Ronaldo Bicalho
Pesquisador na Universidade Federal do Rio de Janeiro.
[email protected]

A Crise das Geradoras e a Medida Provisória 688

Do Canal GEE

Luciano Losekann, Professor e Pesquisador do Grupo de Economia da Energia (GEE), fala sobre a crise das geradoras e a Medida Provisória 688.

https://www.youtube.com/watch?v=DBnHwk8OMnw height:394]

Artigo de Diogo Lisbona, Edmar de Almeida e Luciano Losekann, apresentado no 5º Encontro Latino-Americano de Economia da Energia:

A Escolha de Tecnologias de Geração Elétrica Despacháveis versus Intermitentes e o Caso Brasileiro

1. INTRODUÇÃO

Historicamente, a expansão dos parques geradores guiou-se pela escolha pelo menor custo das plantas de geração elétrica. O método internacionalmente consagrado para orientar a expansão da capacidade instalada é o custo nivelado (levelized cost of electricity) – LCOE, que representa o custo por quilowatt-hora da construção e operação da planta ao longo de seu ciclo de vida [6]. Frente a maior diversidade tecnológica atual, o método comparativo das alternativas pelo custo nivelado revelou-se incapaz de confrontar fontes despacháveis (controláveis) com fontes intermitentes.

Críticas recentes sugerem a ponderação dos benefícios decorrentes de cada tecnologia e apontam para a escolha da melhor relação benefício-custo. Há uma literatura adjacente, no entanto, que propõe a comparação entre portfólios ótimos de geração, que minimizam custos e riscos globais, em detrimento da escolha individual de tecnologias guiada apenas pelo menor custo, enfatizando a importância da consideração do mix gerador para a definição da rota de expansão mais eficiente. 

A reestruturação do setor elétrico brasileiro, empreendida na década de 2000, definiu um Índice Custo Benefício (ICB) para comparar as alternativas tecnológicas complementares à expansão hídrica da matriz, selecionando-as em leilões de energia pelo mercado. O Brasil adotou uma expansão calcada na análise de custo-benefício das alternativas, porém desenvolveu uma metodologia própria condizente com as singularidades de seu sistema. Entretanto, após dez anos de realização ininterrupta de leilões para ampliação da capacidade instalada, a visão implícita no cálculo do ICB acerca da operação ótima do parque gerador brasileiro e de sua rota de expansão desejável revelou-se, em grande medida, equivocada [25].
 
O presente artigo tem por objetivo apresentar três métodos comparativos distintos de tecnologias de geração elétrica, despacháveis e intermitentes, enquadrando o Índice brasileiro sob a ótica dessas diferentes abordagens. Divide-se em quatro seções, incluindo esta introdução. Na seção seguinte discutem-se os três métodos comparativos. Na terceira, apresenta-se o caso brasileiro, sob a luz da análise anterior. A última é dedicada às considerações finais.
 
2. ESCOLHENDO TECNOLOGIAS DE GERAÇÃO DESPACHÁVEIS VERSUS INTERMITENTES
2.1. A Escolha pelo Menor Custo Nivelado
 
Tradicionalmente, a seleção dos projetos para a expansão da geração é guiada pela escolha da tecnologia que apresenta o menor custo (least-cost). Assim, o investimento em novas plantas, seja ele determinado por um planejador central, por um monopolista ou pelas decisões descentralizadas do mercado, é fruto da consideração de todos os custos incorridos na construção, operação e manutenção ao longo do ciclo de vida do projeto.
 
O método internacionalmente consagrado para comparar alternativas tecnológicas distintas, que implicam na utilização de fontes diversas, é o custo nivelado de eletricidade (levelized cost of electricity) – LCOE: o custo real por quilowatt-hora da construção e da operação da planta ao longo de todo o seu ciclo de vida [6]. Em outros termos, o LCOE representa a receita média requerida, por unidade de energia produzida, para que o empreendedor recupere todos os investimentos e os gastos com operação e manutenção incorridos no projeto [7]. 1
 
Os componentes de custo ponderados no cálculo do LCOE referem-se a custos fixos, variáveis e de financiamento. Aspectos específicos da tecnologia também são levados em conta no cálculo, como a eficiência da planta e uma projeção para o seu futuro fator de capacidade, que resulta em um montante esperado de energia produzida.
 
Embora seja consagrado, o LCOE apresenta algumas simplificações que comprometem a comparação entre as alternativas tecnológicas. O método não distingue a natureza da oferta de energia, isto é, não leva em conta se a tecnologia é despachável ou não. É evidente que a oferta de uma tecnologia que utiliza uma fonte intermitente não estocável, dependente, portanto, de fatores climáticos, não possui o mesmo valor para o sistema de outra que pode ser despachada a qualquer momento. Outra simplificação do método refere-se à suposição de que o quilowatt-hora produzido é similar entre todas as alternativas tecnológicas. Uma vez que não distingue o momento da disponibilidade da oferta ao longo do dia, do mês ou mesmo do ano, o LCOE desconsidera o valor peculiar, para o sistema, da energia produzida por cada tecnologia. Ao considerar homogêneo o produto gerado por todas as plantas, o LCOE negligencia o caráter de multiproduto dos fluxos elétricos, ignora a curva de carga e menospreza todas as singularidades do produto-processo eletricidade, se constituindo em um método comparativo falho para avaliar as inúmeras possíveis alternativas tecnológicas.
 
