRJ
Samuel Lourenço Filho

4 Comentários

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  1. A Carta-Recurso de Lula ao Povo Brasileiro

    A Carta-Recurso de Lula ao Povo Brasileiro

    E o Povo Brasileiro lhe dará ganho de causa e a vitória.

    Pois, afinal de contas, a decisão do Povo Brasileiro não será a dos tribunais vagabundos, de vagabundos Togas Honoris Causa de Puteiro.

  2. Vamos à luta

    Muito bonito e tocante seu artigo Samuel Lourenço Filho. Faz pensar em coisas que não pensamos “aqui fora”. Também li com emoção a carta de Lula ontem. Também senti muita tristeza por esse grande brasileiro estar preso. Vamos à luta.
     

    A proposito, como esta a arrecadação para a impressão de seu livro ? Poderia colocar aqui o link para que possamos participar desse seu projeto ?

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