Ronaldo Bicalho
Pesquisador na Universidade Federal do Rio de Janeiro.
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Escolha tecnológica na expansão do parque gerador brasileiro: as implicações da utilização do Índice Custo Benefício (ICB)

Do Blog Infopetro

 

 Por Luciano Losekann, Edmar de Almeida e Diogo Lisbona Romeiro

Comparar as distintas tecnologias de geração de eletricidade requer um método que confronte os custos (operacionais e de capital) e os benefícios das alternativas.  O critério de seleção deve ordenar e selecionar os empreendimentos mais adequados para a expansão da matriz. O método internacionalmente consagrado para identificar a estrutura adequada da expansão da capacidade instalada é o custo nivelado das plantas de geração elétrica (levelized cost of electricity) – LCOE, que representa o custo por quilowatt-hora da construção e operação da planta ao longo de seu ciclo de vida (EIA, 2013).

No entanto, o LCOE não leva em conta a diversidade de benefícios entre as fontes, especificamente a diferenciação entre fontes firmes e intermitentes. Na medida em que as fontes intermitentes se tornam mais relevantes, com a difusão das renováveis, métodos que ponderem os benefícios decorrentes de cada tecnologia têm sido propostos para substituir o custo nivelado. Joskow (2011) propõe a busca por algum método alternativo baseado em mecanismos de análise que incorporem o preço da energia em cada instante em que essa é produzida. Assim, as tecnologias que possibilitam o controle do momento em que a energia é produzida (despacháveis) são mais valorizadas que as fontes que não possibilitam esse controle (intermitentes).

Alguns autores propõem a comparação através portfólios ótimos de geração, que minimizam custos e riscos, em detrimento da escolha individual de tecnologias guiada apenas pelo menor custo, enfatizando a importância da consideração do mix gerador para a definição da rota de expansão mais eficiente.

Recentemente, a Agência Internacional de Energia elaborou um método de comparação e seleção alternativo, buscando introduzir na análise comparativa o valor da energia gerada e a contribuição efetiva da nova capacidade instalada para o sistema. A EIA (2014) compreende o custo evitado com o deslocamento dos futuros despachos como uma proxypara o valor econômico da alternativa tecnológica. Contabilizando todo o custo evitado ao longo do ciclo de vida do projeto e dividindo-o pela média anual da geração esperada, obtém-se, de forma análoga ao LCOE, o custo evitado nivelado de eletricidade (levelized avoided cost of electricity) – LACE.

No Brasil, a dominância da geração hidrelétrica tornou evidente, mais cedo do que na experiência internacional, a necessidade de incorporar na análise da expansão adequada do parque gerador os diferentes custos e benefícios de fontes intermitentes e firmes. Assim, os métodos de avaliação da expansão do parque gerador são mais sofisticados que o custo nivelado para comparar fontes termelétricas e hidrelétrica.

A segunda reforma do setor elétrico brasileiro, empreendida na década de 2000, implementou os leilões de energia nova para atender a demanda de longo prazo das distribuidoras de eletricidade, constituindo o principal mecanismo de expansão do parque gerador. Para selecionar as fontes complementares à expansão hídrica da matriz, foi criado um Índice Custo Benefício (ICB). Assim, o Brasil adotou uma expansão calcada na análise de custo-benefício das alternativas, porém desenvolveu uma metodologia própria condizente com as singularidades de seu sistema.

O ICB (R$/MWh) é definido como a razão entre o custo global do empreendimento (do ponto de vista do pool comprador) e o benefício energético de sua integração ao sistema, como nos mostra a equação abaixo (EPE, 2011). O custo global compreende todos os custos fixos da planta, o valor esperado dos custos de operação e o valor esperado dos custos econômicos de curto prazo incorridos pelo pool comprador. O benefício energético é avaliado pelo acréscimo observado na energia assegurada à disposição do pool, a garantia física, decorrente da inclusão da planta no sistema.

