Uma vela para o novo enterro da cidade de São Paulo

São Paulo teve pelo menos três nascimentos.

A cidade nasceu em volta da Paupercula Domo construída por Anchieta numa elevação próxima a Itaecerá (rocha adorada pelos índios por ter sido tocada por Tupã) e ao Rio Tamanduateí. Também nasceu como uma paliçada erguida pelos primeiros colonos não muito longe da primeira igreja/escola de Piratininga. Somente depois, porém, a cidade ganhou sua certidão de nascimento com as primeiras ruas abertas e nomeadas que substituíram os antigos peabirus (caminhos usados pelos índios).

Quando São Paulo começou a ganhar ares de vila colonial, a Itaecerá (um objeto que poderia ligar à cidade ao seu passado indígena) foi destruída a marretadas pelos colonos e/ou seus escravos. A igreja/escola pobrezinha ganhou uma substituta maior feita de taipa de pilão (edificação ancestral das versões de alvenaria que foram sendo demolidas e reconstruídas no mesmo local).

São Paulo também teve várias mortes. Depois de enterrar seu passado indígena, a cidade das carroças e dos carros de boi morreu para ganhar bondes. Algumas décadas depois ela morreu novamente quando os bondes foram banidos do cenário urbano. Nesse momento São Paulo está morrendo novamente, mas sua nova morte é política e não arquitetônica.

Abandonada à própria sorte por um prefeito medíocre que preferia viajar a governar e destruir o que foi feito por Fernando Haddad a acrescentar algo novo preservando o que havia de bom, São Paulo se encontra politicamente polarizada entre Skaf e Doria Jr. Ambos disputam o governo do Estado. O primeiro já declarou seu apoio a Jair Bolsonaro o outro disse que fará isso no exato momento que Geraldo Alckmin estiver fora da disputa presidencial.

A população de São Paulo nasceu das mulheres indígenas e dos descendentes delas e cresceu com os índios que foram sendo catequizados, mas os descendentes brancos dos colonos adotaram como seus heróis mitológicos os caçadores de índios. Os símbolos monumentais dedicados aos Bandeirantes povoam a cidade e dão corpo à rejeição do passado indígena que é ensinada nas escolas públicas e privadas.

Dividida entre dois candidatos ao governo do Estado que, entretanto, estão unidos pelo apoio ao candidato presidencial que odeia índios (negros, gays, intelectuais, artistas, etc…), São Paulo está morrendo porque afundou afunda na irrelevância política. O brasão de São Paulo diz “NON DUCOR DUCO” (Não sou conduzido, conduzo), mas a cidade está se deixando conduzir pelo que existe de pior no Brasil. É fato (e não adianta Laura Carvalho reclamar na sua coluna de jornal), Jair Bolsonaro já ganhou a elite paulista e provavelmente será mais bem votado que seu adversário na capital que Fernando Haddad administrou de forma admirável, honesta e moderna.

Censurada pelo STF, a Folha de São Paulo (de São Paulo, ou seja, da cidade que se diz não conduzida), nem mesmo teve a coragem de reclamar muito. Ao que parece o jornalão paulista também se fechou em torno do preferido de Doria Jr. e de Skaf. Foi um acordo forçado… diziam os militares sobre a censura pós 1964 (videm o livro de Anne Marie Smith). Foi uma censura convenientemente aceita… podemos dizer da forma como a Folha aceitou não insistir na entrevista com Lula para não prejudicar Bolsonaro ou beneficiar Haddad.

A ferocidade e a irracionalidade de Jair Bolsonaro tem sido creditada à ideologia nazifascista, mas há algo nele que é especificamente brasileiro. Digo isso levando em conta algo importante que tem sido esquecido pelos intelectuais de esquerda. Os nazifascistas eram nativistas, ou seja, eles cultuavam o passado pagão de matriz romano e germânico. Bolsonaro odeia qualquer coisa que possa ser ligada ao passado indígena brasileiro e paulista.

Suponho que não tenha sido por acaso que o candidato do PSL se tornou o preferido da elite paulista. Bolsonaro é uma reencarnação do mitológico caçador de índio paulista, um verdadeiro bandeirante do século XXI. Ele apoia a violência contra os índios, disse que no governo dele os indígenas não receberam um centímetro de terra. Ninguém ficará surpreso se ele desalojar os índios do Xingu para poder transformar o parque inteiro num grande estacionamento de caças e bombardeiros norte-americanos.

Os bandeirantes do século XVII falavam Língua Geral. Bolsonaro também mal consegue se expressar em português. Ele tem dito que colocará Alexandre Frota no Ministério da Cultura. Isso me parece bastante apropriado. Caso seja eleito e escolha um intelectual para o posto, o novo presidente precisaria de intérprete para se entender com um Ministro capaz de usar todos os recursos expressivos da língua pátria.

A pátria dos bandeirantes era a desumanidade lucrativa. Quando não estavam caçando índios para vender como escravos no litoral e liberar áreas a serem colonizadas no interior, eles destruíam quilombos e decapitavam negros fugidos. A pátria de Bolsonaro não é diferente. Ele tem deixado bem claro que não tem e não quer ter qualquer compromisso com a preservação e/ou a melhora do padrão de vida dos brasileiros pobres. De fato, ele pode perfeitamente reduzir milhões de brasileiros à condição de indigentes para beneficiar um punhado de amigos e banqueiros.

São Paulo está prestes a morrer politicamente. Quem decretou assinou sua sentença de morte foi a própria elite paulista dividida entre Doria Jr. e Skaf e unida contra Fernando Haddad. A cidade poderia engrandecer sua importância levando uma vez mais seu ex-prefeito à presidência da república, mas preferiu se entregar nas mãos cruéis de uma besta-fera comparável a Domingos Jorge Velho. Entre hoje e amanha, acenda uma vela para esse cadáver político produzido pelo ódio irracional ao PT.

 

Fábio de Oliveira Ribeiro

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