A necessidade de um novo debate sobre o programa nuclear brasileiro

Energia nuclear: um debate necessário

Existir ou não a geração elétrica a partir de fonte nuclear no nosso país é um debate importante que deve ser realizado. No entanto, neste instante, sugiro que esta divergência seja colocada de lado, porque há uma emergência maior, sobre a qual os adeptos e os críticos da energia nuclear devem opinar.

O deputado federal Alfredo Kaefer, do PSDB do Paraná, apresentou em 2007 a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) no 122, que visa modificar os artigos 21 e 177 da nossa Constituição para excluir do monopólio da União a construção e operação de reatores nucleares para fins de geração de energia elétrica. Hoje, só a empresa estatal Eletronuclear constrói e opera no setor. Salvo engano, esta proposta será submetida brevemente à votação do plenário, o que pode não significar grande debate, se for aprovada por acordo de lideranças. Aliás, o capital tem o timing perfeito, pois este é o momento ideal para quem tem dinheiro passar as suas propostas no Congresso. Com a proximidade das eleições, todos os partidos estão precisando de dinheiro para as campanhas, pois infelizmente nosso povo é pouco politizado e, assim, uma campanha é, em grande parte, definida pela disponibilidade de recursos financeiros.

Uma observação inicial é que se está falando da permissão de entrada de empresas estrangeiras na geração nucleoelétrica no país. Não existe a possibilidade de uma empresa privada genuinamente nacional vir a ter esta atividade, por causa do porte e experiência requeridos. Podem até camuflar a entrada das empresas estrangeiras no setor, colocando empresas privadas nacionais genuínas na fachada, mas estas serão somente testas-de-ferro. É preciso diferenciar a assistência técnica externa dada a empresa brasileira, como é o caso da Areva, que assiste a Eletronuclear, do uso de uma empresa brasileira sem competência no setor como testa-de-ferro. Então, na prática, o modelo do setor proposto nesta PEC é o do convívio de subsidiárias das empresas nucleares externas com a única brasileira de porte e tradição, a Eletronuclear, que já possui Angra I, II e III.

Advogo a tese de que, se a sociedade brasileira determinar que deva existir geração nucleoelétrica no país, só o Estado poderia possuir, construir, manter e operar as usinas nucleares, que é basicamente o que está na Constituição, hoje. Passo a explicar as razões que apoiam esta tese.

As empresas estrangeiras não irão querer ter no Brasil todas as atividades de projeto, construção, fabricação de equipamentos e montagem das usinas. Seguramente, vão trazer o projeto e os equipamentos do exterior. A construção e a montagem podem vir a ser contratadas com empresas brasileiras, mas elas poderão também forçar para que construtoras e montadoras estrangeiras entrem aqui. Quanto ao ciclo, a proposta do deputado não menciona nada, mas elas irão importar, certamente, elementos combustíveis, o que maximizará a operação de suas unidades industriais no exterior. Não se pode esquecer que, além da obrigação de oferecer energia elétrica, a mais segura e barata possível, para a sociedade, outros objetivos do Estado são o de maximizar a geração de emprego e renda no Brasil. Assim, este critério é muito melhor satisfeito pela Eletronuclear.

Há um mercado de produtos e serviços nucleares no mundo, permitido pela Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA), e com a introdução do novo modelo o Brasil ficará impedido de participar. As subsidiárias estrangeiras aqui sediadas não irão participar de concorrências em outros países, por falta de interesse das matrizes de usar suas subsidiárias, além do lucro de uma eventual exportação não ficar no país. O Brasil poderia tentar entrar, no futuro, com o consórcio Eletronuclear, Nuclep e INB, assistido pela Areva. Esta possibilidade futura está sendo negada com a introdução, hoje, do novo modelo.

O total das remessas de lucros e valores de assistência técnica para o exterior é superior no caso da adoção do modelo alienígena. A diferença entre os valores do modelo estatal e nacional e o modelo estrangeiro representa o montante que não será remetido para o exterior e será reinvestido no país.

A geopolítica da energia nuclear, sobre a qual muitos não se posicionam por incluir a questão da bomba, existe. As autoridades do país, os políticos e a sociedade como um todo não aprovam que o Brasil pesquise para ter uma bomba nuclear. Assim, o Brasil assinou acordos internacionais abrindo mão desta pesquisa e se submete às exigências razoáveis de fiscalização da AIEA. Porém, o Brasil não precisa e não deve abrir mão da posse da tecnologia nuclear para fins pacíficos e, ao absorver o modelo exógeno em pauta, está recusando irracionalmente a posse destas tecnologias. Também, como consequência, a produção da tecnologia da propulsão do submarino nuclear poderá ser dificultada por não se concentrar a geração nucleoelétrica no país nas mãos do Estado.