Em seu Annual Energy Outlook, embora considere que o LCOE ainda é uma medida importante para a competitividade das fontes, a Energy Information Administration – EIA [6], do Departamento de Energia dos EUA, reconhece que as decisões atuais de investimento em geração são afetadas por outros fatores mais determinantes relacionados à especificidade tecnológica e às características regionais dos projetos. Dentre estes aspectos, ressalta em seu relatório: o fator de capacidade esperado da planta, que depende do formato da curva de carga e do parque gerador existente; o mix de geração existente, que pode afetar a viabilidade econômica dos novos projetos, dependendo de qual fonte será substituída, isto é, evitada (displaced) pelo seu despacho; e a natureza da tecnologia, se é ou não despachável. Neste sentido, o relatório adverte que: “since projected utilization rates, the existing resource mix, and capacity values can all vary dramatically across regions where new generation capacity may be needed, the direct comparison of LCOE across technologies is often problematic and can be misleading as a method to assess the economic competitiveness of various generation alternatives” [6, p. 2].
 
Joskow [12] observa que a comparação entre projetos pelo custo nivelado está intimamente relacionada ao mundo regulatório regido pelo custo de serviço, quando os reguladores necessitavam de uma regra de bolso capaz de justificar a tarifa decorrente da escolha entre plantas com diferentes custos associados. No passado, o leque de opções era mais restrito e as tecnologias convencionais, principalmente termelétricas movidas a combustíveis fósseis e nucleares, eram voltadas para a geração na base. Como se tratava de comparar alternativas que se sujeitavam a regras de despacho, o valor para o sistema do quilowatt-hora produzido era semelhante.
 
Neste contexto, utilizar o LCOE como método comparativo não implicava em grandes distorções para a análise. A concessionária monopolista analisava as fontes disponíveis e investigava qual tecnologia podia gerar energia pelo custo (nivelado) mais baixo. A escolha era, portanto, pelo menor custo e o método de comparação consagrado e reconhecido pelos reguladores era o LCOE.
 
Paralelamente à desverticalização da cadeia produtiva, com o consequente surgimento, em muitos países, de mercados próprios para transacionar os fluxos elétricos, a indústria assistiu a uma diversificação das tecnologias de geração. Esta maior diversidade de alternativas tecnológicas, impulsionadas principalmente pelo desenvolvimento de plantas capazes de explorar fontes renováveis, revelou as limitações e distorções subjacentes às simplificações do LCOE. A agenda ambiental, por seu turno, pressionou a penetração dessas novas tecnologias, especialmente as turbinas eólicas, com o objetivo de reduzir as emissões de gases de efeito estufa pela redução do caráter fóssil intensivo das matrizes elétricas dos países. As nações desenvolvidas, sujeitas a reduções mais severas de seus níveis de emissões, como pactuado no Protocolo de Kyoto, lideraram o processo de introdução das renováveis em seus portfólios de geração elétrica. Neste percurso, a penetração das renováveis, avaliada sob a ótica de seus custos nivelados, esbarrou, entre outros empecilhos, na sua pouca atratividade frente aos custos menos expressivos das plantas convencionais.
 
É sob esta perspectiva que emergem as críticas ao LCOE, expondo a sua inadequação para comparar multiprodutos supostos a priori homogêneos, mais precisamente, as tecnologias despacháveis com as intermitentes.
 
A seção seguinte apresenta a recente proposta de aprimoramento do LCOE na busca por uma metodologia capaz de permitir a comparação e seleção das inúmeras alternativas hoje existentes.
 
2.2. A Escolha pelo Menor Custo Nivelado
 
Joskow [12] atenta que a instituição de ambientes de mercado, formadores de preços e expectativas, altera radicalmente a lógica da avaliação dos projetos. Se antes as concessionárias monopolistas utilizavam o LCOE para comparar diferentes alternativas de geração, predominantemente despacháveis, agora os empreendedores concorrentes tomam (ou deveriam tomar) as suas decisões de investimento considerando os preços dos mercados. Como observa Joskow [12, p. 15]: “They do not calculate levelized costs and choose the technology with the lowest number. To oversimplify, market-based investment decisions start with assumptions about future output prices, output quantities and associated operating costs, taxes, etc., from which a stream of expected future net cash flows is derived.”
 
Diante da incapacidade de se comparar custos nivelados entre plantas despacháveis e intermitentes, Joskow [12, p. 22] propõe, então, o abandono do LCOE e a busca por algum método alternativo baseado em mecanismos de análise que incorporem a avaliação do mercado: “A good starting point would be to evaluate all generating technologies, both intermittent and dispatchable, based on the expected market value of the electricity that they will supply, their total life-cycle costs and their associated expected profitability”.
 
