Os elementos cruciais para a reestruturação do setor elétrico brasileiro e a pobreza das propostas governamentais
Por Ronaldo Bicalho
Do Site do Instituto Ilumina
O momento atual do setor elétrico brasileiro é marcado pela irreversível exaustão do modelo tradicional no interior do qual ele se desenvolveu. O desafio colocado por essa ruptura radical da trajetória elétrica brasileira impõe a configuração de um novo setor elétrico assentado em bases distintas daquelas que sustentaram materialmente o desenvolvimento da energia elétrica no País.
Em outras palavras, é necessário reinventar o setor elétrico brasileiro a partir de uma nova fundação que seja capaz de sustentar uma nova trajetória evolutiva para essa atividade, de forma a alavancar o desenvolvimento econômico e o bem-estar da sociedade.
Para isso, é preciso desenhar um esboço mínimo que reúna os elementos essenciais para a estruturação desse novo setor elétrico.
A primeira grande questão colocada na elaboração desse esboço é qual será, em termos de recursos naturais, a base de sustentação desse novo setor.
Essa é uma escolha fundamental que irá definir a fundação sobre a qual o novo setor será construído e delimitar as opções técnicas, econômicas, organizacionais e institucionais subsequentes.
A base de recursos naturais
O primeiro elemento essencial na construção de um setor elétrico é a definição da sua base de recursos naturais.
Essa base é o ponto de partida do fluxo de energia que irá percorrer todo o sistema elétrico, da geração ao consumo, e a sua natureza – estoque ou fluxo – desempenha um papel determinante na configuração dessa cadeia como um todo, tanto em termos técnicos quanto em termos econômicos e institucionais.
Quando essa base é constituída de um estoque, como é o caso dos combustíveis fósseis, ela apresenta, em termos da sua disponibilidade, uma regularidade elevada.
No entanto, quando essa base é composta por fluxos intermitentes, como é o caso das fontes renováveis (tanto as tradicionais como a energia hidráulica, quanto as novas como a solar e a eólica), ela apresenta, em termos da sua disponibilidade, uma irregularidade significativa.
Nesse caso, é necessário estabilizar e regularizar essa base de sustentação.
Essa regularização pode ser feita por intermédio das próprias fontes renováveis – via o recurso à sua estocagem (própria ou convertida em outra fonte) ou à sua diversidade/complementaridade espacial/temporal – ou das energias fósseis (estoques) – mediante a utilização de térmicas flexíveis para firmar essas energias intermitentes.
Desse modo, a fundação de um sistema elétrico é constituída de uma Base de Sustentação Primária que suporta, de fato, o sistema elétrico, e de uma Base de Sustentação Secundária que estabiliza essa base primária quando necessário. A existência da base secundária será função da natureza da base primária e do grau de regularização exigido para firmá-la.
A transição elétrica no mundo
A entrada das energias renováveis na matriz elétrica dos países desenvolvidos representa uma mudança radical na base de sustentação do setor elétrico desses países
O que caracteriza essa mudança é justamente a demanda crescente por regularização imposta pela ampliação da participação dessas energias – eólica e solar – na base de sustentação primária desses sistemas elétricos.
A ideia inicial de utilizar o parque térmico existente para firmar essa base esbarrou em alguns problemas significativos. A mudança de papel das térmicas tradicionais de elementos de sustentação para elementos de regularização apresentou inadequações técnicas e econômicas que deixaram evidentes a fragilidade dessa troca de papeis e demandaram soluções que, em linhas gerais, tornaram a energia elétrica mais cara e o mercado elétrico mais complexo.
Essas inadequações das térmicas à firmação das renováveis colocaram a premência do avanço da tecnologia de estocagem como condição necessária para a viabilização da nova base de sustentação renovável.
Esse avanço viabilizaria a utilização de uma base de sustentação renovável em níveis elevados, restringindo o papel dos combustíveis fósseis – tanto nas térmicas tradicionais (base primária) quanto nas térmicas flexíveis (base secundária). Nesse contexto, a energia nuclear passa a desempenhar um papel estratégico na transição, mediante a redução da necessidade de regularização advinda da maior participação dessa fonte não emissora de CO2 na base de sustentação primária; reduzindo, dessa forma, a instabilidade da base de sustentação como um todo.
Portanto, dentro de uma política de enfrentamento da mudança climática, na qual a descarbonização da matriz de geração elétrica é a estratégia principal, um cenário de referência apontaria para uma base de sustentação primária composta essencialmente pelas energias renováveis e complementada pela energia nuclear. Já a base secundária seria preenchida pela estocagem e pela diversidade geográfica.
Nesse cenário, a participação dos combustíveis fósseis seria decrescente, tendendo à irrelevância.
A transição elétrica no Brasil
A base de sustentação histórica do setor elétrico brasileiro foi composta essencialmente pela energia hidráulica, regularizada pela ação dos reservatórios. (…) continua no site do Instituto Ilumina.
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