Futuro, um direito que não pode ser contido ou delimitado

Por Marco Antonio L.

Da Carta Maior

Tudo o que afeta e infelicita a parte afeta e infelicita o todo

Resta apenas proteger um tipo de direito, tão importante quanto qualquer outro direito. É o direito ao futuro. Alguns poucos países – felizmente – ainda não se deram conta que esse é um bem maior a ser protegido.

Washington Araújo

Direitos humanos tem sido bandeira contumaz e discurso inflamado para gerações de seres humanos desde o fim da 2ª. Guerra Mundial, gerações que tiveram familiares assombrados com os horrores dos campos de concentração nazista e com as nuvens de cogumelo que exterminaram milhares de vidas nas cidades japonesas de Hiroshima e de Nagazaki, vítimas que foram das primeiras bombas nucleares de nossa História. Porque os horrores, até então inimagináveis, testemunhados na primeira metade do século passado foram acima de tudo investidas letais contra todo traço de dignidade humana e ocasião fugaz, mas no entanto tenebrosa, do reinado da maldade e da crueldade humanas.

Poucas vezes nos vimos às voltas com tantos meios de extermínio em massa de populações inteiras, fossem armênios, fossem judeus, contingentes humanos vitimados por terem a pele negra, amarela, e branca também. 

E foi para dar um freio de arrumação nessa escalada da estupidez humana que reverberou a proclamação da existência de direitos humanos essenciais, desde o direito à vida até o direito a ter e a praticar uma crença religiosa; do direito à nacionalidade e do direito à educação, à saúde, ao trabalho; do direito de ir e vir ao direito de livre reunião. 

Todos estes direitos vieram com a marca do que não pode ser contido nas fronteiras nem geográficas nem do pensamento. 

Direitos humanos, mas tão humanos, que têm precedência sobre limitações artificialmente impostas pela lei do mais forte para oprimir os mais fracos. 

Direitos que contemplam o respeito e o apreço à vida e à liberdade e que se sobrepõem de forma a mais natural possível a características humanas que se transmutaram em estigmas e que atendem por vocábulos restritivos como nacionalidade, gênero, crença, origem étnico-racial, classes social e cultural. Justamente o rico legado da diversidade humana, herança de todos nós humanos, passou a ser fonte de opressão e tirania, além de genocídios postos em movimento.

Mas a humanidade nem mesmo ficou aguardando o sinal dos direitos humanos fechar: logo foram proclamados os direitos das crianças e das mulheres, dos povos indígenas e dos povos ciganos. Vencida a etapa da emergência dos direitos puramente humanos vimos chegar à superfície da existência os direitos a um meio ambiente harmônico, sustentável e para benefício de toda a espécie humana; a par com legislações avançadas tratando do mar e do direito do clima. 

Descobrimos a duras penas, guerras e conflitos intermináveis, que temos um destino comum a partilhar. Na memória da pele humana foi gravada em alto relevo a percepção de que ‘tudo o que afeta e infelicita a parte, afeta e infelicita o todo’.

Podemos afirmar que vivemos em um oceano de direitos, direitos para todos e mecanismos sendo criados para proteger-nos de todas as formas de totalitarismo, segregacionismo, divisionismo e contra as quimeras das falsas superiores que produziram no leito dos séculos infindáveis fábricas de cemitérios, de órfãos e de viúvas.

Resta apenas proteger um tipo de direito, tão importante quanto qualquer outro direito. É o direito ao futuro. Alguns poucos países – felizmente – ainda não se deram conta que o bem maior a ser protegido é o direito ao futuro. Porque a vida humana só encontra completude se a ela se acopla o direito ao futuro, futuro de ser, existir e ter os meios para a busca da felicidade.

E o caso do Irã apresenta-se como caso emblemático em que não apenas se deixa de proteger o seu rico milenar passado – terra de grandes estadistas, poetas, cientistas, matemáticos, arquitetos – como torna-se política pública de Estado a negação a um futuro brilhante para suas novas gerações de rapazes e moças, jovens que são vilmente discriminados e perseguidos por não se alistarem automaticamente à crença religiosa oficial do Estado.

No Irã, desde 1979, com a tomada do poder pelo aiatolá Ruhollah Khomeini até este ano de 2013, no apagar das luzes do segundo mandato presidencial de Mahmud Ahmadnizhad, milhares de jovens bahá´ís são expulsos de universidades e de escolas públicas em praticamente todos os grandes centros urbanos iranianos. A este formidável contingente de cidadãos e cidadãs é negado o direito ao futuro. O direito de serem médicos e engenheiros, professores e cientistas, advogados e matemáticos, físicos e arquitetos. E a lista de profissões é tão extensa quanto extensos são os milhares de ramos do conhecimento. 

O país persa faz vista grossa ao axioma oportunamente escandido pelo pensador Shoghi Effendi (1897-1957), ele próprio uma das figuras centrais da religião bahá´í, quando afirmou que “o maior tesouro de uma nação é o seu povo”. Mas, passando em revistas os últimos 30 anos, não há equívoco se afirmarmos que o axioma há muito deixou de se aplicar ao Irã. Afinal, como considerar o povo um tesouro se a este é negado, geralmente de forma torpe e violenta e absurdamente discriminatória, o acesso à educação superior, o ingresso na vida universitária? 

O Conselho Supremo da Revolução Cultural do Irã apunhalou o futuro de milhares de jovens quando por alguma motivação bizarra e tacanha legislou que jovens iranianos somente podem ingressar em instituições de ensino superior se professarem as religiões oficialmente protegidas por sua Constituição. Trocando em miúdos, só podem receber educação superior jovens que professem a religião oficial iraniana, o islamismo e também os que integram os minúsculos contingentes de crentes zoroastrianos, judeus e cristãos.

É dessa forma legalista – e profundamente obtusa – que o governo iraniano mantém em funcionamento as milhares de traquitanas a asfixiar a sua maior minoria religiosa – os mais que 300.000 adeptos da religião bahá´í no país. E não deixa de ser irônico que são exatamente os bahá´ís que ainda em 1844 proclamavam o nascimento da era dos direitos que agora vivemos, uma vez que proclamavam a unidade do gênero humano, a eliminação de todas as formas de racismos e preconceitos, os direitos iguais para homens e mulheres, o direito universal à educação, a harmonia entre a religião, a ciência e a razão, isto apenas para mencionar algumas fagulhas lançadas por Bahá´u´lláh (1817-1892), o Fundador da Fé Bahá´í, na época em que o Irã ainda era conhecido por seu nome original, Pérsia.

Sim, o direito à educação tem um outro nome. 

Chama-se direito ao futuro.

Washington Araújo é jornalista e escritor. Mestre em Comunicação pela UNB, tem livros sobre mídia, direitos humanos e ética publicados no Brasil, Argentina, Espanha, México. Tem o blog http://www.cidadaodomundo.org

Email – [email protected]

Luis Nassif

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