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À exceção dos custos fixos, os demais componentes do custo global do empreendimento avaliados no ICB – os custos esperados de operação da planta e a esperança dos custos econômicos decorrentes da sua não utilização – dependem, essencialmente, de quanto e quando a usina irá gerar ao longo do ciclo de vida do projeto. É função, portanto, da expectativa do preço de energia que vigorará, mais especificamente, de uma previsão dos futuros custos marginais de operação (CMO) do sistema. Considerando a predominância hídrica da matriz brasileira, o ICB depende das afluências futuras, que determinam o custo de oportunidade da água retida nos reservatórios e, consequentemente, balizam a ordem de mérito do despacho hidrotérmico ótimo definido pelo operador. Trata-se, portanto, de variáveis aleatórias, cujo valor esperado é calculado com base em uma amostra de possíveis CMO futuros disponibilizada pela EPE.

Desde 2005, foram realizados 16 leilões que utilizaram o ICB como mecanismo de seleção. Nesses leilões foram contratados mais de 20 GW médios. Desse total, 24% referem-se à energia hídrica, 16% à energia eólica e 60% à térmica. A participação pequena da fonte hídrica nesses leilões é explicada pelas inúmeras dificuldades de obtenção de licença ambiental para as usinas (REGO, 2012). Frente a essa limitação, fontes menos competitivas foram contratadas, principalmente nos leilões do período inicial, até 2008.

FIGURA 1 – Energia Contratada (GWmed) nos Leilões que Utilizaram o ICB

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Fonte: Romeiro (2014).

FIGURA 2 – Matriz Selecionada pelo ICB: Energia Contratada (MWmed)

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Fonte: Romeiro (2014).

Dentre as fontes térmicas, óleo e diesel foram os combustíveis mais contratados, seguidos do gás natural, do carvão e da biomassa. Apenas 5 térmicas a carvão foram vitoriosas nesses leilões, o suficiente para comercializarem mais energia do que a contratada por todos os 54 empreendimentos movidos a biomassa. A Figura 1 nos revela que as térmicas a óleo e diesel foram vitoriosas até 2010, quando a eólica passa a ser a fonte mais competitiva na disputa pelo produto disponibilidade. Mais de 3 GWmed foram contratados por térmicas à gás natural.

A Figura 3 nos mostra o preço nominal médio das fontes contratadas. O diâmetro dos círculos é proporcional à energia contratada nos leilões, ao passo que a posição relativa ao eixo das abscissas revela a potência instalada de cada tecnologia. Neste sentido, podemos observar que foram comercializados 12 GWmed de energia térmica, responsável por adicionar mais de 22 GW de potência instalada ao parque gerador, ao preço médio de R$ 132/MWh. Em contraste, a fonte hídrica apresentou o menor preço médio e comercializou pouco menos de 5 GWmed de energia, embora também tenha agregado cerca de 20 GW de potência à matriz. A eólica apresentou competitividade semelhante à fonte hídrica com preço médio de R$ 118/MWh, seguida do gás natural (R$ 125/MWh), do carvão (R$ 129/MWh), da biomassa (R$ 133/MWh) e do óleo combustível e diesel (R$ 138/MWh).

FIGURA 3 – Matriz Selecionada pelo ICB: Preço Nominal Médio das Tecnologias e das Fontes Térmicas, Ponderado pela Energia Contratada

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OBS: O valor abaixo do preço refere-se à energia contratada (GWmed).

Fonte: Romeiro (2014).

A Figura 4 apresenta a dispersão dos custos variáveis das fontes térmicas do parque gerador em operação no horizonte 2012-2016 (ONS, 2012). Podemos constatar que o parque termelétrico contrato sob a escolha do menor custo-benefício privilegiou, de um modo geral, alternativas com elevados custos variáveis. Os CVU das térmicas nucleares, voltadas para a base, são os mais baixos, em torno de R$ 20/MWh em média. O carvão apresenta CVU médio de R$ 123/MWh, seguido do gás natural (R$ 174/MWh) e dos elevados custos das térmicas a óleo (R$ 439/MWh) e diesel (R$ 757/MWh).[1] Estes dois últimos combustíveis apresentam CVU que variam de R$ 310/MWh a absurdos R$ 1.047/MWh.