Em consonância com as críticas ao LCOE, a EIA elaborou recentemente um método de comparação e seleção alternativo, buscando introduzir na análise comparativa elementos relacionados ao valor da energia gerada e à contribuição efetiva da nova capacidade instalada para o sistema. A fórmula proposta não descarta o LCOE, mas pretende confrontar os custos nivelados com os custos evitados (avoided cost) pelo sistema com a implantação do projeto.
 
A inserção de uma nova planta na matriz implica em uma alteração na ordem dos futuros despachos. Ao gerar energia com a nova capacidade instalada para suprir a carga, a menos em um primeiro momento, o sistema deixa de acionar alguma outra (displaced) que apresenta um custo marginal de operação superior. Desta forma, o custo evitado é uma medida do que custaria ao sistema atender a carga se não pudesse contar com a contribuição da energia produzida pelo projeto avaliado.
 
A EIA [6] compreende o custo evitado com o deslocamento dos futuros despachos como uma proxy para o valor econômico da alternativa tecnológica em análise. Contabilizando todo o custo evitado ao longo do ciclo de vida do projeto e dividindo-o pela média anual da geração esperada, obtém-se, de forma análoga ao LCOE, o custo evitado nivelado de eletricidade (levelized avoided cost of electricity) – LACE. Em outros termos [7], o LACE expressa uma potencial receita anual esperada para o empreendimento decorrente da venda da energia gerada nos mercados de eletricidade.2
 
A estimação do custo evitado com a introdução da nova planta, calculado pela EIA, abrange duas dimensões. A primeira refere-se à energia propriamente gerada pela planta ao longo do ciclo de vida do projeto. Ao ser despachada, a usina desloca a curva de despacho e evita a operação de plantas mais custosas. Assim, a sua contribuição pode ser estimada pela quantidade esperada de energia produzida pela planta avaliada não pelo seu custo de operação variável, mas pelo custo marginal de operação do sistema. Este cálculo se aproxima de uma análise de custo de oportunidade que procura quantificar, na margem, o deslocamento dos despachos mais custosos.
 
A outra dimensão refere-se à contribuição para a garantia de suprimento. Ao contar com a nova usina, a capacidade instalada do parque gerador se eleva, aumentando a margem de segurança do sistema. Caso não contasse com o despacho da usina em estudo, o sistema teria que ampliar a sobrecapacidade instalada necessária para atender ao pico da carga com segurança. Tipicamente, turbinas a gás são utilizadas para assegurar o equilíbrio do sistema, pois são capazes de gerar em pouco tempo toda a sua disponibilidade para fazer frente a variações bruscas da carga. Porém, as tecnologias contribuem de modo distinto para a garantia de suprimento, uma vez que fontes intermitentes não são despacháveis a qualquer momento. Neste sentido, a EIA propõe calcular o custo evitado de ampliar a capacidade instalada típica de reserva a partir do investimento poupado em novas turbinas de combustão, ponderado pela contribuição efetiva da planta em análise. Isto é, quantifica-se a contribuição à margem de reserva pelo investimento evitado em novas turbinas, porém leva-se em conta a disponibilidade esperada da planta, ao longo do ano, nas horas de pico da curva de carga.
 
O LACE pode ser compreendido, portanto, como o benefício para o sistema da introdução da alternativa tecnológica na matriz, ao deslocar (ou evitar) a geração das plantas mais custosas. Sob esta perspectiva, a proposta da EIA é confrontar o LACE (benefício) com o LCOE (custo), ambos nivelados e anualizados, obtendo, assim, um critério de seleção baseado na consideração do benefício-custo da alternativa.
 
A diferença LACE – LCOE, nos termos da EIA [7, p. 4], “can be thought of as the potential profit (or loss) per unit of energy production for the plant”. Quando a diferença entre o LACE e o LCOE for positiva, para um certo período e uma dada região, a alternativa seria economicamente atrativa. Já uma diferença negativa indicaria a falta de competitividade da tecnologia. Desta forma, a escolha seria guiada pelo maior benefíciocusto entre os projetos confrontados.
 
2.3 A Escolha de Portfólios Eficientes
 
Há uma literatura adjacente que, ao invés de questionar as limitações incorridas no método do custo nivelado e propor possíveis aprimoramentos, enfatiza o equívoco em pautar as decisões de investimento na escolha pela alternativa que representa apenas o menor custo.
 
Uma matriz elétrica é, em geral, composta por várias tecnologias de geração que utilizam fontes diversas e apresentam custos, fixos e variáveis, distintos. Há, portanto, um mix de plantas existentes que estão à disposição do sistema para suprirem a carga a cada momento. O descomissionamento de plantas antigas e o aumento esperado da carga demandam a contratação periódica de nova capacidade instalada. A escolha de em qual tecnologia investir deveria, a priori, levar em conta o perfil da matriz elétrica e as suas necessidades para garantir o suprimento e a modicidade tarifária. Mais ainda, o método comparativo das alternativas deveria avaliar o impacto futuro da escolha presente para a composição da matriz, isto é, a sua contribuição para o custo global do portfólio em relação à sua contribuição para o risco global do mix gerador.
 