Resta dizer que a construção e a operação privada de uma usina nuclear traz à tona o célebre conflito entre lucratividade e segurança. Sabe-se que, com o acréscimo de medidas de segurança, mais caras ficam a obra e a operação da usina. A iniciativa privada visa ter o máximo lucro, dentro de uma atuação segura da sua atividade. Contudo, é omitido que existem diferentes graus de segurança para qualquer empreendimento e, a cada aumento da segurança, existe um custo adicional, que aumenta o custo total. Também a escolha do grau de segurança a ser adotado em um empreendimento é uma decisão que leva em conta o impacto na lucratividade, e ninguém pode dizer, com certeza, qual é o grau mínimo de segurança suficiente. Desta forma, pode-se dizer que a construção e a operação de usinas nucleares diretamente pelo Estado podem resultar em usinas mais seguras, à medida que o Estado não procura a maximização do lucro.

Neste ponto da discussão, invariavelmente, surge o contra-argumento de que Chernobyl era do Estado, que não soube operar a usina nuclear. Este contra-argumento traz consigo um desconhecimento de história, pois, na data do acidente, já existia, há mais de 40 anos, a competição ideológica, econômica e militar de duas grandes potências mundiais, os Estados Unidos e a União Soviética. Esta última vinha perdendo a batalha econômica, o que levou o seu governo a adotar medidas imprevidentes, como a de trocar elementos combustíveis do reator de Chernobyl com ele em funcionamento, para não se perder nenhum instante da geração elétrica. Para os céticos do setor estatal, é bom perguntar se a fusão parcial do núcleo do reator de Three Mile Island não teria ocorrido, dentre outras causas, devido ao corte de custos, que afetou a manutenção e a qualidade de materiais usados.

Outro contra-argumento, sempre utilizado, é que, existindo o ente do Estado fiscalizador da segurança nuclear, atualmente a Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN), a segurança estará garantida. Entretanto, algumas das maiores agências reguladoras do país, a ANP, a ANEEL e a ANATEL, que fiscalizam setores abertos ao capital externo, são exemplos de agências dominadas pelas próprias empresas reguladas.

A ANP já colocou mais de 1.000 blocos do território nacional em leilão para a busca de petróleo, atividade esta de pouco valor para a sociedade e de grande valor para as empresas. A ANEEL deixou as concessionárias cobrarem a mais dos consumidores por cerca de 10 anos. A ANATEL deixa o Brasil ter uma das maiores tarifas de telefonia do mundo, em flagrante ação de cartel das operadoras.

Se a PEC do deputado Kaefer passar, conto com a direção e o corpo técnico da CNEN, ou da Agência que venha a ser criada, para oferecer resistência aos assédios de cooptação do setor privado, que com certeza irão existir, uma vez que virão junto com esta “modernidade”.

Paulo Metri é conselheiro do Clube de Engenharia e colunista do Correio da Cidadania

Redação

12 Comentários

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  1. Quer saber como atrapalhar a
    Quer saber como atrapalhar a geração nuclear?
    Escreva um artigo sobre geração nuclear, como este.

    A conclusão de que a geração nuclear é imprescindível para o país vem da COMPARACAO desta geração com outras.
    Se vc isola o assunto vai todo mundo querer “não saber” sobre o assunto.
    Agora se vc colocar o assunto de maneira relativa, que a alternativa a geração nuclear são térmicas movidas a combustível fóssil.
    E que, de acordo acordo com a OMS(NADA A VER COM MEIO AMBIENTE) a geração de energia a partir de fósseis, matam centenas de milhares de pessoas por ano, sem QUALQUER acidente.

    Aí a coisa da de figura.

    Enquanto Vcs não resolvem falar de TODAS AS ao mesmo tempo, tem gente aqui mesmo no blog achando ótimo o fato de o Brasil estar construindo suas térmicas a carvão.

    Sabe, a principal vantagem da geração térmica é que ela pode ficar próxima de onde SE CONSOME eletricidade, ou seja, pode ficar próxima das cidades.
    Com isso aumenta-se o. Lucro devido a menores perdas de transmissão.

    Na primeira chuva ácida vão se dar conta da merda que fizeram.

  2. O debate sobre o uso ou o

    O debate sobre o uso ou o monopólio da energia nuclear pela União é para ontem. Deveria estar superado. O debate que se imporá , cedo ou tarde , é se o pais deve renegociar o Tratado de não proliferação de armas nucleares ou ignorá-lo …

  3. Sob meu ponto de vista

    Sob meu ponto de vista qualquer iniciativa neste contexto tem que primeiro se preocupar e apresentar soluções para os resíduos radiativos deste tipo de geração de energia.