FIGURA 4 – Custos Variáveis da Matriz Térmica em Operação 

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Fonte: Romeiro, 2014.

Podemos concluir, portanto, que o ICB privilegiou, nos leilões, térmicas flexíveis com elevado CVU, movidas principalmente a óleo e diesel, com a perspectiva que essas usinas fossem pouco utilizadas. O parque térmico selecionado é praticamente todo flexível, porém implica em gastos variáveis muito elevados quando despachado.

A perda progressiva da capacidade de regularização dos reservatórios hídricos aponta para uma mudança no paradigma operativo do sistema elétrico brasileiro – o despacho térmico na base passa a ser necessário. O despacho contínuo, verificado desde 2013, de todo o custoso parque térmico flexível contratado, concebido para atuar esporadicamente, comprometeu a modicidade tarifária e evidenciou a inadequação da matriz selecionada pelo ICB à realidade atual do sistema brasileiro. Após dez anos de realização ininterrupta de leilões para ampliação da capacidade instalada, a visão implícita no cálculo do ICB acerca da operação ótima do parque gerador brasileiro e de sua rota de expansão desejável revelou-se, em grande medida, equivocada. (…) O texto continua no Blog Infopetro.

Ronaldo Bicalho

Pesquisador na Universidade Federal do Rio de Janeiro.

5 Comentários

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  1. Cálculo impossível

    Ronaldo,

    O ICB, em qualquer circunstância, sempre foi e sermpre será uma fonte de corrupção praticamente incontrolável.

    É o mesmo que calcular, ou mesmo atestar a quantidade de material retirado para se limpar um rio assoreado.

    Um abraço

     

  2. Querido, sem considerar o
    Querido, sem considerar o FATOR de capacidade ou seja a energia realmente gerada, tudo o dito é irrelevante.

    Por exemplo, ao considerar o fator de capacidade MEDIO de projetos eólicos vc vai verificar que o preço para energia firme seria de 250.

    Quer dizer que eólica é mais barata que carvão?
    Artigos devem servir para esclarecer as pessoas.
    Se o artigo já chega dizendo uma besteira dessas baseada em uma conta de padaria mal feita. … fica difícil.

    A questão é. …quanto é a nuclear.

  3. Bom, agora que eu li

    Bom, agora que eu li tudo …

    O que querem com esse artigo? Dizer que a conta é da EPE ? Este artigo não é muito apropriado para o blog pois o problema poderia ter sido explicado de maneira simples e sem conta alguma.

    O problema são as consequências de colocar na base o que foi projetado e contratado como backup. Como sempre. ..vem uma conta aí. A conta é o custo.

    Então o artigo fala sobre isso, o custo das térmicas. O custo, ao vencer um leilão, são 2. Um fixo, apenas para colocar a planta ali. Outro variável que seria o custo de operação(combustível )

    O que aconteceu? Alguns empresários colocaram custo FIXO altíssimo, encheram a burra de grana quando não rodavam. Mas se rodar o que acontece? Acontece que ele quebra porque foi malandro. E aí me vem este artigo para dizer que talvez o malandro não tenha quebrado por malandragem. Talvez ele seja apenas uma vítima das circunstâncias. Talvez a EPE seja a responsável. E TALVEZ a conta do prejuízo seja do povo e não do malandro.

     

    Quebre calado malandro!

    A linha argumentativa não vale nada pelo simples fato de que aqueles que concorrem ao leilão também sabem fazer contas.

    Portanto, eles sabem muito bem o que fizeram e o porque. O porque é que parece ter sido ignorado pelo artigo.

    O porque é a proporção entre lucro e risco. Arriscou, veio a crise, e quebrou. O problema é meu agora?

    1. Sim, a culpa é da EPE que não

      Sim, a culpa é da EPE que não sabe planejar porque acredita em um mundo cor de rosa. Aliás, rosa não… verde.

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