Esta vertente defende, portanto, que não se deve proceder à escolha de tecnologias alternativas, mas sim de portfólios alternativos, de modo que a expansão leve em conta o perfil da matriz elétrica em transformação.
 
A abordagem de portfólio no âmbito do setor elétrico procura introduzir noções consagradas em Finanças à lógica da seleção de investimentos em novas plantas de geração, incorporando as ideias de retorno, risco e fronteira eficiente. Como advoga Awerbuch [1, pp. 693-694): “Least-cost worked sufficiently well in a previous technological era, marked by relative cost certainty, low rates of technological progress, technologically homogeneous generating alternatives and stable energy prices. Today’s electricity planner, by contrast, faces a broadly diverse range of technological and institutional options for generating electricity and a future that is highly dynamic, complex, and uncertain. Attempting to identify the least-cost alternative in this environment is virtually impossible. (…) Given the uncertain environment, it makes sense to shift electricity planning from its current emphasis on evaluating alternative technologies, to evaluating alternative generating portfolios and strategies.”
 
Esta perspectiva compreende que as diversas alternativas tecnológicas não se traduzem apenas em custos (nivelados), mas também em riscos, que, como em qualquer outro investimento, devem ser contabilizados. O conceito de risco aqui utilizado não abrange a importante noção de garantia de suprimento sob a perspectiva usual estritamente energética, mas refere-se aos riscos relativos à construção, operação e manutenção das plantas. Tipicamente, a volatilidade dos preços dos combustíveis fósseis é apontada como a principal fonte de risco incorrido nos portfólios (fóssil-intensivos). A insegurança resultante da intermitência de fontes nãoestocáveis, por seu turno, é incorporada apenas na limitação das participações relativas de suas respectivas tecnologias nos portfólios investigados.3
 
O principal insight desta análise reside no efeito de diversificação do portfólio: a introdução de uma tecnologia mais cara ao mix existente pode reduzir o custo global do portfólio, se for o seu independente ou variar inversamente aos custos predominantes. Este é o principal argumento utilizado por esta literatura para a defesa da penetração, em matrizes elétricas predominantemente fósseis, de fontes renováveis intermitentes (solar e eólica, principalmente), que apesentam custos nivelados mais elevados do que as tecnologias tradicionais. De maneira geral, Awerbuch e Berger [2, p. 5] observam que “at any given time, some alternatives in the portfolio may have high cost while others have lower cost, yet over time, an astute combination of alternatives can serve to minimize overall generation cost relative to the risk”.
 
O conceito de “reordenar o portfólio” para alcançar alguma combinação ótima sob a fronteira eficiente se traduz, na prática, em direcionar a rota de expansão do parque gerador. Desta forma, a justificativa de qual tecnologia instalar para atender a carga futura repousa em uma análise ótima dos custos e riscos dos possíveis portfólios de geração, em detrimento de uma escolha centrada unicamente na consideração isolada dos custos nivelados de eletricidade de cada alternativa. A partir desta perspectiva, inúmeros trabalhos analisam a posição relativa da matriz elétrica de países selecionados face às suas respectivas fronteiras eficientes, especificamente construídas com o intuito de prescrever rotas de expansão menos custosas e arriscadas. Por exemplo, Awerbuch e Berger [2] e Awerbuch e Yang [3] analisam a distância entre a fronteira eficiente e a matriz elétrica projetada para a União Europeia, enquanto recente trabalho de Losekann et al. [15] investiga como a matriz brasileira projetada pelo planejamento decenal do governo posiciona-se frente a sua fronteira eficiente. 
 
A abordagem de escolha de portfólios eficientes agrega ideias interessantes à análise comparativa e seletiva de tecnologias de geração elétrica. Direcionar a atenção para portfólios de geração, em detrimento de escolhas restritas à comparação isolada e míope de custos, configura-se, sem dúvida, na maior contribuição desta literatura. Investimentos em nova capacidade instalada devem ser estudados sob a ótica de seus custos e riscos, levando em conta a complementariedade com o mix existente.
 
3. O CASO BRASILEIRO
3.1. As Peculiaridades do Sistema Elétrico Brasileiro
 
O sistema elétrico brasileiro detém características muito singulares: o consumo ainda se expande a taxas elevadas; a hidroeletricidade é a fonte predominante na matriz hidrotérmica; e o território continental do país é praticamente todo integrado pelo Sistema Interligado Nacional (SIN).
 
Após o racionamento ocorrido em 2001, o consumo de eletricidade no Brasil cresceu em média 4,5% ao ano. Mas como o país ainda detém um baixo consumo per capita de eletricidade (2.545 kWh/ano), um crescimento contínuo da demanda é esperado no longo prazo – para o horizonte decenal 2014-2023 está previsto um aumento da carga no SIN de 4% ao ano [9, 11]. Para fazer frente a este aumento, a oferta deverá se expandir continuamente a taxas elevadas.
 