    Exploração comercial, seja pelo governo, por estrangeiros ou por testas de ferros sempre será facilmente lucrativa e economicamente atraente pois o retorno será garantido, mas os dejetos serão problema humano e de estado, e geralmente quem quer o lucro não se interessa em resolver este problema.  Aliás os estoques mundiais de rejeitos radioativos já começam a incomodar, principalmnete depois do acidente de Fukujima onde os estragos radioativos se tornaram mais perceptíveis e  estão se a volumando dia a dia. Para o mundo inteiro este “lixo radioativo” já é problema hoje então despresá-lo numa nova política nuclear é mais que burrice, chega a ser uma irresponsabilidade.

  4. Qualquer iniciativa neste

    Qualquer iniciativa neste contexto tem que primeiro se preocupar e apresentar soluções para os resíduos radiativos deste tipo de geração de energia.

    Exploração comercial, seja pelo governo, por estrangeiros ou por testas de ferros sempre será lucrativa e economicamente atraente, pois o retorno será garantido, mas os dejetos serão problema humano e do Estado e, geralmente, quem quer o lucro não quer custos adicionais para resolver este problema.  Aliás os estoques mundiais de rejeitos radioativos já começam a incomodar, principalmnete depois do acidente de Fukujima onde os estragos provocados pela radioação dos materiais radioativos que vazaram se tornaram mais perceptíveis e  estão se a volumando dia a dia.

    Para o mundo inteiro o “lixo radioativo” gerado nas usinas nucleares já é hoje um problema grave e sem solução, então despresá-lo numa nova política nuclear é mais que burrice, torna-se uma irresponsabilidade.

  5. Midia não mostra.

      Politicos e demais inuteis ideologizados, tambem não sabem – ainda bem.

      Poucos brasileiros sabem da existência da Fundação Patria (www.patria.org.br), a Dona Dilma sabe, tanto que em seu blog, já comentou sobre ela, a respeito do projeto de descontaminação nuclear e tratamentpo de residuos, em dilma.pt/tag/fundacao-patria/

      Este projeto é apenas um dos varios que a Fundação Patria, seus pesquisadores, seus bolsistas, clusters de pequenas empresas e empreendedores individuais, desenvolvem materiais, mems (modulos eletro mecanicos), não apenas com foco na energia nuclear e sua utilização prática ( alem do ciclo de enriquecimento, já dominado).

       Dual-use: Tendo como base os softwares de controle, os mems, placas e cablagens, desenvolvidas originalmente para demandas nucleares, do pessoal do LABEGENE – o Brasil, poderá equipar suas unidades navais com um radar 100% nacional –  o “Gaivota-X”, para maiores e possiveis informações: http://www.tecnodefesa.com.br/materia.php?materia=1529

  6. Tório

    A geração de energia será feita com combustível de Tório, metal abundande na face da terra e muito mais amigável para se trabalhar.

    O Urânio é raro como a Platina na face da Terra e não se justifica como combustível de Usinas de energia, foi escolhido por propiciar as bombas atômicas, mas já ficou mais do que claro que não têm futuro na indústria.

    Com usinas mais seguras, não vejo porque não termos capitais estrangeiros aqui produzindo energia barata para consumo dos brasileiros.

    1. “não vejo porque não termos

      “não vejo porque não termos capitais estrangeiros aqui produzindo energia barata para consumo dos brasileiros.”

       

      Os Ucranianos também estavam adorando o gás barato dos Russos, até que…

       

       

    2. Estamos falando de hoje, do
      Estamos falando de hoje, do que podemos contar hoje.
      E reatores a tório ainda não estão no mercado.

      Outra alternativa são os reatores rápidos que utilizam parte dos dejetos de reatores atuais como combustível. . O tório não é a única aposta para o futuro.
      A UFMG chegou a ter um projeto de reator a tório no fim dos anos 60. Foi abandonado quando o Brasil assinou a compra de Angra.

      Mas seja qual for a aposta vencedora, o Brasil não vai desenvolver a tecnologia e, como sempre, vai comprar no mercado.

      Tecnologia de 70 anos atrás… E isso é o que me incomoda.
      O país do mundo com a maior reserva de energia mineral e mal consegue utiliza-lá.

  7. Creio que a geração eletrica

    Creio que a geração eletrica nuclear seja uma das passagems para o futuro do Brasil.
    É uma area que cria muita tecnologia, seria um grande paço para o pais!

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