Uma das surpresas agradáveis, no aggiornamento de André Lara Rezende, foi sua recomendação para que os economistas não minimizem a observação empírica. Em 1995 tivemos uma polêmica pesada, na qual ele ironizava minhas observações, sob o argumento de que não passavam de… observações empíricas.
Agora, o que se observa é ele endossando – com profundidade – as críticas que fazíamos aos dogmas da ortodoxia econômica.
Há só um erro em sua observação. O ponto central da análise da economia não é a observação empírica em si, mas a capacidade de, a partir das observações empíricas, tirar deduções lógicas dos fatos observados, confrontando com as conclusões da teoria.
Toda teoria econômica se sustenta em alguns princípios lógicos. O desafio consiste em identificar os princípios centrais da teoria e, depois, submetê-los a um exercício de lógica.
Vamos a alguns exercícios simples:
Teoria: No sistema de metas inflacionárias, aumenta-se a taxa de juros toda vez que a inflação aumenta.
Princípio lógico – Qual é a lógica? Com mais juros, teoricamente haverá encarecimento do crédito, menos vendas e menos pressão nos preços.
Teste de consistência – O teste, então, consiste em calcular o peso da alta da Selic nas taxas de crédito.
Um ponto a mais da taxa anual da Selic equivale a uma taxa mensal de 0,08%. Perto das taxas de crédito ao consumidor (de mais de 3% ao mês) nem arranha, altera apenas os centavos de um financiamento.
Suponha um financiamento de R$ 1.000,00, com prazo de 12 meses e taxa de juros de 3% ao mês. O valor da prestação será de R$ 100,46.
Aí o Banco Central aumenta a taxa Selic em, digamos, 1,5 ponto ao ano, o equivalente a 0,12% ao mês. Se a financeira incorporar totalmente a alta na sua taxa, a prestação aumentará para R$ 101,21. Quem deixará de tomar financiamento com essa alta irrelevante?
Aí os gênios da planilha sustentam que o problema é no crédito das empresas, no seu capital de giro. Se calcular o peso no crédito, e o peso do capital de giro no custo final das empresas, 1 ponto porcentual nem arranha.
Mas, em muitos momentos, conseguiu reduzir a inflação. Então, por qual canal?
O canal é simples:
1. Aumentando a taxa Selic, o Banco Central atrai investimentos especulativos externos.
2. O investidor traz os dólares, converte em reais e aplica em títulos públicos brasileiros, a uma taxa bem superior ao do mercado internacional.
3. O dólar está a R$ 5,24 reais. O investidor traz, digamos US$ 10 milhões e converte em R$ 52,4 milhões de reais.
4. Com a Selic em 5,25, mas podendo chegar em 6,5%, ao final de 12 meses, o saldo estará em R$ 55.806.000,00.
5. Com os dólares entrando, pela lei da oferta e da procura há uma queda no valor do dólar. Digamos que, ao final de 12 meses, o dólar esteja em R$ 4,50. Há uma redução nos preços dos chamados produtos comercializáveis – aqueles influenciados pelas cotações internacionais – que ajuda a reduzir a inflação.
6. Na hora de sair do país, os R$ 55,8 milhões conseguirão adquirir US$ 12,4 milhões.
7. Ou seja, com o duplo ganhou – da Selic e da apreciação do câmbio – o investidor conseguirá 24% de ganho em um ano.
Não se trata de um mero exercício matemático, mas de um jogo recorrente, desde os anos 90.
Ou seja, o sistema de metas inflacionárias gera o seguinte custo para o país:
1. Aumento e encarecimento da dívida pública, pelo aumento da Selic.
2. Ganhos extraordinários para o capital especulativo.
3. Encarecimento das exportações brasileiras, pela apreciação do câmbio.
Portanto, tem-se uma lógica totalmente torta. Mal comparando, é como se ainda se recorresse a sanguessugas para combater a febre.
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O canal do crédito é realmente fraco no Brasil e o canal do cambio é realmente mais forte. Isso já foi constatado por diversos estudos e, creio, não é novidade na academia. Existem outros canais, mas o do cambio, no Brasil, predomina.
Tem muitos estudos estatísticos mostrando isso, mas essa constatação, infelizmente, não é uma crítica mortal ao sistema de metas. É simplesmente como funciona no Brasil. Nos EUA, por exemplo, outros canais são mais importantes.