O parque gerador brasileiro é predominantemente hídrico, contando com usinas hidrelétricas que dispõem de grandes reservatórios de regularização e armazenagem que permitem guardar a energia excedente das afluências do período úmido para posterior utilização no período seco. O volume de água armazenável representa uma reserva de energia superior a 200 TWh, o que equivale atualmente acerca de cinco meses da carga nacional, constituindo-se em um importante backup para o sistema [22]. Ao permitir compensar as acentuadas variações hidrológicas anuais, os grandes reservatórios alteram o papel desempenhado pela fonte hídrica na operação do sistema, deslocando-as da ponta para a base da carga e, consequentemente, condicionando a operação presente e futura ao volume de água retido nos reservatórios e à expectativa das afluências [5].
 
Outra importante singularidade brasileira deve-se a extensão do SIN, que recobre quase a totalidade do território continental do país, configurando-se como um dos maiores sistemas interconectados do mundo. Mais do que interligar as regiões geoelétricas, a extensão do SIN se traduz em vasos comunicantes que possibilitam o intercâmbio hídrico. Emerge, então, o principal trade-off operativo: armazenar água para o futuro ou utilizá-la no presente?
 
A decisão de armazenar água, no entanto, depende da existência de fontes firmes despacháveis que independam de fatores climáticos. Para tanto, termelétricas são adicionadas ao parque gerador, viabilizando a administração dos reservatórios e mitigando o risco de déficit. Como o despacho térmico implica, em geral, em gasto com combustível e a capacidade de armazenagem dos reservatórios é muito significativa, a operação privilegia a geração hídrica, administrando os reservatórios de modo a minimizar as probabilidades de vertimento e de déficit. O parque termelétrico torna-se, assim, um backup secundário, complementando o despacho hídrico em circunstâncias hidrológicas adversas.
 
A lógica operativa histórica do sistema hidrotérmico brasileiro demanda, desta forma, uma disponibilidade térmica latente, embora evite ao máximo utilizá-la. Ao contar com a possível geração térmica, a administração dos reservatórios pode ser menos conservadora, reduzindo o nível de backup hídrico. Isto é, a geração hidráulica é turbinada com a água que deixa de ser retida para a geração futura, já que agora está “lastreada” pelo parque térmico.
 
A conjunção dos reservatórios hídricos, das linhas de transmissão e da disponibilidade térmica pode resultar em ganhos sinérgicos da ordem de 25% da carga [5]. Para que essa sinergia latente seja maximizada, é imperativo que a operação do sistema seja centralizada. Na prática, o Operador Nacional do Sistema (ONS) atua como um monopolista, despachando as centrais geradoras segundo uma ordem de mérito que aciona primeiro as usinas com o menor custo. Através de modelos matemáticos computacionais, o ONS otimiza o despacho hídrico-térmico ótimo do SIN, determinando o custo marginal de operação (CMO).
 
O parque gerador do SIN à disposição do ONS, responsável por mais de 98% da carga nacional, conta com cerca de 124 GW de capacidade instalada. A fonte hídrica representa pouco mais de 73% deste total, a participação termelétrica alcança cerca de 20% da matriz e a eólica 2%. Dentre o parque térmico, o gás natural é o energético mais importante, contribuindo com mais de 8% da potência instalada total do SIN, seguido da biomassa (8%), óleo e diesel (4%), carvão (2,6%) e nuclear (1,6%). Embora a eólica ainda apresente uma participação diminuta, contribuindo com pouco mais de 2 GW, deve alcançar 14 GW até 2016, considerando os projetos já contratados, diversificando a matriz elétrica brasileira [9].
 
3.2. O Índice Custo Benefício (ICB)
 
No Brasil, a dominância da geração hidrelétrica tornou evidente, mais cedo do que na experiência internacional, a necessidade de incorporar na análise da expansão do parque gerador os diferentes custos e benefícios de fontes despacháveis e intermitentes. Neste sentido, a reestruturação do setor elétrico brasileiro, empreendida em resposta ao racionamento enfrentado em 2001, definiu um Índice Custo Benefício (ICB) para comparar as alternativas tecnológicas – geração termelétrica, eólica e solar – complementares à expansão prioritariamente hídrica da matriz, avaliandoas nas disputas pelo produto disponibilidade em leilões de energia nova (LEN)4 pelo mercado das distribuidoras.5 Assim, o Brasil adotou uma expansão calcada na análise de custo-benefício das alternativas, porém desenvolveu uma metodologia própria condizente com as singularidades de seu sistema [28].
 
O ICB (R$/MWh) é definido como a razão entre o custo global do empreendimento (do ponto de vista do pool comprador das distribuidoras) e o benefício energético de sua integração ao sistema, como nos mostra a equação abaixo [10]: 
 
 
O custo global compreende todos os custos fixos da planta, o valor esperado dos custos de operação e o valor esperado dos custos econômicos de curto prazo incorridos pelo pool comprador. O benefício energético é avaliado pelo acréscimo observado na energia assegurada à disposição do pool, a garantia física, decorrente da inclusão da planta no sistema.
 
A parcela RF (R$/ano) representa a receita anual fixa requerida pelo empreendedor para cobrir todos os custos fixos do projeto, inclusive os gastos com combustível, operação e manutenção (O&M) associados à geração inflexível das térmicas.6 A parcela QL (MWmed) refere-se à quantidade de lotes de energia ofertados às distribuidoras no leilão. A parcela COP (R$/ano) representa o valor esperado do custo de operação com a geração variável excedente à inflexibilidade operativa. Já a parcela CEC (R$/ano) procura quantificar o custo esperado para o pool comprador da disponibilidade contratada e não utilizada.
 
A parcela GF (MWmédio) refere-se à garantia física atribuída ao empreendimento, a energia assegurada apta a ser comercializada nos leilões, que é multiplicada pelo número de horas do ano para obter um valor de R$/MWh. Para cada fonte há uma metodologia de cálculo específica da GF, como estabelece a Portaria do MME nº 258, de 2008.7
 
À exceção dos custos fixos, os demais componentes do custo global do empreendimento avaliados no ICB dependem, essencialmente, de quanto e quando a usina irá gerar ao longo do ciclo de vida do projeto. É função, portanto, da expectativa do preço de energia que vigorará, mais especificamente, de uma previsão dos futuros CMO do sistema. Considerando a predominância hídrica da matriz brasileira, o ICB depende das afluências futuras, que determinam o custo de oportunidade da água e, consequentemente, balizam a ordem de mérito do despacho hidrotérmico ótimo. Trata-se, portanto, de variáveis aleatórias, cujo valor esperado é calculado com base em uma amostra de possíveis CMO futuros.
 
3.3. A Matriz Selecionada pelo ICB
 
Desde 2005, foram realizados 18 leilões que utilizaram o ICB como mecanismo de seleção do produto disponibilidade. Nesses leilões foram contratados mais de 22 GW médios. Desse total, 22% referem-se à energia hídrica, 16% à energia eólica e 62% à térmica. A participação pequena da fonte hídrica nesses leilões é explicada pelas inúmeras dificuldades de obtenção de licença ambiental para as usinas [24]. Frente a essa limitação, fontes menos competitivas foram contratadas, principalmente nos leilões do período inicial, até 2008.
 
Dentre as fontes térmicas, óleo e diesel foram os combustíveis mais contratados, seguidos do gás natural, do carvão e da biomassa. Apenas 6 térmicas a carvão foram vitoriosas nesses leilões, o suficiente para comercializarem mais energia do que a contratada por todos os 62 empreendimentos movidos a biomassa. As térmicas a óleo e diesel foram vitoriosas até 2010, quando a eólica passa a ser a fonte mais competitiva na disputa pelo produto disponibilidade. Mais de 5 GWmed foram contratados por térmicas à gás natural. 
 
 
A Figura 2 apresenta a dispersão dos custos variáveis (CVU) das fontes térmicas do parque gerador em operação no horizonte 2012-2016 [21]. Pode-se constatar que o parque termelétrico contrato sob a escolha do menor custo-benefício privilegiou, de um modo geral, alternativas com elevados custos variáveis. Os CVU das térmicas nucleares, voltadas para a base, são os mais baixos, em torno de R$ 20/MWh em média. O carvão apresenta CVU médio de R$ 123/MWh, seguido do gás natural (R$ 174/MWh) e dos elevados custos das térmicas a óleo (R$ 439/MWh) e diesel (R$ 757/MWh).8 Estes dois últimos combustíveis apresentam CVU que variam de R$ 310/MWh a absurdos R$ 1.047/MWh.
 
No último leilão de energia nova, realizado em novembro de 2014, foram contratados 1,7 GW médios de energia proveniente de três novas térmicas a gás natural, disponíveis a partir de 2019. Dois projetos são de térmicas movidas a GNL, que serão instaladas ao lado dos terminais de regaseificação, com 1,2 GW de potência instalada cada, 100% de flexibilidade e CVU de R$ 250/MWh.
 
Pode-se concluir, portanto, que o ICB privilegiou, nos leilões, térmicas flexíveis, movidas principalmente a óleo e diesel, e fontes complementares ao regime hídrico (bagaço de cana e eólica). Embora o parque térmico contratado, praticamente todo flexível, apresente baixos custos fixos, quando despachado resulta em elevados custos variáveis de operação.
 
3.4. A Escolha Equivocada do Parque Termelétrico pelo ICB
 
A metodologia de cálculo do ICB foi concebida sob a perspectiva das singularidades do sistema elétrico brasileiro. Como a capacidade de armazenagem dos reservatórios hídricos é muito significativa, a geração térmica complementar deve ser flexível o suficiente para entrar em operação apenas em situações hidrológicas desfavoráveis, atuando como um backup complementar à reserva hídrica.
 
O cálculo do ICB eleva a competitividade de projetos com baixo custo fixo e alto custo variável, ao superdimensionar a garantia física atribuída a térmicas com baixa geração esperada [25]. Ao privilegiar alternativas menos capital intensivas, o ICB seleciona um parque térmico de backup, compatível com a lógica operativa histórica do sistema. Se as térmicas devem a priori ser despachadas esporadicamente, é preferível para o sistema investir menos em custos fixos e aceitar custos variáveis mais elevados. Neste contexto, térmicas mais eficientes e menos flexíveis, com custos fixos mais significativos e custos variáveis menos expressivos, tipicamente a gás natural, não são competitivas.
 
Por outro lado, o ICB também privilegia em sua metodologia empreendimentos com geração sazonal complementar ao regime hídrico, que apresentam oferta esperada maior nos períodos secos, quando as afluências são menores (eólica e biomassa).
 
A expansão hídrica, no entanto, se defronta com inúmeros obstáculos. A maior parte do aproveitamento hídrico remanescente concentra-se na Amazônia, região caracterizada por potenciais de baixa queda e altas vazões no período chuvoso, o que dificulta a construção de grandes reservatórios, cuja viabilização também enfrenta resistências socioambientais. O potencial hídrico remanescente deverá ser aproveitado, portanto, por usinas a fio d’água, que não dispõem de reservatórios de regularização, agregando mais energia intermitente à matriz.
 
Face às dificuldades de expansão hídrica e ao aumento contínuo da demanda, o sistema assiste a uma perda gradativa na capacidade de regularização dos reservatórios. Enquanto que em 2002 o sistema contava com mais de 6 meses de estoque de energia, em 2013 já havia se reduzido para 5,4 e deve chegar a 2017 com reserva equivalente a 4,7 meses [22].
 
 
 
O resultado é o deplecionamento cada vez mais acentuado dos reservatórios, o que condiciona a garantia de suprimento à ocorrência de hidrologias favoráveis, colocando em risco a modicidade tarifária, já que o CMO responde bruscamente à escassez de água. Como mostra a Figura 3, os reservatórios da região sudeste e centro-oeste do país, que respondem a 70% da capacidade do total do SIN, encontram-se atualmente em nível mais baixo do que o registrado em 2001, ano do racionamento de energia.
 
Para fazer frente à perda de regularização dos reservatórios, o operador despacha continuamente, desde fins de 2012, todo o parque térmico flexível concebido para atuar esporadicamente, o que implica em custos insustentáveis para todo o setor. A Figura 4 revela o aumento da participação da geração térmica no atendimento da carga do SIN, que saltou em 2012 de menos de 10% para 25%, atingindo cerca de 30% da carga atualmente.
 
Após dez anos de realização ininterrupta de leilões para ampliação da capacidade instalada, a visão implícita no cálculo do ICB acerca da operação ótima do parque gerador brasileiro e de sua rota de expansão desejável revelou-se, em grande medida, equivocada.
 
Neste sentido, Martins [17] argumenta que o favorecimento do ICB a determinadas tecnologias se constitui em um viés de seleção se a escolha não for desejável do ponto de vista ótimo do sistema. Desta forma, tendo em vista a inadequação de sua premissa acerca da operação ótima do parque hidrotérmico – uma vez que a disponibilidade flexível contratada direciona-se cada vez mais para a base da geração – pode-se concluir que o ICB incorre em viés de seleção em prol de térmicas despacháveis flexíveis com elevado CVU.
 
A perda do grau de regularização aponta para uma mudança no paradigma operativo do sistema elétrico brasileiro. Se antes a operação e a expansão eram guiadas pela minimização de vertimentos de afluências e gastos com combustíveis fósseis, o que exigia fontes complementares à hidroeletricidade, agora parte significativa da geração hídrica deve ser evitada por fontes substitutas de modo a mitigar o deplecionamento dos reservatórios hídricos.
 
Sob o paradigma anterior, utilizava-se a água armazenada como fonte prioritariamente energética, evitando acionar o parque térmico para não incorrer em gastos com combustíveis. Dado a perda de regularização e a expansão preponderante de fontes intermitentes (usinas a fio d’água e eólicas), a depleção anual dos reservatórios está cada vez mais acentuada (vide Figura 3), impondo riscos elevados à garantia de suprimento.
 
Para que a oferta de energia não se condicione a fatores climáticos (chuva, vento ou sol), isto é, para elevar a segurança energética do sistema, deve-se poupar a água armazenada nos reservatórios hídricos, utilizando outras fontes para atender a parcela da carga não suprida. Agora, sob o novo paradigma, deve-se utilizar parte da reserva hídrica como fonte de backup.
 
3.5. ICB versus LOCE, LACE e Portfólios Eficientes
 
O método comparativo desenvolvido há dez anos pelo Brasil, utilizado na definição da expansão não-hídrica de seu parque gerador, apresenta muitas semelhanças com o aprimoramento sugerido recentemente pela EIA à escolha de alternativas pelo menor custo nivelado. A sugestão de superar as limitações intrínsecas do LCOE à comparação entre tecnologias de geração essencialmente distintas (despacháveis versus intermitentes), através da consideração dos benefícios da implantação do projeto em análise, está conceitualmente contida na metodologia do ICB.
 
Como visto anteriormente, o LACE procura estimar o custo evitado com a introdução da nova planta, tendo como base alguma previsão para os futuros CMO. O cálculo do ICB é realizado exatamente a partir de uma previsão dos futuros CMO do sistema, derivados de cenários hidrológicos equiprováveis. O benefício, no entanto, não é definido como o custo evitado pelo despacho da nova capacidade, mas é expresso pela garantia física do empreendimento. Desta forma, o benefício no cálculo do ICB é a energia assegurada pela disponibilidade futura da planta, já que deslocar o despacho hídrico é a priori indesejável, pois na margem implica em gastos com combustíveis e em desperdício com vertimentos.
 
Porém, o ICB compreende o deslocamento da geração hidráulica como benéfico quando ocorre nos períodos de escassez de água, ou seja, quando a geração da fonte em análise é complementar ao regime hídrico – como se verifica com a eólica e com o bagaço de cana. Em cenários com altos CMO, uma geração esperada elevada da capacidade a instalar implica em séries de CEC negativa. Como este termo é parte integrante dos custos, valores negativos correspondem a benefícios para o sistema, aumentando a competitividade da planta. Em outras palavras, a capacidade instalada sob a lógica da disponibilidade também traz benefícios quando complementa o despacho hídrico, capturado pelo termo CEC.
 
Desta forma, o termo CEC representa um “custo evitado às avessas”, pois o custo evitado calculado não se refere ao deslocamento (indesejável) do despacho hídrico, mas sim ao custo de se evitar o despacho da própria planta, precificando a futura capacidade ociosa da potência a instalar pela expectativa do CMO. Na prática, é o despacho hídrico menos custoso que desloca a geração da planta em análise, voltada em geral para backup. Alternativas inflexíveis, sob esta perspectiva, apenas são desejáveis se forem complementares ao regime hídrico e implicarem em custos variáveis de operação nulo ou desprezíveis (biomassa e eólica). Assim, quando a geração é superior à energia assegurada, o CEC é negativo, representando um benefício a mais para o sistema.
 
O ICB, portanto, se aproxima muito da análise de melhor benefício-custo proposta pelo confronto LACE-LCOE, embora tenha adaptado a ideia de custos evitados às peculiaridades de seu sistema predominantemente hídrico. Desenvolvido para comparar alternativas contrastando custos e benefícios, o ICB também levou em conta o perfil do parque gerador instalado, favorecendo tecnologias complementares ao despacho hídrico. Neste sentido, pode-se dizer que a noção de portfólio – desejável, já que não se revelou eficiente – esteve presente na lógica de seleção do ICB.
 
Entretanto, a sinergia entre térmicas flexíveis e reserva hídrica diminui a cada ano com a perda gradual de regularização dos reservatórios. Sob esta nova perspectiva operativa, o ICB incorreu em viés de seleção, como discutido anteriormente, ao favorecer alternativas que não se revelaram ótimas sob o ponto de vista da modicidade tarifária e da garantia de suprimento. Neste sentido, o ICB não acompanhou a evolução do portfólio eficiente desejável para o parque gerador brasileiro.
 
4. CONCLUSÕES
 
Com o deplecionamento anual cada vez mais acentuado dos reservatórios hídricos, a garantia de suprimento e a modicidade tarifária foram por água abaixo. O espectro do racionamento, que se acreditava repelido pelo aumento contínuo, porém míope, da capacidade instalada do parque gerador, ronda novamente o front brasileiro, denunciando a inadequação do perfil de expansão da oferta dos últimos anos.
 
Enquadrar o ICB na discussão de escolhas tecnológicas é relevante para se viabilizar os aprimoramentos necessários na rota de expansão do parque gerador brasileiro. Diante da perda de regularização dos reservatórios, térmicas voltadas para geração na base devem ser viabilizadas para que a garantia de suprimento e a modicidade tarifária não sejam comprometidas.
 
Uma vez consolidada a crítica à metodologia atual do ICB, novos estudos devem se orientar para propostas de aprimoramentos, sob a luz da análise de escolhas tecnológicas. Abandonar o ICB como um indicador de competitividade e viabilidade não resolve o principal problema atual enfrentado pelos formuladores de política energética: como comparar as inúmeras tecnologias disponíveis, despacháveis e intermitentes, para selecionar o mix mais adequado à expansão da matriz?
 
Torna-se cada vez mais premente repensar a rota de expansão do parque gerador brasileiro, adequando o ICB ao novo paradigma operativo.
 
5. REFERÊNCIAS
 
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Ronaldo Bicalho

Pesquisador na Universidade Federal do Rio de Janeiro.

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